Uma mera máquina

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             Minho emprestou algumas peças de roupa a Taemin que ficaram um tanto largas devido ao seu corpo magro e delicado, completamente diferente do físico musculoso de Minho. Após muito tempo, Minho conseguiu convence-lo ao acompanhar até hospital.
O moreno lhe lançou um olhar divertido enquanto esperava pelo sinal verde.
-Acho que na volta teremos que comprar roupas do seu tamanho.
           "Na volta", censurou-se. "Eu nem mesmo o conheço e já estou pensando na volta. Droga! O que estou fazendo?"
             Taemin não disse nada, apenas olhava ao redor com uma curiosidade infantil.
-Seus pais devem estar preocupados. –comentou Minho. –Julgando pela sua aparência você não passa dos dezoito.
-Eu não tenho pais.
-O que? Como você sabe? Não disse que não se lembrava de nada?
-Eu apenas sei.
-Isso não é o suficiente. Depois dos exames, iremos a um posto policial e ver se seu rosto está na lista de desaparecidos.
          Taemin deu um sorriso sombrio.
-Apenas estará perdendo tempo.
          Chegaram ao hospital e Minho pediu para Taemin aguardar enquanto corria de um lado para outro tentando organizar as coisas. Era seu dia de folga, o que não ajudava em nada.
-Ah, eu não acredito. –disse a secretária. –Realmente você é viciado em trabalho. A gente não tinha concordado que você tiraria essa semana de folga?
-Sim, e eu tirei. Mas é urgente. Eu só preciso usar a sala de ressonância.
-O que? Está doido? Para isso é preciso todo um protocolo e...
-Está vendo aquele garoto. –ele apontou para Taemin que estava com um ar entediado.
-Sim.
-Então, eu preciso de uma tomografia computadorizada dele. Só isso. Depois que eu conseguir os resultados, eu vou embora e só volto daqui uma semana como o combinado.
-Por que você quer uma tomografia dele? Ele parece bem.
-Perda de memória total. Dormiu durante 24 horas seguidas. Quase nenhum estimulo durante o sono. Corpo superficialmente em bom estado. –ele olhou para a mulher fazendo sua melhor cara de coitado. –Por favor!
-Ah, droga! –ela bufou. –O que eu não faço por você?! –ela começou a digitar no computador. –Nome do paciente?
-Taemin. –ele lembrou do garoto focado na TV. – Lee Taemin.
-Idade?
-18.
           A mulher ergueu os olhos para Minho, olhou para o garoto e então para Minho novamente. O médico deu de ombros.
-Eu realmente espero que você não esteja envolvido em nada ilegal.
-Eu também espero.
Depois de alguns minutos ela lhe entregou um papel.
-A sala estará pronta em trinta minutos.
-Tanto tempo?
-Você deveria agradecer por ter conseguido isso. Agora sente lá antes que eu mude de ideia.
          Taemin arqueou as sobrancelhas ao notar o médico se aproximando.
-E então? –indagou.
-A sala estará pronta dentro de trinta minutos.
-Ah. –Taemin se acomodou na cadeira olhando para a TV que se encontrava acima da recepção.
           Pouco depois uma médica se aproximou sorrindo.
-Dr. Minho?! Não esperava vê-lo por aqui. Não está de folga?
-Olá, Naty. Sim, estava. Mas aconteceu um imprevisto.
-Então irá trabalhar hoje?
-Não exatamente. Eu só preciso realizar um exame.
-Precisa de auxilio? Eu estou no meu intervalo e...
          Minho deu um rápido olhar para Taemin que parecia ignorar a presença da mulher.
-Obrigado, mas não. Não quero incomodar.
-Ah, não é incomodo algum. Seria um prazer trabalhar com o senhor, sei que ainda tenho muito a aprender.
         Minho forçou um sorriso.
-Quem sabe uma outra vez, assim podemos conversar e marcar antes.
        A moça pareceu decepcionada.
-Que tal um jantar? Está livre essa noite?
-Sinto muito. Eu adoraria, mas ando meio ocupado com alguns assuntos.
-Ah, então eu... –ela foi interrompida por uma enfermeira que vinha apressada pelo corredor.
-Dr.ª Natiele, precisam de você na sala de emergência.
-Ah sim. Eu já estou indo. Fica pra próxima então, Dr. Minho.
-Ela está afim de você. –disse Taemin sem se mover da sua posição desleixada na cadeira ao lado.
          Minho suspirou.
-É, eu sei.
-Ela é bonita considerando os padrões de beleza atuais. Por que a rejeitou?
-Bom, digamos que ela não faz meu tipo.
-Relações humanas são complicadas.
-Por que diz isso?
-As pessoas se importam muito com a opinião alheia, mas ao mesmo tempo só pensam em si mesmas. Todos atuam o tempo todos,passam a vida inteira apenas existindo sem viver.
-Nossa! Isso é profundo. Onde leu isso?
          O garoto deu de ombros.
-É algo que está na minha mente e na de todo mundo.
-Eu costumava pensar sobre isso quando tinha a sua idade.
-Você está parecendo um velho falando. Considerando sua aparência e resistência física, eu suponho que isso não faz tanto tempo assim.
          Minho riu.
-Na verdade não. Mas quando você dedica todo o seu tempo há apenas uma coisa, o tempo parece passar mais rápido e você acaba percebendo que perdeu muita coisa da vida.
-No que você dedicou todo o seu tempo?
-Ao hospital. –o moreno olhou ao redor com um brilho nos olhos. –Eu queria fazer a diferença na vida das pessoas, mostrar que a tecnologia não pode substituir nossa humanidade. Que as pessoas ainda são dependentes das outras, afinal o ser humano é um ser social.
-Você também é contra a inteligência artificial?
-Não que eu seja contra, mas... acredito que estamos indo longe demais com essa coisa de androides e tal. Todos os dias são lançados coisas novas e isso está tomando nossas vidas. Logo não seremos nada além de seres sedentários que passam o dia inteiro em frente a alguma tecnologia nova, enquanto todo o trabalho é realizado por maquinas.
          Taemin ficou em silêncio. Minho parecia ter se perdido em pensamentos e memórias do passado.
-Dr. Minho? –a secretária o chamou tirando-o de seu devaneio.
-Sim?
-A sala está disponível.
-Obrigado! –ele se levantou. –Venha, Taemin!
          Seguiram pelo corredor passando por portas de vidro com pessoas deitadas em macas e cobertas por fios. Mesmo com toda a tecnologia, os hospitais ainda viviam cheios. As doenças acompanharam o desenvolvimento e se tornaram cada vez mais resistentes. Um surto de superbactérias há uma década havia dizimado milhares de pessoas ao redor do mundo. Diziam que a bactéria em questão tinha sido desenvolvida em laboratório e fora solta para testes na população mais pobre. Mas a doença não julgava por classe social, nem por idade, sexo ou etnia. Durante os anos, que demorou para o desenvolvimento de remédios e vacinas eficientes, centenas de pessoas morreram todos os dias. O mundo entrou em crise e por pouco não eclodiu uma Quinta Guerra Mundial. Os países ricos ficaram ainda mais ricos e os pobres... bem, a pouca população restante migrou para lugares melhores e áreas enormes foram abandonadas de forma a se tornarem selvagens.
           Chegaram a sala indicada e Minho entrou primeiro para a preparação. Pouco depois ele abriu a porta vestindo um jaleco e uma mascara facial.
-Sente-se ali. –indicou uma cadeira na pequena sala de entrada.
           O médico vestiu as luvas e entregou a Taemin um comprimido encapsulado.
-Isso ajudará a analisar melhor os resultados. Pronto?
O garoto meneou a cabeça concordando.
-Certo. Venha!
           Passaram por uma sala com vários visores de computador e uma grande janela de vidro que mostrava uma sala totalmente branca com alguns sensores na parede. No chão havia um x preto indicando o local onde a pessoa deveria ficar.
-Bom, basicamente o procedimento será você ficar de pé com os braços levemente afastados assim. -ele mostrou a postura correta para o procedimento -e os lasers irão escanear seu corpo e transmitir imagens de seu para o computador onde eu estarei monitorando. Se sentir qualquer tipo de desconforto é só chamar, ok?
           Taemin olhou para os pontos na parede, hesitante.
-Ei, vai ficar tudo bem. –Minho lhe deu um tapinha no ombro. –Quanto mais rápido fizermos isso, melhor.
           Após acomodar Taemin na posição certa, Minho correu até a mesa de computadores e ligou os escaneres. Demorou alguns segundos para as imagens fazerem sentido e quando fizeram...
-Óh, meu deus! –o médico afastou a cadeira para trás sem tirar os olhos do visor, uma das mãos tapava a boca. –Isso é... Eu não... –ele não sabia como reagir. O que via pelas imagens era uma obra de engenharia e biologia perfeita, mas não era algo normal.
           Ele respirou mundo para assimilar melhor a situação, sabia o que Taemin era. O garoto não era um humano normal, ele era um androide de ultima geração. O primeiro de todos. Transferiu os dados para seu celular e se apressou para tirar Taemin da sala.
           O garoto o encarou em expectativa, ele parecia saber que alguma coisa estava errada.
-O que foi? Eu estou doente?
-Nós precisamos sair daqui urgentemente. -disse Minho pegando alguns papeis da mesa. Após isso, ele limpou todos os dados do computador antes de inserir um pendrave com vírus e desliga-lo totalmente. Sabia que aquilo não seria eficiente por muito tempo, nada era realmente apagado naquele mudo tecnológico, mas isso o faria ganhar algum tempo.
-O que está acontecendo? –indagou Taemin já ficando aflito pela reação de Minho.
-Conversaremos melhor em casa. Ficaremos encrencados se continuarmos aqui. -ele saiu para o corredor. - Aja normalmente.
-O único agindo estranhamente aqui é você.
-Eu sei, me desculpe! Vamos rápido!
          Minho pegou a saída de trás cortando caminho para o estacionamento. Agora tudo fazia sentido em sua cabeça. Dr. Lee Jinki. Taemin era o protótipo criado pelo cientista preso. Logo a policia chegaria até eles. O que faria? Fingir que não sabia de nada? Em suas mãos estavam as provas de que ele sabia.
           Entrou no carro olhando em volta para certificar-se de que não estava sendo seguido. Sentia os olhos de Taemin sobre si enquanto acelerava pelas ruas e tentava se recuperar da surpresa.
-Vai me contar o que está acontecendo ou não?
            Minho hesitou antes de responder diretamente.
-Você é um robô, Taemin. Mais precisamente um androide. Acredito que seja o protótipo que todos apenas desconfiavam existir.
-O que?! –pela primeira vez o garoto sentiu seu peito apertar e a mente ainda mais confusa do que quanto acordara pela manhã. Ele colocou a mão sobre o peito. –O que está acontecendo comigo? –se voltou para Minho com os olhos lacrimejados. –Por que...
            De repente, Taemin percebeu que era aquilo que faltava, o que realmente estava errado. Apesar de tudo ele não era humano. Era apenas uma cópia, mesmo que fiel. Sua existência partira de princípios robóticos, uma mistura de engenharia eletrônica e conceitos biológicos. Mas por que ainda se sentia vivo? O fato de não conseguir lembrar de nada apenas o deixava mais aflito.
"Eu não sou nada além de uma máquina". 

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