Devils

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"Expectativas são demônios, não crie demônios."

Meus olhos estavam abertos, fixos no teto branco de meu quarto. Já fazia muito tempo que eu já havia acordado. Meus pensamentos eram um turbilhão, minha mente ainda estava tentando se acostumar com a ideia de voltar a ter uma rotina, de voltar a trabalhar todos os dias, de voltar a viver.

Era terça-feira. Meu primeiro dia de trabalho na Company Allen's. Meu alarme tocava em um volume estridente ao lado de minha cabeça, mas meu corpo sequer se moveu já que eu estava tão disperso que esse simples barulho não me incomodava, não chegava aos pés do incômodo que sentia na minha cabeça.

- Senhor Harvey? Está tudo bem? - perguntou-me Mariah do outro lado da porta. Apenas murmurei um "sim" e criei forças de onde não sei para levantar da cama e desligar aquele maldito alarme.

Era tudo culpa daquele maldito bêbado! Se ele não tivesse matado minha Ravenna, eu não teria dado a droga da minha empresa e não estaria sendo comandado por outra pessoa enquanto minha dor me leva ao precipício aos poucos. Parecia até que meu coração tinha esperança de que ela voltasse, mas isso é apenas uma grande ilusão.

Segui em direção ao banheiro, não me olhei no espelho, não queria ver mais uma vez a minha cara de derrotado, fraco e estúpido por estar sofrendo por uma pessoa que nem aqui está, infelizmente.

Liguei o chuveiro e me pus ali debaixo, tentando pensar em qualquer coisa, menos nela. Afinal, do que adiantaria tê-la em meus pensamentos durante o dia se quando chegar a noite eu irei sofrer por me dar conta de que não posso mais tocá-la, amá-la, tê-la para mim.

Justo hoje quando estou tentando criar um rumo para minha vida, meus demônios me enlouquecem. E você, Ravenna, você é um dos meus demônios.

Saio do banheiro enrolado em uma toalha após escovar os dentes. Forço-me a pentear os meus cabelos já grandes que viviam desgrenhados. Vou em direção ao meu closet e tiro de lá um dos meus ternos pretos. Calça preta, blusa preta, sapato preto e terno preto. Estou pronto. Coloco meu relógio de pulso e encaro minha aliança, mas não a coloco. Hoje não, hoje você não irá me atormentar. Porém, a ideia de querer visitar seu túmulo ainda não saía de minha cabeça, e eu tinha total consciência de que se eu não a visitasse eu me culparia ao mais tardar da noite.

Saio do quarto, passo pela sala e dou um beijo na testa de Mariah como sempre faço. Vou em direção a garagem e adentrei em minha Ferrari vermelha, a única que me restou.

- Senhor Harvey! - me grita Mariah enquanto vinha em direção ao meu carro segurando um buquê de tulipas. Ah, droga! Havia me esquecido das flores - Menino levado, já ia esquecendo as rosas que cultivei - seu jeito de falar era um tanto quanto engraçado, parecia uma mãe repreendendo seu filho de cinco anos.

- Perdão, não irá mais acontecer - eu disse rindo enquanto pegava as tulipas de suas mãos - até mais tarde - despedi-me dela e segui em direção ao cemitério mais próximo, onde Ravenna estava enterrada.

O cemitério estava praticamente vazio, a não ser pelo fato do coveiro estar cavando uma nova cova. Não olhei muito, a ideia de mais uma pessoa morta me assustava como nunca, era triste e desanimador saber que a todo momento alguém morre, alguém que não merece e tem que pagar por erros de pessoas estúpidas.

Segui pelo caminho memorizado tragicamente por mim e logo encontrei sua sepultura. As flores que eu trouxe semana passada já haviam sido levadas, só tinha restado um jarrinho. Sua foto na lápide era da nossa viagem à minha terra natal, Stratford no Canadá. Na lápide a frase "esposa e filha amada" tomavam toda a atenção logo depois do nome, Ravenna Megan Harvey 1994 - 2016.

Alarm [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora