Capítulo 1 COMO DESCOBRI QUE ERA HIPOCONDRÍACO

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Quarta-feira, 9 de janeiro

A professora de biologia me deixou preocupado hoje. Ela disse que o nosso coração era uma máquina maravilhosa e eficiente, que bate 80 vezes por minuto. Isso dá três bilhões de batidas numa vida inteira. Calculei que o meu já tinha dado 80 x 60 x 24 x 365 x 14 588.672.0 de batidas (o número não coube na calculadora. Preciso de uma melhor). Fiquei preocupado com o esforço que o meu coração já tinha feito. Tenho certeza que ele não vai agüentar até o fim. Perguntei à D. Smellie se eu podia ter um ataque cardíaco na corrida que a gente ia fazer de tarde. Afinal, o vovô morreu de ataque do coração quando estava correndo atrás de um ônibus no ano passado. Bom, é claro que ele tinha 80 anos, mas eu fiquei morrendo de medo que fosse hereditário. D. Smellie disse para eu parar de ser bobo, O exercício faz bem para o coração e ajuda a evitar ataques cardíacos quando a gente fica mais velho. NÃO fumar também. Ela nunca perde uma oportunidade de dizer como NÃO fumar é ótimo. Segundo ela, a probabilidade de eu ter um ataque cardíaco na minha idade é menor do que uma em um milhão. Mas logo tive um novo motivo para me preocupar: a D. Smellie disse que eu estava tendo um ataque agudo de “hipocondria”. Isso deve ser bem pior. Será que eu vou morrer? Perguntei quais eram os sintomas, mas não adiantou nada. Ela me mandou olhar no dicionário. Acho que vou fazer isso mesmo, se não morrer antes.

Quinta-feira, 10 de janeiro

Ainda estou vivo. Consegui escrever mais um dia no meu diário! No Ano Novo eu tinha resolvido começar no dia 1° de janeiro. Só oito dias de atraso! Foi quando comecei a ler Adrian Mole, e minha mãe parou de implicar comigo, que resolvi escrever esse diário. Não aconteceu nada demais hoje. Só a minha irmã, a Susie, é que ficou torrando a paciência da mamãe para deixar a Kate, além da Mary, vir jantar aqui no aniversário de 13 anos dela. Eu odeio todas elas. São todas umas pentelhas. A Mary é a sexta “melhor amiga” que a Susie arranja essa semana. Domingo elas vão com a mamãe assistir pela quarta vez a um desses filmes sem graça do Walt Disney. É super criança, mas é a única coisa que está passando. Eu vou para a casa do Sam. Ainda não morri de hipocondria. Vai ver não é tão grave quanto eu pensava. Vou perguntar ao pai do Sam. Ele sabe tudo.

Sábado, 12 de janeiro

Essa história de hipocondria está começando a me deixar preocupado. Ontem fui na biblioteca, na hora do almoço. Tinha acabado de pegar o dicionário quando o quatro-olhos do Slogs, o C.D.F. da escola, veio perguntar que palavra eu estava procurando. Não queria que ele descobrisse que eu estava com uma doença medonha.., podia ser contagiosa, e ai ninguém ia querer chegar perto de mim. Então procurei a palavra “ERÓGENO”. O cedê teimou que sabia o que ela queria dizer, mas ficou todo vermelho por trás dos óculos fundo-de-garrafa quando li em voz alta a definição do dicionário (para deleite dos tarados analfabetos ali presentes, e para ver qual seria a reação da O. Bel uma professora de música de 62 anos de idade, que estava cochilando em cima de umas partituras): “área do corpo que provoca excitação sexual, como por exemplo os mamilos, o lóbulo da orelha e a parte de dentro das coxas”.

Ajudei meu pai a consertar o carro hoje. Queria que a gente tivesse um GoIf GTI, que nem o pai do Sam, ao invés dessa pilha de ferrugem de décima mão, que chamam de Ford Escort Estate. Bom, pelo menos é melhor do que ter uma droga de um Volvo Estate, que nem o pai do Randy Jo. Só que o nosso carro não pega quando faz frio. O barulho que ele faz é como se estivesse morrendo de câncer no pulmão. Parece o papai tossindo de manhã quando exagera e fuma 40 cigarros num dia só. A gente tinha que botar o carro para funcionar para ir almoçar na casa da tia Pam no dia seguinte. Queria que o papai mandasse a porcaria desse carro para o ferro velho de uma vez, ao invés de ficar tentando consertar.

Depois fui me encontrar com o Sam. Fui ver o time dele jogar futebol. Minha mãe me fez botar quinhentos casacos (“Para você não pegar um resfriado, meu filho”). Parecia que eu estava indo para uma expedição na Antártica. Eu estava ridículo e muito pouco aerodinâmico, mesmo para os padrões da minha bicicleta velha. O Sam tem uma Reynolds 531 — uma bicicleta de garfo reforçado, câmbio Capagnolo, pneus tubulares, banco de competição Edco, para não falar nos freios Weinmann 605— que ele não me empresta de jeito nenhum. Diz que eu ia acabar quebrando. Não me importo muito com isso. Só que a mãe dele deixa ele sair com o uniforme de corrida preto do “Tour de France”. E eu fico me sentindo um babacão. O time do Sam ganhou, mas o goleiro quebrou a perna, e não vai poder jogar no resto da temporada. Deu para ouvir o barulho do osso quebrando lá da arquibancada. Fui embora antes que soltassem os animais do time visitante (não sei por que chamam essa cambada de torcida). Além de ser um covarde, eu detesto violência. Fui para casa pedalando a toda velocidade, para fazer o meu coração bater direito (calculo que estou perto da marca dos 600 milhões de batidas agora). Mas depois fui mais devagar, senão a hipocondria podia piorar.

Diario de Um Adolescente Hipocondriaco - Aidan MacfarlaneOnde histórias criam vida. Descubra agora