Capítulo 9 QUANDO OS ALÉRGENOS E OS ANTICORPOS SE ENCONTRAM

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Segunda-feira, 27 de maio
A Susie está um nojo. Não pára de fungar. Parece um porco com indigestão. Eu disse que
ia tomar meu café na outra sala, porque não estava agüentando mais. Então a Susie
começou a gritar e chorar sem parar. A mamãe fez uma cara feia para mim por causa da
minha falta de consideração. Ninguém achou a menor graça quando eu disse que era a
mesma coisa que sentar do lado de um aspirador com defeito. Eu não conseguia parar de
pensar naquele catarro verde nojento escorrendo pela garganta da Susie
Quarta-feira, 29 de maio
A Susie continua fungando. Tomara que eu não pegue esse resfriado dela. A Bovril já
mandou os filhotes se virarem e está de farra com os gatos da vizinhança outra vez. A
Sally, afinal, não está grávida e terminou com o Mike. É uma decisão oficial (eu ouvi atrás
da porta da cozinha).
Quinta-feira 30 de maio
Agora não consigo dormir porque a Susie passa a noite inteira espirrando, roncando e
fungando. Não tem mais papel higiênico no banheiro, e é óbvio porquê. O quarto da Susie e o resto da casa estão afundando num mar de lenços de papel usados. Mas o pior é
quando ela funga. A SaIly aposta que não é um resfriado. Ela diz que é febre do feno, que
nem ela tem às vezes. Seja lá o que for, tomara que eu não pegue.
Sábado, l° de junho
Um dia de sol lindo, O Sam conseguiu me convencer a entrar numa quadra de tênis. Ele
disse que ia fazer bem para a minha saúde. Mesmo assim, eu fui meio relutante. A Susie
anda se arrastando pela casa de olhos vermelhos, como se tivesse chorado a noite
inteira. Diz que está com uma dor de cabeça horrível. Perdi para o Sam, é claro. Tomei o
meu banho semanal (sob a ameaça da mamãe de cortar a minha mesada) escutando
rádio. Estava passando um programa em que as pessoas ligavam para perguntar sobre
alergia. A Sally tem razão: é isso mesmo o que a Susie tem. Está havendo uma
verdadeira epidemia disso agora. A quantidade de pólen no ar está muito grande por
causa do tempo. O pólen é formado pelas sementes que as árvores e a grama soltam
durante a primavera e o verão, principalmente num dia de sol quente depois da chuva. O
catarro, os espirros e a coceira nos olhos são a maneira que o corpo encontra para se
livrar do pólen.
Comecei a ficar curioso. Por que será que não estava acontecendo a mesma coisa
comigo? Pulei para fora da banheira e me enrolei numa toalha para garantir um mínimo
de decência (EU é que não ia deixar ninguém me ver pelado, apesar do resto da família
ficar desfilando por aí como veio ao mundo). Fui até o telefone do andar de baixo,
deixando uma trilha de pegadas molhadas atrás de mim. Estava com o coração na boca
de tão nervoso. Mas eu precisava descobrir de qualquer jeito. De repente eu estava no ar.
Fiquei torcendo para pelo menos um amigo meu estar ouvindo a minha estréia no rádio,
para ele divulgar o fato na escola segunda-feira.
— A febre do feno é contagiosa? — perguntei. — Por que eu não tenho isso?
A Madame Doutora Eficiente do outro lado da linha começou a falar no mais caprichado
tom de voz de médico tolerante: — Que pergunta interessante. Você poderia nos dizer o
seu nome e a sua idade?
— Meu nome é Sam e eu tenho 18 anos — menti. Tinha perdido a coragem. Ouvi a
gargalhada explosiva da Susie, que tinha aparecido de repente no intervalo entre dois
espirros.
— Bom, Sam, a febre do feno é uma espécie de alergia. Ou seja, ela aparece quando o
seu corpo fica muito sensível a determinadas substâncias. Essas substâncias, como por
exemplo o pólen, são chamadas alérgenos. Quando elas entram no seu corpo, algumas
células brancas que se encontram no sangue produzem substâncias químicas complexas,
chamadas anticorpos, para se livrar delas. Quando os alérgenos e os anticorpos se
encontram, provocam uma reação química que libera uma substância chamada
histamina. E isso que faz com que as pessoas que sofrem de febre do feno fiquem
espirrando sem parar e com os olhos lacrimejando. Ninguém sabe por que algumas
pessoas possuem uma sensibilidade especial para substâncias como o pólen.
