Capítulo Nove

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Na última noite das celebrações do casamento, Samia sentia-se esgotada e extremamente nervosa. Estava sentada sozinha por um raro momento, no salão palaciano, onde ela e Sadiq tinham repetido seus votos mais cedo no dia pela segunda vez, diante de uma multidão. A aliança de casamento pesava em seu dedo. Estava casada com Sadiq. Ele era seu marido.
Ele estava a poucos metros dela, conversando com seu irmão, o físico magnífico a fazendo lembrar-se de quando ele a levara ao paraíso na outra noite,
Ela suspirou, imaginando se aquilo tinha sido um sonho distante. Sadiq não compartilhara sua cama desde então, e Samia gostaria de poder dizer que estava aliviada... Mas não podia negar que, nos últimos três dias, tudo em que parecia poder pensar era na incrível sensação de tê-lo entre suas pernas, dos corpos unidos de ambos.
Tinha sido maravilhoso saber que eles já eram íntimos, mas isso se transformara em frustração quando Sadiq parecera determinado em mantê-la à distância... Às vezes recuando visivelmente se ela o tocasse, mesmo nos raros momentos em que estavam sozinhos. Como resultado, Samia agora estava muito insegura. Especialmente após ver as lindas convidadas o rodeando.                                                                       
Para piorar seu estado de desolação, seu irmão tinha aparecido acompanhado da última mulher com quem Samia teria esperado vê-lo novamente. A inglesa que lhe partira o coração antes. Ela apenas arqueara uma sobrancelha inquisitiva quando Kaden apresentara Julia a Sadiq, mas não tivera a chance de questioná-lo desde então.
A primeira cerimônia havia sido a mais tranqüila... Os dois sozinhos numa sala com algumas testemunhas oficiais que os ouviram fazer seus votos. A falta de glamour de alguma maneira tornara o momento mais tocante do que deveria ter sido. Depois disso, eles estavam casados. Mas aquela curta cerimônia tinha sido apenas o começo das 72 horas mais frenéticas da vida de Samia.
Tudo parecia surreal agora. Mais cedo, ela fizera seus votos para Sadiq pela segunda vez, em estilo grandioso, diante de todos os presentes.
Durante os primeiros dois dias, usara uma seleção de túnicas tradicionais de Al-Omar, e véus que tinham sido feitos em Paris, mais tarde sendo substituídos por vestidos mais elaborados nas noites. Sentira-se feliz e emocionada por Sadiq ter convidado Simone para o casamento. A estilista francesa a ajudara em todas as trocas de roupas durante todo o fim de semana, e acabara de ajudá-la a remover o vestido de casamento ornado e colocar um vestido de noite azul-marinho.
Seu marido virou-se agora, e aqueles olhos azuis a queimaram. Samia estava ciente de seu humor sensível. Três dias sob intenso escrutínio era o bastante para deixar seus nervos à flor da pele. Ele aproximou-se de onde ela estava sentada, resplandecente no uniforme militar de Al-Omar, uma espada na sua lateral, enfiada numa bainha com pedras preciosas. Estendeu uma das mãos, e ela posicionou a sua na palma dele. Era hora da primeira dança pública dos dois. Aquele seria o contato mais íntimo que tinham em dias.
Tremendo, de fadiga e de algo mais volátil, ela o deixou conduzi-la para a pista de dança. Com irritação indistinta na voz, ele sussurrou no seu ouvido:
— Se não for muito trabalho, acha que pode conseguir um sorriso fraco, pelo menos? Há aproximadamente quinhentos espectadores assistindo a cada movimento nosso. Sei que isso é difícil para você, mas está quase acabando. .
Aquelas eram praticamente as primeiras palavras que ele lhe dirigia desde que eles haviam trocado os votos mais cedo, e levaram lágrimas aos olhos de Samia, porque ela sentia como se estivesse representando um papel por uma vida inteira, sorrindo e fingindo que multidões não a apavoravam. E só conseguira fazer isso por causa da presença sólida de Sadiq ao seu lado. Mas, com essas poucas palavras, ele estava lhe dizendo que seu desconforto inato naquele ambiente tinha sido óbvio, e a intimidade deles na outra noite pareceu um sonho ainda mais distante.
