Lar doce lar

Capítulo Quatro - Um mundo desconhecido (Parte 3)

        Para sua surpresa, o que Keira falou sobre ser uma companhia agradável não era exatamente mentira ou exagero.

            Depois de tomar várias xícaras de café e comer mais algumas coisinhas, ela já começava a parecer uma pessoa normal.

            Um pouco falante demais, mas Alissa até que estava gostando disso, pois sempre fora mais de ouvir do que de falar. Tanto que neste meio tempo conseguiu descobrir que ela era atriz e que não tinha outro emprego, que dedicava-se totalmente à "carreira". Não que essa carreira fosse lá muito promissora, afinal, de acordo com ela mesma, já tinha estrelado um super comercial de creme dental e feito uma ponta em um filme de terror lado B, onde ela era a primeira a ser assassinada por um monstro estranho de origem indefinida.

            ― Mas minha agente me falou que se eu pintar o cabelo de loiro e colocar silicone, eu terei grandes chances ― aquela deveria ser a milésima frase que ela falava em apenas dez minutos.

            Ela realmente não parava de falar. Era como uma daquelas bonecas antigas, nas quais se dava corda e falavam frases lúdicas e bobas só para entreter as criancinhas. Contudo, Keira estava longe de ser uma bonequinha educada, pois era bem difícil mensurar a quantidade de palavrões que aquela boca era capaz de proferir por segundo. Mas, sem nem saber por que, Alissa estava gostando da companhia enquanto cozinhava algo para Jerry comer no jantar.

            A conversa corria de forma unilateral, mas animada, quando a porta da frente foi aberta de súbito. Era Molly chegando sabe-se lá de onde com uma expressão cansada. A verdade era que ela tinha ido dormir muito tarde e acordado muito cedo. Quando Alissa levantou da cama, ela já tinha saído.

            Mas isso não foi o que mais chamou a atenção de Alissa; foi a forma como Molly olhou para Keira logo que entrou em casa. Não havia dúvidas que elas já se conheciam, o que não era de se estranhar, uma vez que eram vizinhas, mas, com certeza, não tinham um relacionamento muito amigável.

            ― O que essa garota está fazendo aqui? ­― ela explodiu, nem parecendo a jovem sorridente que Alissa conhecera.

            ― Ei, Molly, estamos só conversando ― com muita calma, para não piorar a situação, Alissa falou.

            ­― Eu não sabia que você morava com essa mulher, Alissa! ― Keira também demonstrou sua revolta. ― Se soubesse, não teria vindo, com certeza!

            ― Então já pode ir embora ― de forma rude, Molly afirmou, mantendo-se perto da porta, como que para se certificar de que ela realmente iria sair.

            ― Ah, mas pode ter certeza que eu vou.

            E sem dizer mais nada, Keira apenas levantou-se e saiu porta afora, marchando e de cabeça erguida como uma criança pirracenta que acaba de dar língua para outra coleguinha de classe.

            Assim que se viram sozinhas, Alissa olhou para Molly, primeiro sem compreender o que tinha acontecido, depois sentindo-se envergonhada.

            ― Molly, desculpa... não deveria ter convidado uma pessoa a entrar sem ter perguntado primeiro a vocês.

            ― A casa é sua também, Alissa, pode trazer quem quiser. Menos essa garota ― falou com convicção enquanto entrava em casa, tirava a bolsa e o casaco dos ombros.

            ― O que tem de errado com ela?

            ― Não é uma boa companhia para uma garota como você ― respondeu sem encará-la, fazendo soar como uma mentira ou como uma resposta incompleta. Contudo, alguns minutos depois, virou-se para a cunhada e olhou bem fundo em seus olhos. ― Olha, Alissa, se quer se dar bem em Los Angeles, sem corromper quem você realmente é, tem que saber escolher suas amizades, ou pode acabar se dando muito mal.

            Ao dizer isso, Molly entrou no pequeno quarto que dividia com Jerry e fechou a porta.

           Não que Alissa não tivesse compreendido o que suas palavras queriam dizer; apenas não tinha conseguido decifrar o enigma escondido no tom que usara para proferi-las.

            Sem dúvida Molly escondia alguma coisa.