Geralmente, é bom ter esses anticorpos. São eles que ajudam a combater as bactérias
que causam muitas doenças. — É exatamente isso o que a minha professora de ciências
vive dizendo.
— Cerca de uma em cada dez pessoas sofrem de febre do feno. Apesar de ser muito
comum nos membros da mesma família, ela não é contagiosa. Algumas pessoas
simplesmente nascem com uma tendência para ter alergia. — Eu não podia perder esta
oportunidade. Perguntei a ela o que a gente podia fazer para o nariz da minha irmã parar
de
escorrer. Será que ela podia botar duas rolhas no nariz? A Susie me deu um chute na
canela, enquanto a voz do outro lado da linha dizia: — Bom, Sam, essa é uma outra boa
pergunta (D. Smellie tinha muito o que aprender com ela). Há várias coisas que se pode
fazer. Ela pode tomar um remédio, por exemplo. Alguns desses medicamentos são
chamados de “anti-histamínicos”. Eles interrompem a liberação de histamina. O problema
é que eles podem dar muito sono, então nem sempre é bom tomá-los, principalmente se
você está em época de provas. É uma pena as provas caírem na mesma época do ano
que a febre do feno. Se sua irmã está em período de provas, é melhor ela consultar o
médico da família e seguir o tratamento que ele prescrever. Se a alergia dela for muito
forte, o médico pode até passar um atestado para ela apresentar à professora. — Ela
também disse que não se pode usar isso como desculpa para tirar notas baixas, a não ser
que a febre do feno seja muito forte. Aí eu resolvi que estava a fim de ouvir a MINHA voz
outra vez.
— Mas e o nariz da minha irmã? Esse é que é o problema.
— Bom — ela disse —, existem alguns remédios especiais que o médico da sua irmã
pode receitar para ela botar no nariz.
Eu ia fazer uma pergunta sobre os outros hábitos nojentos da Susie, mas o apresentador
do rádio me interrompeu: — Bom, muito obrigado pela sua participação, Sam. A nossa
próxima pergunta será feita pela Sra. Snodgrass... — Com um nome desses, ela merecia
mesmo ter febre do feno. A pergunta dela era sobre outros tipos de tratamento, diferentes
daquele oferecido pelos médicos. Parece que já tentaram de tudo contra a febre do feno.
Você pode escolher entre a hipnose, a acupuntura e a homeopatia, entre outras coisas.
No final do programa, disseram que a gente podia escrever pedindo uns folhetos sobre a
febre do feno. Eu disse à Susie que ia pedir um para ela. Ela não quis acre ditar. Não é
sempre que eu tenho tanta dedicação pela minha irmã.
Domingo, 2 de junho
A gente foi fazer um piquenique no parque, junto com outras cinco milhões de pessoas
que não têm nada melhor para fazer com o seu domingo. Vi uns adultos bancando os
crianções, brincando com barquinhos de controle remoto. Réplicas tão perfeitas, que tem
gente que diz que são melhores do que os barcos de verdade. Exibidos! Podia ter sido um
piquenique perfeito, mas a Susie estragou tudo com o mal-estar dela. No caminho de
volta, a gente chegou à conclusão de que só podia ser febre do feno mesmo. Mamãe
resolveu levar a Susie ao médico segunda-feira de manhã. Consegui ficar vendo televisão
até tarde sem ninguém reparar. Todo mundo estava ocupado demais paparicando a
Susie.
Segunda-feira, 3 de junho
A Sally não está tendo aula essa semana. Ela ficou encarregada de tomar conta da gente
enquanto meus pais vão trabalhar. Não é justo. Quando a Sally fica “tomando conta” da
gente, ela recebe uma grana. Ao invés de exibir a personalidade autoritária de sempre,
dessa vez ela foi bem legal. Ela também tinha uma alergia muito forte e mostrou à Susie
como se usa o remédio do nariz que o médico receitou. É um negócio que você pinga no
nariz, e faz com que o pólen pare de incomodar. Só que não faz efeito na mesma hora. A
Sally também tem que usar remédio para o nariz e tomar uns comprimidos todo verão. Ela
não gosta de usar o remédio do nariz, porque é frio e dá coceira, mas se ela toma os
remédios regularmente, a febre do feno vai embora. A alergia dela piorou de novo no ano
passado, porque ela ficava passeando pelo campo na garupa da moto do Mike. Ela fingiu
que não escutou quando eu perguntei o que eles tanto faziam no campo. Simplesmente
continuou explicando que quando esses remédios não fazem efeito, existem outras coisas
que você pode experimentar. Para não ficar fora da conversa e para mostrar que também tinha um certo know-how sobre a febre do feno, comecei a contar para a Sally do
programa de rádio. Mas ela não ficou muito interessada. Pelo menos até eu dizer que ela
tinha sorte de ainda não ter uma moto, porque se você espirra quando está correndo
numa velocidade de 100 km/h, os seus olhos ficam fechados durante meio segundo, e
você anda 28 metros sem enxergar nada.