Samia detestava o redemoinho de emoções no qual parecia estar, e, sentindo-se rebelde, encarou-o.
— E, destas quinhentas pessoas, suspeito que pelo menos trezentas estão lamentando a perda de um amante.
Sadiq apertou-a mais em seus braços e, com um sorriso perigoso, murmurou:
— Com ciúme, Samia? Na verdade, há somente duzentas mulheres aqui, portanto, a menos que você esteja contando alguns dos homens como conquistas minhas também...
Aquela arrogância fria a fez querer sair dos braços dele e da pista de dança. Calor e tensão os envolveram, então ele beijou-a. Ela não teve ciência do aplauso tumultuoso. Tudo que sabia era que estava esperando que Sadiq a beijasse novamente como uma pessoa morrendo de sede. O roçar de seus lábios após os votos tinha sido uma forma de tortura.     .
Quando ele finalmente afastou a boca, ela estava entregue nos braços fortes, olhando-o. Sadiq estava tão sério.
— Realmente achou que eu seria tão rude em convidar ex-amantes para nosso casamento e colocá-la numa posição na qual as pessoas pudessem falar ou zombar? Ademais, o número de mulheres que compartilharam minha cama é muito menor do que você parece imaginar. A única mulher aqui que quero está parada na minha frente.
Samia estava sem palavras, sentindo-se castigada e alegre ao mesmo tempo. Antes que ela fizesse papel de tola, ele continuou dançando, como se o momento explosivo não tivesse acontecido.
De alguma maneira, ela conseguiu sobreviver ao resto da noite, animada pelas palavras de Sadiq e pela presença dele ao seu lado.
Mais tarde, quando ele acompanhou-a até seu quarto, ela sentiu remorso. Sabia que os últimos dias tinham sido cansativos para ele também. Além disso, estava apavorada que ele pudesse ler alguma coisa em seu ciúme. Virou-se para ele do lado de fora de sua porta.
— Sinto muito... Sobre mais cedo. Não sei o que deu em mim. Estou apenas... Um pouco cansada.
Sadiq suspirou, passando uma das mãos pelos cabelos.
— Sinto muito, também. Eu não pretendia ser crítico. Sei como deve ter sido difícil ter todos a olhando como uma exposição num zoológico. E você foi incrível.
Pura alegria a preencheu imediatamente.
— Verdade?
— Sim, verdade.
Por um momento, ela achou que ele ia beijá-la, mas então ele deu um passo atrás e disse:
— Amanhã cedo partiremos para Nazirat. Esteja pronta.
Sadiq ficou parado do lado de fora da porta fechada de Samia por um longo momento, enquanto o desejo pulsava em seu corpo. Nunca quisera uma mulher com tanto desespero. Todavia, um misto de sentimentos ambíguos o tornava cauteloso. Os últimos três dias não tinham sido o ritual tedioso que esperava. Quando falara seus votos na primeira cerimônia, olhando para o rosto velado de Samia, uma emoção completamente inesperada o dominara. Ele a classificara como gratidão, por ter encontrado a noiva certa.
E ela havia sido... Incrível. Tranqüila, digna, graciosa. A noiva perfeita. Ele não teria acreditado na transformação se não a tivesse visto com os próprios olhos, e Samia não era mais a mulher desajeitada que ele conhecera na primeira vez.
A única vez que ela mostrara um pouco de tensão tinha sido nessa última noite, e ele censurou-se por tão sido tão duro com ela. Mas, ao ver-lhe o rosto pálido, sem sorrir, pensara em como Samia estivera relutante em relação àquele casamento. Culpa o assolara, trazendo muitas lembranças desagradáveis do casamento de seus próprios pais. A relutância de sua mãe e a raiva feroz de seu pai.
Sadiq continuava dizendo a si mesmo que aquilo era diferente... Porque ele não era obcecado por Samia do jeito que seu pai tinha sido obcecado por sua mãe. Mas, no fundo, sabia que a paixão que sentia por Samia beirava a obsessão.
Pensou sobre o comentário dela mais cedo na pista de dança; ela ficara com ciúme. Normalmente, quando uma mulher manifestava tal emoção, ele fugia o mais rapidamente possível. Mas, com Samia... Aquilo o excitara. E ele a beijara avidamente na frente de uma multidão de pessoas.
