Tubarões

Sharks (Tubarões) - Capítulo único

   Yuri tinha um segredo do qual nunca ousava falar. Ele o mantinha bem guardado, ainda mais do que os seus, oh, tão secretos muito-mais-do-que-amigáveis sentimentos em relação a um certo patinador artístico japonês. Tais segredos que nunca planejava contar, ele os levaria ao túmulo, era o que que sempre pensava, mas as coisas nem sempre saem como o planejado. Acidentalmente confessar sua longa paixão por Yuuri enquanto estavam a milhares de quilômetros de distância um do outro? Yuri não tinha planejado isso. E ele certamente não esperava que Yuuri retribuísse seus sentimentos e eles terminassem em um relacionamento à distância no curso das semanas seguintes. Realmente, o fato de estarem há um pouco mais de meio ano em um relacionamento era a única razão pela qual Yuri lhe contaria seu segredo mais bem guardado. Sob nenhuma outra circunstância ele mesmo sonharia em dar com a língua nos dentes, por assim dizer.

No entanto, cada vez que queria dizer a natureza do problema, simplesmente não era o momento certo. E, às vezes, Yuri simplesmente esquecia que era um problema. Ele vivera como homem, fora visto como homem (na maior parte do tempo, de qualquer maneira), seus documentos? Bem, Yuuri não tinha nem que conferi-los e ele competia com homens, não era? Certamente, sua distração em se esquecer de contar a Yuuri sobre o que ele tinha (ou não) nas calças poderia ser perdoada. Não era como se alguém soubesse, e não era como se ele quisesse que alguém soubesse ou que alguém tivesse que saber. Sem mencionar que a emoção de uma atração acumulada e reprimida por quatro anos ser realmente retribuída é suficiente para que alguém esqueça detalhes tão pequenos e mínimos, certo? E, verdade seja dita, ele tinha planos para contar a Yuuri. Somente achava que uma conversa assim, "Ei, eu sei que estamos namorando, mas há algo importante que me esqueci de mencionar. Na verdade, eu sou transgênero, então provavelmente não tenho toda a anatomia que você espera e venho com intensa bagagem emocional relacionada ao gênero com a qual provavelmente não vai querer lidar, mas está tudo bem, certo?", era mais adequada de acontecer frente a frente, em vez de por mensagem de texto, ligação ou bate-papo por vídeo, ou era o que Yuri dizia a si mesmo. Ele? Enrolando pra contar? Que absurdo.

Contaria a Yuuri na próxima vez que se vissem pessoalmente na patinação. Essa foi a sua decisão final, o seu ultimato para si mesmo. Contaria após a Final do Grand Prix. Dessa forma, se Yuuri quisesse terminar com ele, teria toda a temporada para superar. Sem mencionar que Yuri se recusava a se separar antes de ter alguns abraços e beijos na vida real, maldição.

Mas agora ele se arrepende. Ah, cara, ele realmente se arrepende. Está preso no banheiro de um hotel em uma cidade estrangeira, olhando a cena do crime em sua cueca com o maior horror do mundo. Merda. Por que ele sempre se esquecia disso? Talvez tivesse sorte, talvez não sangrasse até manchar o jeans para que pudesse entrar furtivamente na loja sem se trocar. Mas, ah, o que ele estava dizendo. É claro que ele sangraria tanto. Era a maldição de ter um fluxo intenso! Todo mês isso acontecia, todos os meses ele era pego de surpresa e suas calças ficavam arruinadas, sem falta. Absorventes e tampões? Ele se lembrou de colocá-los na mala? Que absurdo. Nunca se lembrava. Não se lembrava desde que se mudara da casa de seu vovô, e só então se lembrou de que era porque o bom vovô Plisetsky o lembraria, sendo a alma doce que ele é.

Yuuri bate na porta. "Yuri? Você está bem? Está aí dentro há algum tempo."

"Estou bem!", Yuri retruca. Merda. O que diabos deveria fazer nessa situação? Talvez pudesse fazer o que normalmente fazia, que era usar suas calças de moletom preto mais vagabundas, enfiar quantidades abundantes de papel higiênico em sua cueca e vagar até encontrar uma loja. Isso seria muito suspeito e Yuuri definitivamente iria perguntar. Ugh, era o pior de tudo. Isto definitivamente não é o que ele tinha planejado.