Os Meus Inúmeros "Amo Você"

Prólogo - 21 de março de 2019

Cinco anos atrás

Acho que a grande invenção do ser humano foi criar a possibilidade de pedir comida por telefone.

E não existe ninguém no mundo que me faça entender como as pessoas demoraram tanto para pensar em algo tão importante, útil e tão simples quanto o fato de receber um telefonema e levar a comida para qualquer lugar da cidade através de qualquer meio de transporte.

Sério, meus mais sinceros, muito obrigado para esse gênio.
E que toda a população mundial, que abrigaria facilmente dois planetas quase completos, dissesse amém para esse gênio, seja lá quem ele for. Muito obrigado, de nada!

Para falar a verdade, acho que a pessoa que criou isso vai direto para o céu quando morrer, por que é inadmissível que alguém que fez esse bem tão grande para a humanidade vá para outro lugar senão o paraíso.

Pessoas assim, fazem com que seja possível pessoas como eu -que acabou de mudar de apartamento e esqueceu de comprar um fogão- tenham uma refeição decente depois de um dia exaustivo.

Enrolei por um tempo para escolher um apartamento e enrolei por mais um tempinho para me mudar depois que o meu pai comprou ele para mim de presente por ter passado na faculdade de administração em cinco das melhores universidades do país.

Eu, é claro, tinha escolhido a mais longe do meu pai o possível

Não sei também se enrolar é a palavra certa, digamos que eu estava avaliando se era isso mesmo que eu queria ser: hipócrita

Mesmo não me orgulhando disso, não tive exatamente a melhor relação com meu pai durante os dezoito anos que passei sob o mesmo teto que ele, não era ruim mas nem de longe era a melhor. Eu fui planejado e criado para ser exatamente uma extensão dele e isso tirou de mim o livre arbítrio que eu tanto aprendi a valorizar depois que experimentei esse todo tempo livre desde que entrei para a faculdade.

E me dar conta de que passei a vida sendo uma sombra do que realmente poderia ter sido fez o meu coração se encher de um sentimento que eu não sabia com clareza qual era mas que com certeza não era bom.

Por isso achei que seria uma tremenda hipocrisia aceitar algo tão grande vindo dele.

Problema de menino rico, foi como Julia definiu o meu dilema. Mas ela também fez questão de me dizer que meu pai me deve bem mais do que um apartamento um uma cidade de classe média em São Paulo: devia uma vida com direito a fazer minhas próprias escolhas, por exemplo.

E quando eu passava a pensar por aquele lado, concordava totalmente com ela, mas ainda sim eu me sentia indo contra o próprio princípio recém descoberto ao aceitar aquele apartamento.

Hipocrisia.

Decidir aceitar aquele apartamento era como decidir aceitar que estava tudo bem tudo o que eu passei, e não estava.

Mas quando eu procurei por apartamentos que podia pagar o aluguel foi que me dei conta do quanto eu sou privilegiado por poder ganhar um, por que o apartamento mais barato custava um pouco mais do que eu conseguia ganhar sendo balconista em uma livraria onde que consegui um emprego, isso sem falar de todo o restante básico que eu iria precisar.

Isso sim seria um problema de verdade, Júlia tinha me dito, precisar de uma coisa e não ter como arranjar, aceitar algo que é meu por direito era uma dádiva que poucos tinham.

-Meu nome é Júlia O'brien de Moraes e esse é o meu testamento - observei minha namorada ligar a câmera do meu celular e senti um sorriso crescer no meu rosto, eu ainda estou no processo de me acostumar com os dramas que só a senhorita Júlia consegue fazer -Para minha família, meus amigos...