Capítulo quatro

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A semana decorreu com a normalidade comum na editora: chegaram todos os dias dezenas de manuscritos, foi preciso reunir com a gráfica para acertar os pormenores das edições de outubro, novembro e dezembro, rever com os ilustradores os desenhos e, ainda, reler a última tradução do ano. Na sexta-feira, quando cheguei a casa, despi-me e tomei um banho. Precisava de relaxar e nada melhor do que um copo de vinho branco e um banho de imersão. De súbito ouvi a campainha, enrolei um robe à volta do corpo e fui abrir a porta.

- Encomenda para Miss Johnson. – Disseram enquanto abria a porta.

- Boa tarde. É a própria. – O estafeta entregou-me uma caixa e um papel para assinar. Fechei a porta e fiquei a olhar para a bonita caixa, de uma loja caríssima. Desfiz o pequeno laço azul com cuidado e tirei a tampa. Em cima do papel de lustro também azul havia um pequeno cartão:

Jante comigo esta noite para negociarmos as suas propostas.

Jamie Dornan, o seu patrão

O sublinhado fez-me levantar a sobrancelha, lá está ele a relembrar-me da minha condição de subordinada. Não era preciso dizê-lo, muito menos sublinhá-lo. Não sou assim tão alheada que não tenha percebido que ele é o meu patrão, o meu novo patrão.

A medo abri o papel de lustro e era um vestido azul escuro de manga comprida, com decote redondo e até ao joelho. Uma indireta despropositada para o meu vestuário. Permiti-me a pensar o que é a minha irmã acharia de eu ir jantar fora com o meu novo patrão, que por sinal é simultaneamente a pessoa mais arrogante e grosseira que conheço. Nem o lampião do todos lhe devem, o meu ex-namorado, era assim tão inteligente. Fechei os olhos e respirei fundo. Fosse o que fosse, eu tinha que salvar a minha editora, não podia deixar que um palerma qualquer cheio de dinheiro destruísse o longo e árduo caminho que fizemos para a tornar uma das editoras mais conceituadas do Reino Unido. Foi tão difícil chegar até aqui. Houve tanto esforço humano, tanta amabilidade e tanta generosidade por parte da pequena equipa que ocupa todos os dias as salas e os gabinetes da House. Não podia deixar que eles deixassem de acreditar nas suas competências, não podia permitir que os leitores se sentissem defraudados, sobretudo não me era permitido – enquanto leitora compulsiva particularmente de manuscritos inéditos - deixar a literatura morrer de forma lenta. Haverá certamente forma de o convencer das potencialidades do nosso trabalho sem precisar de fazer o sacrifício de ter que dormir com um homem que me deixa de cabelos em pé.

Vesti uma roupa interior nova, embora pouco detalhada. Havia-a guardado para a próxima feira de livros. As pessoas que lidam com livros têm hábitos e vícios estranhos que adotam inconscientemente e os desenvolvem sem terem a mínima noção: tenho sempre roupa interior nova nos grandes momentos da House. Estava a guardar este conjunto preto, com um rendilhado simples, para um momento em que precisasse realmente de me sentir confiante. Depois de vestir umas meias de vidro transparentes, peguei no vestido e abri o fecho comprido - que vai de uma ponta à outra da parte de trás - até meio. Entrei dentro dele, primeiro com uma perna e depois com outra, e em frente ao espelho fechei-o. Não precisava de nenhum colar, o decote redondo cobria-me praticamente o pescoço e dos meus ombros nada se conseguia ver, somente os meus ténues sinais. Como as mangas passavam pouco mais do cotovelo, escolhi uma pulseira de pérolas brancas para o meu pulso esquerdo. Em seguida, dirigi-me à casa de banho e tentei pentear-me. Não conseguia de forma alguma domar o meu cabelo castanho claro que se apoiava nos meus ombros. Se tivesse sabido antes deste jantar, provavelmente tinha passado no salão do Taylor, o meu cabeleireiro de eleição, e ter-lhe-ia pedido um daqueles penteados simples e glamorosos que me costuma fazer. Encolhi os ombros e resolvi deixá-lo solto, com a franja irregular a cobrir-me as sobrancelhas. Só faltava a maquilhagem e os sapatos. Escolhi uns Louboutins vermelhos a combinar com o echarpe que tinha preparado. Um último retoque do meu batom vermelho escuro e um pouco de perfume. Olhei-me ao espelho e adorei o que vi: confiante, bonita, capaz de levar qualquer leigo literário a ler Anne Karenina.

A última dançaOnde histórias criam vida. Descubra agora