Capítulo Um - As luzes da cidade (Parte 3)

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A noite de Los Angeles era tão bonita quanto uma balada de amor. E ele entendia bem de ambas as coisas.

            O cigarro já tinha se tornado apenas um toco em sua boca, mas ele o mantinha ali apenas para ter uma desculpa para se manter em silêncio. Muito estava sendo dito ao seu redor, mas nada que ele realmente quisesse escutar. Eram sempre as mesmas conversas, entre as mesmas pessoas, e terminavam sempre em piadinhas sem graça e em assuntos vazios.

            Brad preferia ouvir seus próprios pensamentos, ainda mais quando eles se convertiam em canção.

            O violão era quase uma extensão de si mesmo, a outra metade da sua alma, um grande amigo. Fora ele que o curara nos momentos de dor e que lhe fazia companhia nas horas de solidão. Era seu confidente, que sempre tinha uma resposta bela e cheia de esperança para todas as suas indagações.

            Por isso, naquele momento, sua atenção estava toda voltada para o dedilhado que fazia nas cordas de aço; um som melancólico e harmônico, que ele repetia incessantemente há pelo menos vinte minutos.

            — Brad? — finalmente ouviu seu nome ser chamado. Pela expressão e o tom de voz de Mike, seu colega, ele já o tinha chamado inúmeras vezes. — Porra, cara, tá me tirando?

            — Falou comigo? — com sua peculiar voz rouca e baixa, Brad levantou os olhos na direção do grupinho de rapazes à sua frente, com toda calma do mundo, como se nada tivesse acontecido.

            — Claro que falei. Aliás, estou te chamando há tempos. — balançou a cabeça em negativa, como se reprovasse o comportamento do amigo. — Vai tocar aquela nova?

            — Não tá pronta ainda.

            — Como não tá pronta? Você disse que tinha terminado ontem... — outro dos rapazes reclamou.

            — Terminei, mas isso não quer dizer que está pronta. Ainda tenho que mudar umas coisas... e acho que ela merece uma ocasião especial.

            — Ocasião especial? No West Society? — Mike se referia ao bar onde Brad tocava todas as noites. — Está esperando o quê? Que a Janis Joplin ressuscite e venha cantar com você? — indagou em tom de zombaria, e todos os outros três que estavam com ele riram alto.

            Era exatamente isso que Brad não gostava: a forma como eles sempre gostavam de sacanear uns aos outros.

            Porém, o foco do assunto pareceu mudar no mesmo instante — ou desaparecer completamente —, quando Mike começou a cutucar os outros, enquanto seus olhos pareciam vidrados no balcão.

            — Ih, já contrataram uma substituta para a Gina! — comentou, ainda olhando para o mesmo ponto. — E ela é uma delicinha! — novamente todos riram.

            Era difícil Mike não elogiar uma mulher. Se é que aquilo podia ser chamado de elogio. Não podia ver um rabo de saia que já partia para cima. Acostumado com esse comportamento do amigo, Brad normalmente nem se dava ao trabalho de olhar, até porque, normalmente, elas caiam na cama do outro em menos de uma semana. Especialmente quando Mike contava que era filho do vice-presidente da Sultana Records, uma das maiores gravadoras do país.

            O que, para Brad, não passava de uma grande merda.

            Contudo, apesar de ouvir comentários como aquele o tempo todo, daquela vez foi diferente. Não saberia dizer se fora mera curiosidade ou uma brincadeira sem graça do destino, mas ele decidiu olhar para a garota.

            E, pela primeira vez, realmente se surpreendeu com o que viu.

            Não que ela fosse a garota mais bonita que já tinha visto. Longe disso, afinal, vivia em Los Angeles, a terra onde beleza era sempre fundamental. Mas ela tinha algo de especial. Algo que fazia com que ele simplesmente não conseguisse fechar os olhos ou desviar a atenção.

            O cabelo loiro era cacheado e claro, mas não parecia artificial como os das mulheres que costumavam frequentar aquele bar. E era longo... o que ele não podia deixar de reparar, uma vez que era louco por meninas de cabelo comprido. A pele era bem branquinha, suave, o que dizia que ela ainda não tinha sido contaminada pela febre dos bronzeados intensos e artificiais. Não tinha um resquício de maquiagem no rosto, com exceção de um batom muito leve, cor de pêssego, nos lábios cheios e bem feitos. Os olhos eram pequenos, um pouco desconfiados, e ele não conseguia distinguir de que cor eram por causa da iluminação precária e da distância que havia entre eles, mas pareciam ser claros, talvez azuis.

            Naquele momento, ela estava prendendo o cabelo em um coque, recebendo instruções de Molly. Se pudesse, teria gritado que era um pecado ela ter que esconder um cabelo tão bonito, mas sabia que eram normas da casa. Ela parecia ouvir tudo com atenção, como se realmente precisasse do trabalho. Tudo em sua linguagem corporal dava a entender que se tratava de uma menina simples, talvez vinda de uma cidade pequena. Mais uma wannabe, ansiando por uma ponta em algum filme barato. Nada que valesse a pena o seu tempo.

            Só restava saber quanto tempo aquele ar inocente iria durar.

Lar doce larOnde histórias criam vida. Descubra agora