Terça-feira, 4 de junho
Estou com pena da Susie. Estão implicando com ela na escola. A professora dela achou
que era só fingimento, e não deixou que ela mudasse de lugar quando pediu para sentar
longe da janela para não ficar perto do pólen. Uma amiga chamou a Susie de ‘bebê
chorona” quando viu que ela estava com os olhos vermelhos. A Susie explicou que era só
alergia, mas a amiga respondeu:
— É o que todo mundo diz.
Para terminar, ela ficou em 4° lugar na corrida dos 400 metros. Ela estava se sentindo
péssima, com o nariz escorrendo e os olhos cheios de água. O pior é que ela sempre foi
CAMPEÃ nessa corrida.
Sexta-feira, 7 de junho
O papel higiênico do banheiro apareceu outra vez e a taxa de fungação caiu
drasticamente. A Susie virou outra pessoa. Recuperou a sua velha personalidade
implicante. Acho que EU é que estou ficando alérgico às minhas irmãs. Elas resolveram
que vão me botar com os olhos cheios d’água também. Agora vou poder voltar a me
preocupar com as questões básicas da vida: como acabar com as minhas espinhas, e
como criar coragem para chamar a Cilla para sair.
Sábado, 8 de junho
Pensei que finalmente tinha conseguido arranjar um amigo! Hoje chegou pelo correio um
envelope grosso com o meu nome escrito, O máximo. Muito diferente do familiar
comunicado da biblioteca pedindo a devolução de algum livro atrasado. Abri cheio de
expectativa. E descobri que era só o material sobre febre do feno para a Susie.
A FEBRE DO FENO: OS FATOS
(1) 6.000.000 de pessoas sofrem de febre do feno na Inglaterra.
(2) Não existe cura para este mal, apesar de alguns medicamentos poderem ajudar na
sua prevenção e tratamento. Além disso, em algumas pessoas, ela deixa de se manifestar
depois de uma certa idade. Geralmente só depois dos 30 ou 40 anos.
Pô, mas aí você já está muito velho.
(3) Há testes cutâneos em que se injeta uma pequena quantidade de extrato de pólen,
geralmente no braço (no caso de outras alergias são utilizadas outras substâncias, como
a poeira, ou o pêlo de animais). Caso paciente seja alérgico, alguns minutos depois surge
uma pequena inchação, acompanhada de coceira, no local da picada. Estes testes
cutâneos, no entanto, nem sempre funcionam e às vezes indicam um número de
substâncias muito maior do que aquelas a que o paciente é realmente alérgico.
O que se pode fazer para reduzir o desconforto causado pela alergia?
A maneira mais óbvia de minimizar o seu sofrimento é evitar o contato com o pólen.
Entretanto, isso nem sempre é possível. Em muitos casos é melhor tratar dos sintomas do
que ficar trancado em casa. Eis aqui dez dicas que podem ajudar:
— Fique longe de áreas onde haja muita grama.
— Tire férias à beira-mar.
— Mantenha as janelas de casa fechadas quando o vizinho cortar a grama.
— Não se esqueça de que há mais pólen no ar nos dias de calor.
— Use óculos escuros fora de casa.
— Evite passear à noite.
— Evite viagens no campo durante os meses de verão.
— Mantenha as janelas do carro fechadas ao dirigir.
— Verifique a previsão da quantidade de pólen no ar.
— Consulte o seu médico e não deixe de tomar os medicamentos receitados.
Talvez eu use essas informações para ganhar um dinheiro extra. Posso oferecer os meus
serviços para a estação de rádio local.

Diario de Um Adolescente Hipocondriaco - Aidan MacfarlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora