Sempre fui uma criança mimada pelos meus pais e avós. Acho que me colocaram em uma bolha de vidro, e de lá eu não saia. Para ser sincera, eu não queria. Pelo menos não naquele momento. Eu morei durante muitos anos no subúrbio do Rio de Janeiro com a minha família, mas era de aluguel. Meu pai sempre sonhou em ter um apartamento próprio, algo que nós pudéssemos desfrutar sem preocupação.
E foi o que ele fez.
No início do ano de 1997, meu pai pegou a chave do nosso novo apartamento. Na época estávamos com muitas dívidas e como meu pai queria uma nova vida, até os móveis deixamos para trás. Dormimos no colchão durante um bom tempo, as nossas roupas ficavam em sacos, na sala, víamos televisão sentadas no chão. Só trouxemos as coisas de cozinha mesmo. O apartamento parecia gigantesco, tudo estava indo bem, porém, tudo vazio dentro de mim.
Era um mundo novo. Mudamos-nos para outro bairro, bem distante do subúrbio. Toda a minha vida havia ficado para trás. Eu era apenas uma menina que tinha medo do novo. De certa forma, acho que tenho esse medo até hoje. Foi difícil para me adaptar no meu novo lar. Eu era apenas uma menina de catorze anos, em lugar desconhecido, onde as pessoas eram estranhas e os meninos idiotas. Eu não era uma adolescente modelo da época, eu ainda brincava de Barbie, só pensava em comer biscoito recheado de chocolate e era viciada em novela mexicana. Não pensava em namorar, ainda mais me sentindo uma baleia. Nunca fui magra. Às vezes estou mais magra, mas magra mesmo nunca foi.
Passar a infância com roupas de adulto, foi a pior parte. Todas as minhas amigas usavam jeans e blusas bonitinhas. Minha mãe comprava uns vestidos para esconder a minha gordura. Eu me sentia mais feia do que já era. Ainda pra completar, usava um aparelho dentário, que passava um elástico pelo pescoço, era horroroso! Ainda bem que isso, meu pai me deixou usar por pouco tempo. Acho que ele me viu, no estágio máximo da feiura.
Também troquei de colégio. Fiz amizade rápido com uma menina, e isso me deu um alivio. Ela se chamava Verônica. Também era gordinha, e também inteligente. Tinha um cabelo preto cacheado e os seus olhos eram castanhos. Depois de uma breve conversa, descobri que ela morava alguns pontos de ônibus após a minha casa. E com isso, a nossa amizade se fortaleceu. Todos os dias, íamos e voltamos do colégio juntas. Ficar solitária em casa e no colégio, não era normal. Fiquei uns três meses indo somente para o colégio, e depois, ficava trancada dentro de casa. Todos os dias, todas as semanas, todos os fins de semana.
Todos os dias que eu saia do meu prédio, eu encontrava um menino indo para escola também. Ele era bem bonito, alto, magro e tinha umas espinhas no rosto. Nós sempre ficávamos nos olhando. Ele parecia ter a minha idade ou um pouco mais velho.
Certo dia eu estava em casa, e minha irmã estava brincando na rua, pelo condomínio mesmo, e começou a me gritar pela varanda. Nós morávamos no primeiro andar, era como se fosse o térreo.
- O que foi Kenia? – Perguntei um pouco impaciente.
- Tem duas meninas que querem falar com você! – Neste momento, observei duas meninas distantes, que acenavam com a mão.
Kênia tinha 5 anos e era bastante levada. Pensei logo que fosse alguma reclamação, mas quando tive coragem de sair de casa para falar com as duas meninas, me enganei. Elas estavam me chamando, pois sabia que eu era nova e queriam ser minhas amigas.
Chorei.
Não, mentira. Não chorei. Mas fiquei feliz.
Em apenas algumas horas, fiquei amiga de Carla e Carolina. Durante muito tempo agradeci à Deus, mas depois se transformou num inferno.
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O quarto andar
Teen FictionPriscila é uma adolescente de quinze anos, insatisfeita com o seu corpo, e achando que nenhum garoto poderia se aproximar dela, ela se apaixona por Leandro. Um rapaz da mesma idade, que por coincidência do destino, nasceu no mesmo dia e ano que ela...