É só questão de costume

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Logo após, enquanto Daniel seguiu numa direção, eu e a garota fomos pela outra. Fiquei seguindo ela um pouco de longe, apenas observando e tentando não me afastar demais. Ela tinha um jeito estranho de andar. Não parecia uma garota. Também não era como se andasse feito um homem. Era outra coisa, meio inclinada para frente, com as mãos meio rígidas. Não sei. Era diferente.

Ela andava estranho.

Acabamos indo até o ponto de ônibus e ficamos esperando ali. Não tinha muito mais gente além de mim e dela ali. Era estranho ver um bairro tão vazio. O subúrbio era muito diferente do centro. Não parecia nem a mesma cidade. Ou talvez eu só estivesse vendo as coisas diferente. Não dava mais para saber.

Quando o ônibus chegou, subimos. Estava quase vazio. Ela sentou no fundo. Eu também, mas um pouco longe dela. Depois de uma meia-hora, ela apertou o botão de parada. Aquela altura, o ônibus estava passando por um lugar estranho. Subúrbio também, mas não igual ao de antes. A loja ficava num bairro que parecia estar começando a crescer, cheio de prédios novos sendo construídos. Esse, pelo contrário, parecia um lugar que estava morrendo, cheio de casas abandonadas e prédios largados às moscas, cheio de viadutos, cantos escuros e pessoas observando quem passava.

— Por que você veio para cá? – eu perguntei. – Essa região é perigosa.

— Relaxa – a garota respondeu. – Está de dia. Além disso, se alguém tentar bancar o esperto vai acabar mal.

Ela levantou o casaco e a camisa para mostrar o cabo da faca dentro da calça. Talvez eu tivesse errado em pensar que Daniel era a pessoa mais perigosa dos dois. Não falei mais nada e só fui seguindo. Acabamos indo parar numa rua estreita que dava para uma avenida grande, um lugar cheio de barzinhos e carros baratos. A garota foi para a calçada e de lá direto para a porta do que parecia ser um clube, bar ou qualquer coisa assim.

Não era o tipo de lugar que alguém poderia descrever dizendo que “parece seguro”. Dizer o contrário, porém, até que parecia bem aplicável. Uma fachada velha, uns vidros arranhados, só um letreiro de madeira velho dizendo que aquilo não era uma casa abandonada e sim um bar. Fiquei encarando aquele lugar esquisito.

— Vem – a garota falou. – Tem um cara aqui dentro que pode saber de alguma coisa.

A rua estava quase deserta, tirando por uns dois sujeitos que não paravam de ficar me olhando. Ficar sozinha era burrice. Só podia mesmo era aceitar e ir com a garota para dentro daquela coisa cujo letreiro insistia em chamar de bar. Assim que entrei, a garota fechou a porta atrás de mim.

Estranho.

Acontece que não tinha um bar propriamente dito logo ali atrás da porta. Na verdade, não tinha bar nenhum. Só uma escada que descia. A garota seguiu por ela. Como era o único caminho e eu realmente não estava a fim de ficar sozinha num lugar daqueles, acabei indo atrás dela. Depois de uns quinze degraus, tinha outra porta, dessas sem trinco que se usa em shows, bem mal iluminada. Devia ser ali. A garota entrou e eu segui.

Vermelho.

Quente.

Tapetes, estofados de veludo, um balcão e um bar de madeira de mogno, centenas de garrafas de bebidas que eu nunca nem pensei que pudessem existir, e uma música de B. B. King tocando num rádio. Não era uma birosca de esquina, nem um boteco de algum Zé. Parecia mais um bar de jazz, bem no estilo dos anos 1920. Com um piano e Frank Sinatra eu poderia jurar que tinha entrado em alguma estranha porta dimensional e sido enviada para um filme da Era do Jazz. O que, àquela altura, não me surpreenderia muito, acho. Não tanto quanto encontrar aquele lugar no meio de um bairro como o que eu estava.

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