Afastou-se da porta agora, pensando na lua de mel. Uma semana sozinho com Samia num oásis paradisíaco no meio do deserto. Uma semana para tirar essa fixação de seu organismo, de modo que, quando eles voltassem a B'harani, seu desejo não mais o consumisse, e ele pudesse continuar com seu trabalho.
Samia foi acordada por Alia às 5h da manhã seguinte. Arrumou-se rapidamente, e estava piscando contra a luz do amanhecer do lado de fora quando Sadiq parou o jipe na sua frente, maravilhoso em jeans e um suéter casual. Instantaneamente, ela estava desperta e alerta.
Mas ele mal a olhou, e eles seguiram no veículo até uma pista de decolagem, onde um helicóptero os esperava.
Depois de 30 minutos de viagem sobre a paisagem do deserto, que mudava de cor conforme o sol nascia eles aterrissaram perto de um castelo de tamanho modesto. Sadiq pegou-lhe o braço com firmeza.
Samia pensou que a única razão possível para o mau humor de Sadiq era porque ele detestava a idéia de passar uma semana no deserto, sozinho com ela. A velha insegurança envolveu-a. Como podia ser diferente? Ela era tão inexperiente; ele era tão viril. Sadiq devia ter ficado desapontado com a outra noite,
Mas, assim que eles estavam sozinhos num belo quarto espaçoso, o qual parecia se abrir diretamente para o vasto deserto, ele virou-a com ferocidade nos olhos.
— Venha aqui — ordenou com a voz rouca, e Samia aproximou-se como se num sonho, experimentando um misto de medo e excitação.
Assim que ela estava perto o bastante, Sadiq puxou-a para si, soltando-lhe os cabelos, de modo que caíssem em ondas ao longo das costas.
— Assim está melhor. Eu tive medo de falar no caminho para cá, caso começasse a beijá-la e não conseguisse parar.
— Os últimos três dias foram os mais longos de minha vida. — Ele ergueu-lhe o queixo. — Tem ideia de como foi difícil vê-la desfilando naqueles lindos vestidos e não pressioná-la contra uma coluna, a fim de despi-la e amá-la até que você estivesse gritando meu nome, e eu não me lembrasse de quem era?
O sangue de Samia ferveu, e seu coração se encheu de esperança.
— Mas... Ontem à noite, você não... — Ela mordeu os lábios. — Eu queria que você fizesse amor comigo. Mas não quis... Pedir.
Sadiq sorriu.
— Eu não sei como consegui deixá-la, mas queria me certificar de que você estivesse totalmente recuperada. Pois não pretendo deixá-la sair da cama por esta semana inteira. Começando por agora...
E ele segurou-lhe o rosto nas mãos, e beijou-a até deixá-la fraca de desejo. Quando a ergueu nos braços e carregou-a para cama, Samia estava tremendo inteira em puro deleite.
Mais tarde, sem ideia de quanto tempo tinha se passado, Samia acordou, mas manteve os olhos fechados. Estava nua, de bruços na cama macia, e nunca se sentira tão...
— Boa tarde, habibti... Como está se sentindo?
Samia sorriu. Mas não abriu os olhos, com medo de que o sonho acabasse.
— Sinto que eu nunca mais conseguirei me mover.
Uma risada sexy foi acompanhada de um beijo quente no seu ombro nu, e então a cama afundou quando Sadiq saiu. Relutantemente, ela abriu os olhos para ver seu marido nu e glorioso atravessando para o banheiro da suíte, enquanto pensava que nem em suas fantasias mais loucas imaginara que sexo podia ser tão... Incrível.
Samia virou-se sobre as costas e olhou para fora, vendo o crepúsculo caindo sobre as dunas a distância, através das portas abertas. Eles haviam passado o dia na cama. E estavam totalmente sozinhos, isolados. Ninguém, exceto os dois e os funcionários e os seguranças de Sadiq, muito discretos, em outro alojamento perto. A civilização mais próxima era a cidade de Nazirat, a aproximadamente 30 quilômetros dali.
