Prólogo

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Capa feita por Anemel16

Um garoto brincava com duas minhocas que havia retirado de buracos que fizera na terra enlameada.
Encostava nelas com a ponta suja do dedo indicador e as observava enquanto contorciam-se freneticamente.
Não sabia o porquê delas fazerem isso. Pensava que isso machucava elas, e isso fazia elas se contraírem de dor. Ou provavelmente debatiam-se para tentar afastar uma possível ameaça.
Quando a vida de um animal está em risco por causa de outro, tentamos lutar contra o perigo com todas as nossas forças, mesmo sabendo que a nossa força física não vai adiantar de nada.
Observou a minhoca tentando fugir inutilmente de algo muito maior que ela. Se perguntou se existiria alguma chance dela escapar, sem ser pela força, visto que não havia chances disso acontecer.
Claro que a minhoca poderia sobreviver, mas não por mérito dela. Se algo urgente acontecesse que fizesse o garoto sair correndo, ele esqueceria as minhocas no mesmo momento, como se elas não importassem. Ou então algo podia ferir ou matar o garoto instantâneamente, o que as deixaria livres.
─ Junta esse balde e vá buscar água no poço, Leskam.
─ Tá bem, pai. ─ respondeu o garoto. Se levantou, pisou nas minhocas, matando-as, pegou o balde que estava pendurado por um prego na parede da casa do lado de fora e saiu correndo pelas ruas do vilarejo. Era um menino magro, de oito anos, com a pele um pouco escura. Dessa vez estava mais escura que o normal, mas era devido à sua sujeira. Os cabelos eram curtos e bagunçados. Vivia descabelado e correndo pelos becos do vilarejo.
Ele corria pela rua quando uma galinha entrou em seu caminho, mas quando ele ia chegando perto ela correu para longe. Logo em seguida encontrou uma bifurcação e virou à esquerda e, em seguida, à esquerda novamente. As casas eram feitas de pedra, forradas com madeira e palha. Algumas possuíam o telhado esburacado. Tinha chovido o dia inteiro, então as paredes das casas estavam úmidas e as ruas que eram de areia, estavam cheias de barro; as carroças enfrentavam dificuldade para se locomover e os cavalos atolavam seus cascos no barro. O garoto então virou numa rua à direita e entrou em uma praça circular pequena, com algumas árvores velhas e pessoas passando pela praça, agora que a chuva havia cessado e eles podiam sair de suas casas.
O menino, com seu balde, foi correndo até a fila de pessoas que tinha para pegar água no poço. A fila não estava grande, tinha apenas quatro pessoas; um homem alto e de porte médio que estava pegando água no poço; atrás dele estava um garoto, mais ou menos da idade dele, com um balde na mão, que provavelmente estava ali à mando dos pais também; depois deste tinha uma mulher grávida, de cabelos castanhos claros e na face tinha a expressão de que estava exausta. O menino estava logo atrás da mulher grávida, e enquanto não chegava sua vez de pegar a água, ele ficou olhando à volta. Ele viu dois homens tentando desatolar uma carroça no meio de tanta lama; um casal de adolescentes aos beijos em um canto na praça; e outras duas crianças mais novas que ele; um menino e uma menina que ele imediatamente reconheceu serem os irmãos Wez e Yomi, respectivamente. Esses vieram correndo cumprimentar o amigo.
Mal percebera ele quando chegou sua vez, pois estava distraído olhando as pessoas ao redor.
─ Eaí, Leskam. ─ disse Wez, um garoto da mesma idade que Leskam, mas mais baixo que o normal.
─ Eaí, Wez. ─ respondeu Leskam. Wez era um apelido para Wezkhli, mas ele não gostava do seu nome e não gostava de ser chamado assim. ─ Olá, Yomi.
─ Olá. O que está fazendo ? ─ perguntou Yomi, tirando uma mecha de cabelo da frente do olho. Seus olhos eram grandes e castanhos, e Leskam os achava muito bonitos.
─ Meu pai me mandou vir buscar água. Aposto duas moedas que é para fazer aquela sopa de repolho de novo. ─ respondeu Leskam fazendo cara de nojo.
Wez deu um tapa leve na cabeça de Leskam.
─ Por quê você não compra comida com essas moedas então, ao invés de apostar elas ?
─ Porquê eu só tenho duas. E uma galinha, pelo menos, vale umas cinco moedas. ─ respondeu Leskam, dando um soco no braço de Wez.
As crianças foram repentinamente interrompidas.
─ Anda de uma vez, muleque. Não tenho o dia todo. ─ disse um velho rabugento que estava atrás dele, que eles nem perceberam quando o velho chegou. Quando Leskam se virou, reconheceu ser o senhor Bowill.
Então o garoto, assustado com a voz repentina e zangada do velho Bowill, correu para o poço e amarrou o seu balde na corda que estava ali. Começou a descer o balde, mergulhou ele na água e o puxou de volta. Quando o balde voltou a aparecer já transbordava água. Então ele desamarrou a corda, pegou o balde e se despediu dos amigos.
─ Vejo vocês depois! ─ gritou Leskam já correndo em direção à sua casa.
─ Até mais! ─ gritaram os dois de volta.
Chegando em casa ele entregou o balde para o pai, que perguntou:
─ Por quê a demora, Leskam ?
─ Tinha gente na fila. E algumas demoraram. ─ respondeu Leskam.
─ Tudo bem, agora vá para dentro de casa. Já está anoitecendo. ─ disse o pai, pegando o balde e indo em direção à porta da casa.
─ Mas pai, deixa eu ficar mais um pouco. ─ pediu Leskam, que queria voltar para a praça, pois não pôde brincar durante o dia por causa da chuva. ─ E Wez e a Yomi estão lá na praça.
─ Não. Sua mãe está fazendo o jantar e está quase pronto. E os dois, provavelmente irão entrar também. Sabe que Cole não deixa que eles fiquem até muito tarde na rua. ─ finalizou o pai, com um tom de quem não queria ouvir mais pedidos.
Cole era o pai de Wez e Yomi. Pai solteiro. A mãe deles, Trika, morreu com algo que no início parecia ser uma simples gripe, mas que foi piorando e duas luas depois, levou a vida dela.
E Leskam, nada mais disse. Apenas abaixou a cabeça e acompanhou o pai para o interior da casa.
Sua casa não era rica. Assim que você entrava na casa, se deparava com a cozinha logo em frente, com uma mesa decrépita que parecia que iria desabar a qualquer momento. À direita de quem entrava ficava a sala, com estofados forrados de feno. O forro, que era de madeira, como as demais casas do vilarejo, tinha muitas goteiras. A casa era iluminada por muitas velas que eram postas em cima da mesa, dos balcões e algumas nas paredes. Um pequeno corredor à direita da cozinha, dava direção para dois quartos; um era dos pais de Leskam; e o outro, ele dividia junto com os dois irmãos mais velhos, Dolins de catorze anos e Bern de dezessete.
O jantar então ficou pronto e todos se sentaram à mesa.
A comida era sopa de repolho.
Eu sabia. Se Wez tivesse apostado, eu teria ganho.
A mãe de Leskam distribuiu as tijelas e as colheres pela mesa, e logo em seguida pôs a panela.
Todos se serviram. Mas Leskam reclamou.
─ Sopa de novo ? Não aguento mais tomar sopa.
─ Nós não temos muito dinheiro, meu filho. Isso é o único que conseguimos comprar com o pouco que seu pai ganha nos estábulos. ─ disse a mãe, com um olhar de tristeza.
─ E se eu tentasse ser escudeiro de algum cavaleiro? Eu posso me dedicar a servir à esses cavaleiros andantes que passam as vezes por aqui, e ganhar algumas moedas com isso. ─ respondeu Leskam que queria ajudar os pais, mas que também queria viver um pouco de aventura com esses cavaleiros.
─ Não, meu filho. Quero que você ajude seu pai. E também, muitos desses cavaleiros andantes tratam mau seus escudeiros e alguns acabam abusando deles. Não quero que você sofra maus tratos nas mãos deles. Amanhã você começa a ajudar seu pai. Ele vai te ensinar o que você precisa saber para cuidar de um cavalo. Nas primeiras horas do dia quero você junto com seu pai.
─ Calma, Mary. ─ interferiu Tom, seu pai. ─ Acho que ele ainda é muito novo para isso.
Mary virou seus olhos verdes para Tom.
─ Mas é bom ele já ir aprendendo. Você, Bern e Dolins podem ir ensinando para ele.
Dito isso, Leskam procurou não falar mais nada, para não aborrecer seus pais. E a família comeu em silêncio, sem ninguém falar mais nada.
Assim que terminaram de jantar, todos levantaram da mesa e colocaram suas tigelas na pía, para cada um lavar a sua. Depois seguiram todos para seus quartos, os pais para os deles, e os três irmãos para o mesmo quarto, já que dormiam juntos. O quarto era pequeno, sujo, as paredes de pedra estavam úmidas, devido à chuva do dia, que deixou o ar muito úmido e causou mais algumas goteiras no forro. De frente para a porta, do outro lado do quarto, ficava uma janela, que estava fechada; do lado esquerdo do quarto tinha um beliche de madeira velha, com um banquinho do lado para ajudar a subir na cama de cima. Em baixo da cama inferior, tinha um colchão, que era o do menino mais novo, que, quando chegava a hora de dormir, apenas puxava o colchão e pegava os cobertores. No canto direito do quarto, tinha um guarda roupa pequeno de madeira velha, mas que apesar de ser pequeno, era o suficiente para as poucas roupas que os três irmãos tinham.
E era nesse quarto, que os irmãos dormiam todo dia, juntos.

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