Capítulo 2 COMO QUEBREI A BARREIRA DA DOR NUMA BICICLETA

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Terça-feira, 2 de janeiro

Fiquei arrasado ao descobrir que não estava com nenhuma doença. Desisti de escrever o diário.

Quarta-feira, 30 de janeiro

Sofri um acidente seríssimo. Não posso sair de casa, então é melhor começar a escrever o diário de novo. O sábado passado começou bem. O Sam veio me chamar, e a gente saiu de bicicleta para ir visitar uma amiga nossa, chamada Joana. O Sam tinha um disco que ela queria gravar. Quando a gente chegou lá, os dois fugiram para o andar de cima. Eu fiquei me sentindo um tremendo babaca. Aí o Nick, outro amigo nosso, apareceu e pegou a minha bicicleta. Então, só de brincadeira, peguei a bicicleta do Sam e fui dar uma volta. A minha perna é meio curta, então eu não conseguia andar direito na bicicleta. Quando estava descendo o morro, que é bem inclinado, de repente não consegui mais encontrar o freio. Lá embaixo ficava uma fileira de casas e uma curva fechada para a esquerda. Eu ainda estava tentando encontrar o freio, quando derrapei num pedaço de gelo e caí em cima do meio-fio. Na hora em que estava voando por cima do guidom, ouvi alguma coisa fazer CRAC. Eu já tinha ouvido esse som não fazia muito tempo. Pronto.

Depois disso, eu só me lembro de estar numa ambulância. O motorista e o colega dele estavam rindo e contando piadas. Eu não conseguia entender o que estava acontecendo. Meu jeans estava todo rasgado e o meu braço esquerdo estava enfiado num saco plástico cheio de ar. Não conseguia me mexer. Parecia que a minha cabeça ia explodir de dor. As coisas se apagavam e depois voltavam. Eu estava enjoado e fraco. A sirene não estava tocando. O colega do motorista disse que eles só ligavam a sirene numa emergência de verdade, ou quando estavam com pressa para ir fazer uma boquinha!

Finalmente a gente parou e abriram as portas de trás. Mamãe estava lá, chorando, junto com o papai, que estava completamente branco: Ele começou a me xingar e a gritar que o que eu tinha feito era uma idiotice completa. Perguntou se tinha sido de propósito, só para deixar os dois preocupados.

— Por que você não pára para pensar antes de fazer essas coisas?

Os adultos, vou te contar! Minha mãe mandou ele calar a boca. Eu queria sair da ambulância sozinho para mostrar que estava tudo bem. Mas os enfermeiros me seguraram, me enrolaram num cobertor vermelho — como se eu fosse um velhinho de 80 anos — e me levaram numa espécie de cadeira de rodas. Disseram que eu tinha quebrado o braço: o saco plástico cheio de ar era para ele ficar imobilizado para não doer. Mamãe ficou segurando a minha outra mão, enquanto o papai ia se arrastando atrás da gente, resmungando que o Sam ia ficar fulo porque a bicicleta dele estava toda arranhada.

Eles me levaram até um quartinho branco e me jogaram em cima de uma cama dura. Ninguém parecia estar muito preocupado comigo (apesar de eu ter ouvido alguém falar de uma injeção antitetânica lá fora). A mamãe teve que ir atrás de alguém para pedir que me dessem algum remédio para diminuir a dor. Voltou dizendo que a enfermeira tinha pedido desculpas, mas que todo mundo estava muito ocupado. Finalmente apareceu uma enfermeira, que enfiou um termômetro na minha boca e tirou o meu pulso. Ela era tão legal quanto as enfermeiras que apare cem na TV, apesar de não ser tão bonita. Ela me ajudou a tirar a calça. A minha perna estava branca e toda esfolada. Pensei que ela fosse tirar a minha cueca também. Quase tive um ataque do coração.

Um homem entrou e me fez algumas perguntas sobre o acidente, além de outras perguntas idiotas. Ele perguntou, por exemplo, se eu sabia em que dia estávamos e o nome do Primeiro-Ministro. Ele olhou nos meus olhos com uma lanterna, espetou uns alfinetes na minha perna para ver se eu sentia alguma coisa, deu uma pancadinha no meu tornozelo e depois examinou cada centímetro do meu corpo. Depois de algum tempo, criei coragem para perguntar para que servia aquilo tudo. Ele respondeu que era para ver se eu não tinha sofrido algum tipo de dano cerebral — como, por exemplo, uma concussão. Descobri mais tarde que isso é mais ou menos a mesma coisa que machucar o cérebro, mas que depois ele fica bom de novo. As perguntas idiotas eram para ver se o meu cérebro estava funcionando direito.

Diario de Um Adolescente Hipocondriaco - Aidan MacfarlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora