Capítulo um

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            A editora onde trabalho está localizada num meio altamente literário, que transpira literatura em cada rua, cada casa e em cada esquina: o bairro Hampstead. Daniel Defoe disse que: Tis so near to Heaven, that I dare not say it can be a proper situation for any but a race of mountaineers (1). A House crescia com alguma evidência no mercado editorial, embora a direção considerasse que só contavam os valores que entravam nas contas da empresa e não a aceitação junto do público, que é para mim o mais importante. Quando não se conquista verdadeiramente o público é melhor fechar as portas, mas quando se chega ao coração das pessoas – pelas capas dos livros, pelas traduções, pelos inéditos, pelas iniciativas, pelas formas de divulgação ou simplesmente pelo simples facto de se ouvir o que nos dizem – é meio caminho andado para o sucesso. A House Papers é a editora mais conhecida de todo o Reino Unido, edita e traduz obras de beleza estética e literária que não se comparam. Prova disso é que anualmente participamos em dezenas de feiras dos livros, em centenas de eventos literários, recebemos milhares de manuscritos e os nossos livros são exportados mundialmente, carregando consigo não só a chancela que nos define, mas também vão cheios de vida – da nossa vida de editores. Os nossos livros tendem a ser cada vez mais parecidos com uma pequena caixa de música em que o som são os risos, as lágrimas, os suspiros que proporcionamos aos nossos leitores, são as gargalhadas que nos mantêm vivos. São as imensas horas que lhes dedicamos. Resultado do profundo respeito que temos pelos nossos autores, pelos nossos leitores, pela nossa editora. Tem sido assim desde que a editora começou, ainda eu cá não estava, e será assim enquanto as pessoas quiserem. E quando não quiserem? Arrumamos os livros e vamos lê-los para casa, com um copo de vinho branco, uma música instrumental e um espaço agradável, porque se há coisa de que nos orgulhamos de ser – trabalhadores da House – é pequenos ratos de biblioteca. Estaremos sempre onde existirem livros para serem publicados. Manuscritos para serem lidos e autores para serem encaminhados. Assim somos nós. E aquilo que oferecemos é o que de melhor encontrarmos no outro – que são os nossos exímios autores.

As reuniões entre a direção e o departamento de seleção e revisão textual, aquele onde colaboro, eram sempre iguais, porque em uníssono convocam-me sempre a mim para representar o departamento – que disparate, até parece que o diretor me vai dar ouvidos mais depressa a mim! Protestava eu, nas reuniões semanais. O departamento de seleção textual é o primeiro a ser ouvido e o último a terminar o seu trabalho, nunca está completo e há sempre dezenas de manuscritos a chegar diariamente à receção, existem sempre novos desafios, novas propostas. Somos nós que ligámos o mundo cá dentro. Pelo menos sempre foi assim que trabalhámos. Um trabalho em equipa. O nosso lema é ad augusta per augusta (2). Não nos contentamos com as oito horas de trabalho efetivo, desejamos mais. E quando o segurança aparece perto da meia noite e nos obriga a ir para casa, lá vamos nós, cada um para sua casa, com três ou quatro manuscritos para terminar de ler. Não há nada mais gratificante do que viver numa equipa assim, porque cada um de nós vive mais um bocadinho cá dentro, quando não temos tempo de viver lá fora, se não fosse assim, em vez de ratinhos de biblioteca, seriamos pequenos zombies de biblioteca.

Quando mensalmente temos uma reunião realmente séria – as outras são demoradas, engraçadas e divertidas – sinto que a escolha está sempre feita por parte dos partilhadores de livros que se reúnem comigo na pequena sala do 1º andar, a cinco segundos do elevador, para fazer livros. Barafusto sempre, de forma meiga, porque inevitavelmente não me consigo comportar de outra forma:

- Porque acho que o diretor gosta mais de ti e das tuas ideias! – Argumentava de imediato a Lucy, piscando o olho aos restantes. Era a risada total.

- Creio que estão tão enganados em relação à minha pessoa. Se experimentássemos ir um de nós a cada reunião, talvez pudéssemos perceber quem é o que consegue lá deixar todas as propostas... não compreendo porque tenho sempre que ir eu levar os doces à avozinha! – Reiterava, mostrando-me indignada com as acusações – Vamos a votos!

A última dançaOnde histórias criam vida. Descubra agora