Momento da criação

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Dr. Lee Jinki estava em êxtase. Durante milhares de anos a ciência buscava desvendar os mistérios que cercavam a vida e a mente humana e ali estava ele, finalmente alcançando resultados incríveis. Ele respirou fundo para tentar acalmar a euforia e encarou novamente a cama na sua frente. Um protótipo com a aparência de um garoto no final de sua adolescência dormia com uma aparência angelical. Vários equipamentos e fios estavam ligados ao delicado corpo. O visor indicava os batimentos cardíacos e também, o que ele gastara a vida inteira buscando e estudando, atividade cerebral.

Conseguira criar um robô idêntico a um humano normal. Um ser pensante e, além disso, capaz de ter sentimentos. Havia cruzado a fronteira que separava a inteligência artificial da inteligência humana. Era ao mesmo tempo algo incrível e perigoso. Sabia o quanto estava ferrado. O que fizera era fantástico, mas ilegal.

O governo proibira pesquisas do tipo há uns anos atrás, quando um grupo do submundo começou a criar robôs com aparência de jovens garotos e garotas e a vende-los para serviços sexuais. A situação passou dos limites quando começou a envolver crianças. Correram boatos de que as crianças desaparecidas eram sequestradas e partes de seus corpos utilizados para produção dessas bonecas. Ninguém sabia o certo se era verdade ou não, a questão é que nunca encontraram essas crianças.

As leis e punições para pesquisas na área de robótica ficaram mais severas. O investimento também caiu drasticamente, ninguém queria o nome de sua empresa ligado a boatos terríveis. Os anos passaram o temor da sociedade quanto a inteligência artificial foi diminuindo devido ao fato de logo elas estarem envolvidas em todos os ramos da vida humana. No entanto, ainda era algo exclusivo dos mais ricos.

Dr. Lee Jinki era apenas uma criança quando construiu seu primeiro drone. Seu pai era um cientista que trabalhava no ramo da inteligência artificial e sua mãe uma neuroquímica da mesma empresa. Ambos mal paravam em casa e tentavam suprir suas ausências enchendo o filho de peças de robôs e livros de medicina. Funcionou. Logo o garoto já tinha em mente o que queria para o futuro, o que o fascinava. Resolveu que criaria um robô-humano.

Grande parte de sua pesquisa fora feita em total sigilo. Viajou para o Japão e para os Estados Unidos onde estudou com os melhores cientistas dos campos e quando voltou percebeu que teria que trabalhar sozinho. Dedicou todo o seu tempo àquilo até conseguiu o que queria. Respirou fundo novamente, seu coração já desacelerara e estava mais calmo.

Poucos minutos antes o cientista havia ligado o protótipo pela primeira vez depois de meses de modificação. E o garoto respondera a todos os estímulos testados. Tomado pela surpresa ao começar a ser indagado sobre coisas mais profundas, Jinki o desligara, deslumbrado.

-001? –chamou.

O garoto mexeu a cabeça antes de abrir os olhos e encarar o teto branco.

Jinki anotou "reconhecimento do local".

O protótipo virou a cabeça para olhar Jinki, mas não demonstrou reação.

-Como está se sentindo? –Dr. Lee perguntou.

-Razoavelmente bem, considerando que fui colocado pra dormir subitamente. –ele ergueu um pouco a cabeça para estudar os fios ligados a seu corpo. –Eu posso me mover?

Jinki se apressou para retirar os fios do tórax.

-Sim, claro!

Jinki observava atentamente cada movimento do garoto. Ele se movia com facilidade impressionante. "articulações, musculatura e estrutura óssea em perfeito estado". 001 começou a balançar as pernas e a olhar ao redor. "Balançar as pernas em sinal de ansiedade, curiosidade".

-Você pode descrever detalhadamente como está se sentindo?- indagou Jinki.

001 suspirou.

-Um tanto confuso. Não entendo realmente o que está acontecendo.

O cientista puxou uma cadeira próxima e se colocou em frente ao androide.

-Como assim?

-Dr. Lee, você me criou com qual finalidade?

-É uma boa pergunta. Acredito que para mostrar a humanidade o quanto somos limitados.

-Uma situação problemática. –respondeu o garoto com um olhar distante.

"Capacidade de reflexão".

-Por que acha isso?

-Você disse que quer mostrar a humanidade o quanto ela é limitada, no entanto, ao me criar, você superou limitações provando ainda não saber qual é a real limitação da humanidade. Sendo assim não acho que essa é uma boa razão.

Jinki franziu o cenho, aquilo superava suas expectativas.

De repente, as luzes vermelhas se acenderam e uma barulho agudo tomou o ambiente. O sistema de segurança havia ligado.

-Droga! – Jinki levantou subitamente.

-O que está acontecendo?

-Eles me acharam antes do esperado.

O cientista corria de um lado para outro puxando fios e apagando dados. Inseriu um pendrive com vírus no computador principal e digitou a senha de acesso. 5 minutos para invasão do sistema. Era muito tempo.

Ele olhou para o androide que agora estava de pé encarando as luzes com uma expressão assustada.

-Venha comigo, 001!

Ele saiu correndo pela porta com fechamento a vácuo e a trancou de modo que só pudesse ser aberta por fora. Isso lhe daria alguma vantagem. Correu pelo corredor com a mochila batendo atrás de si e puxando o androide pelo pulso. Mesmo se fosse preso, não deixaria que capturassem o garoto. Abriu a porta de emergência com a digital e pegou a saída para o estacionamento. Entrou no carro aos tropeços e acelerou o máximo que podia arrancando parte do portão antes que ele fosse aberto totalmente. Por sorte ou não, morava em um lugar isolado, então nos próximos quilômetros não haveria transito. Pouco depois vans pretas foram avistadas pelo retrovisor.

-001? –chamou. –Inicie o processo de reinicialização total. Código de segurança 11009843.A1. Bloqueio de memória, código de segurança 64568.C3. Bloqueio total do sistema, código de segurança 843372, B3. Alfa, 42.

Logo o primeiro código ser dito, o corpo do garoto tombou no banco do passageiro.

Os perseguidores começaram a atirar mirando as rodas do veículo de Jinki. Uma voz pelo autofalante anunciou:

-Aqui é comandante Kim Kibum. Temos um mandato de busca e apreensão, assim como um mandato de prisão para Dr. Lee Jinki. Por favor, encoste o veículo e evite que a situação fique pior!

-Até parece.

Jinki jogou o carro para a esquerda pegando um desvio pela mata batendo o carro contra pequenas arvores e sendo chacoalhado devidos as pedras pelo caminho.

Conseguiu alcançar a avenida e pegou um desvio para o centro da cidade. Após vários atalhos, ele chegou a um parque. Estacionou embaixo a uma grande arvore e se apressou em puxar o garoto pela porta, mas calculou mal o tamanho e acabou batendo a testa dele contra a abertura de cima, um pequeno corte se abriu.

-Foi mal.

Saiu correndo o mais rápido que pôde carregando o corpo do garoto e o deitou sobre um banco. Avistou uma das vans pretas cruzando a esquina e correu de volta ao carro. Esperava que não soubessem da existência do androide e que pelo menos este conseguisse fugir.


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