Realidade à vista

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      Estávamos no jardim, apreciando a tarde agradável com uma disputa de arco e flecha, ou deveríamos estar apreciando. Príncipe Henry estava logo à minha frente, ao lado da princesa Elizabeth, ou melhor, da senhorita perfeição. Ele ainda está abalado pela notícia do casamento, sei que todos notaram mas ninguém parece se importar, principalmente a futura esposa de Henry, é como se ela já soubesse da união antes da mesma ser anunciada pelo rei mas isso é tão pouco importante que nem ao menos merece sua preocupação ou revolta.
       Henry está com o olhar vago, forçando algumas expressões para não parecer tão desconexo do ambiente, me sinto estranho ao vê-lo assim, não deveria me importar tanto com ele, só porque ele pediu desculpas pelo acontecido de ontem não significa que ele se importe comigo, então porque me importar tanto com ele? Esse sentimento que invade meu peito ao pensar em sua angústia me faz pensar em minha própria existência, em meu lugar em sua vida, então me dou conta que, não tenho lugar em sua vida, não tenho lugar em minha própria vida, à seus olhos, muito provavelmente, só existo para que ele possa viver. O que ele não sabe é que sua existência é o que me faz viver.


                                   ***

      Já é noite, consegui escapar do banquete alegando ter dores causadas pela exposição ao sol da tarde, não suportaria nem mais um momento na companhia deles, preciso de um momento a sós comigo mesmo, e Alexander é claro, não poderia escapar de uma noite tortuosa sem meu fiel escudeiro e cúmplice ao meu lado. 
      Saímos pela nossa rota de fuga habitual; por onde fugíamos sempre que queríamos escapar de nossos problemas,ou melhor, meus problemas; o fundo de meu guarda-roupa era removível, assim, ao deslizar a madeira fina e opaca adentramos uma porta estreita, dali em diante seguimos por corredores estreitos, que foram construídos entre as paredes para o caso de uma evacuação secreta e são raramente usados, chegando ao final dos corredores há uma porta de madeira velha e desgastada que nos leva para fora do castelo, mais especificamente nos fundos em um local isolado e de baixa visibilidade, o que facilita nossa saída.
       Saímos do castelo com êxito, fomos para o lago que fica nos arredores, andamos lado a lado em silêncio, Alexander não se atreveu a dizer nada a respeito de nossa escapada secreta;quando disse a ele que iríamos sair não disse nada além de que precisava de um tempo pra espairecer, ele nem ao menos questionou meus motivos, apenas encontrou uma desculpa para dizer ao meu pai e me seguiu passagem adentro. Assim como sempre fizera, ele apenas concorda e me segue em todo lugar, acho que isso é parte de seu dever como meu servo. Fui furtado de meus pensamentos ao chegarmos aos bancos perto do lago.


                                  ***

      Chegamos a um banco perto do lago; há muitos bancos espalhados por toda a extensão do lago mas este é sem dúvida meu predileto, fica sobe a estupenda folhagem de uma majestosa macieira, nos dias em que os raios solares estão cortando o céu sobre nós em abundância essa magnífica folhagem nos propícia sombra e frescor, além do cheiro estupendo de maçãs em época de colheita. Sempre viemos aqui, desde que éramos crianças e encontramos a passagem para fora do castelo, esse foi o primeiro lugar em que Henry pensou em ir na primeira vez em que fugiu de seus problemas com o Rei, na ocasião ele estava extremamente irritado porque Henry se recusou a participar de um baile real, com o tempo o príncipe aprendeu que o melhor a se fazer a seguir as ordens do Rei, mas isso não significa necessariamente que as discussões acabaram. O que costumava ser uma pequena escapada dos compromissos reais acabou se tornando um meio do príncipe escapar de seus problemas com o rei, eles são como o mar, em alguns momentos há paz e beleza mas em outros só há tempestades e ondas fortes, e qualquer um que ousar entrar nesse mar agitado acaba se machucando. Acho que é por isso que a a Rainha não preocupa-se em interceder, ela o fizera a muitos anos e...Não foram momentos muito agradáveis, assim como eu fizera quando éramos pequenos, ela tentou deter os conflitos entre pai e filho mas, como eu, percebeu que os únicos que podem solucionar o problema são os mesmos.
     Estamos sentados sobe a majestosa macieira ao lado do lago, o silêncio entre nós é tão profundo quanto a imensidão da noite que toma o céu com sua escuridão, lado a lado, somos como duas estátuas de mármore e alma que apenas são livres em seu interior, nunca partilhando com o exterior. Decido então quebrar o silêncio entre nós.
- Está uma linda noite...Não acha senhor?- digo com cautela em minha voz.
- Certamente Alexander, uma linda noite para ser perdida em um banquete dentro de paredes de pedra com...pessoas de pedra.-falou, pude sentir a angústia em sua voz.
- Se me permite senhor, creio que todo o reino seja feito de pedra, tanto as paredes quanto as pessoas entre elas.
- Não está errado Alexander - falou voltando seu olhar ao meu- Diga Alexander você...também acha que sou feito de pedra? 
- Senhor, se fosse feito de pedra não estaria com medo de se casar com a princesa - falei com um sorriso no canto da boca. Ele sorriu por um segundo e me olhou com o cenho franzido.
- Não estou com medo de me casar, estou...- fez uma pausa para pensar em suas palavras.- estou com medo de não amá-la.
- Mas como pode amar o que não conhece? Se o senhor se permitir conhece-la certamente irá aprender a amá-la.- falei com certo pesar.
- Mas como saberei que a amo? Nunca amei alguém como saberei que é amor?- disse  envergonhado e com certa curiosidade.
- Bom, certa vez li um livro sobre amor, não me lembro do nome mas todas as garotas do reino querem lê-lo na esperança de encontrar seus príncipes encantados -disse retribuindo o sorriso de Henry.
- E o que seu livro mágico do amor dizia?
- Dizia que há sinais para saber se é amor ou não como: suas mãos transpiram, seu coração acelera, sua pele aquece como se estivesse sobe o sol quente de verão, você perde o fôlego toda vez que a vê. Mas é apenas um livro de contos senhor, quando o senhor realmente sentir algo irá saber se e amor.
- Assim espero, mal posso imaginar como seria me casar com alguém que não amo. Certamente não quero um casamento como o de meus pais, seria uma morte horrível.

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