Aquele castelo antigo tinha sido construído num pequeno oásis da redondeza, trezentos anos atrás, mas Sadiq fizera melhorias ao longo do caminho, e agora o lugar era um esconderijo luxuoso. Alia contara a Samia que um dos ancestrais de Sadiq o construíra para sua esposa favorita.
Através das portas abertas, ela também podia ver a água parada da piscina particular, os sofás baixos ao redor e as velas tremulando suavemente nos lampiões altos de vidro. A brisa suave estava quente. Uma sensação que nunca experimentara antes a percorreu. Contentamento. E paz.
. Perguntou-se por um momento se estava de fato sonhando, porque nunca fora dada à introspecção sonhadora antes, mas a pulsação entre suas pernas lhe dizia outra coisa. Naquele instante, Sadiq emergiu do banheiro, andando em direção à cama com determinação e um brilho travesso nos olhos. Se aquele fosse um sonho, ela não queria acordar ainda.
Antes que pudesse respirar, ele a ergueu nos braços e carregou-a para o banheiro. O vapor do grande chuveiro os envolvia como um nevoeiro quente. Dentro de segundos, Sadiq a estava ensaboando com uma sensualidade que produzia um efeito visível nele, e Samia estava praticamente suplicando que ele a tomasse ali.
Ela devia ter falado em voz alta, porque ele inclinou-lhe a cabeça para trás, protegendo-a do jato com seu grande corpo.
— Acredite, eu quero isso, habiba, mas você ainda está sensível. E nós precisamos usar proteção. Mas não se preocupe... Eu nem sempre terei tanta consideração.
Foi somente então que Samia percebeu que ele tinha usado proteção. Mas, antes que pudesse questioná-lo sobre aquilo, Sadiq a estava virando e enxaguando-lhe as costas. Ela o sentiu imobilizar atrás de si.
Em tom de voz chocado, ele disse:
— Você tem uma tatuagem.
Ela esquecera sobre a tatuagem na parte baixa de suas costas, bem acima das nádegas. Sentindo-se rebelde com o tom chocado de Sadiq, virou-se.
— Sim, eu tenho uma tatuagem. Isso é tão difícil de acreditar? Sadiq a fitou com expressão indignada, e Samia quase riu.
Podia imaginar que, ao escolher a esposa adequada, ele jamais poderia ter sonhado que ela possuía uma tatuagem.
— Onde você a fez?
— Em Nova York, com minhas amigas, antes de nossa viagem de barco pelo Atlântico. Cada uma de nós escolheu uma tatuagem que significasse alguma coisa pessoal.
Sadiq desligou o chuveiro com um movimento abrupto, e pegou uma toalha, envolvendo-a ao redor de Samia.
— O que foi? — perguntou ela. — Você está tão chocado assim?
Sadiq não respondeu enquanto a enxugava. Era ridículo, mas, de certa forma, sentia-se levemente traído... Por uma tatuagem. Samia o olhava com expectativa.
Ele forçou-se a ser racional, e deu um sorriso irônico.
— Uma tatuagem não é algo que eu associei com a garota tímida que entrou no meu estúdio naquele primeiro dia em Londres.
Ela enrubesceu e desviou o olhar e, perversamente, isso o confortou. Ele ergueu-lhe o queixo para estudar os olhos azuis.
— O que a tatuagem significa?
— E o símbolo chinês de força.
Sadiq viu um brilho intensamente vulnerável nos olhos cor de água-marinha e teve de reprimir uma onda de emoção.
— Vamos jantar, e então você me conta por que queria um símbolo de força tatuado em sua pele.
Ele observou-a entrar no quarto e vestir a túnica que lhe fora designada, deixando a toalha ao seu redor até o último minuto. Era óbvio que ela não estava acostumada àquele tipo de intimidade, e evidentemente Sadiq se cansara de ver amantes ansiosas para desnudar seus corpos para ele, porque observar Samia era como assistir à mais erótica strip-tease que já tinha visto.
Ele teve um vislumbre da tatuagem novamente, antes que a túnica caísse pelo corpo delgado e a cobrisse, e foi forçado a admitir que era sexy posicionada num lugar que apenas alguém íntimo dela pudesse ver.
Enquanto se vestia e tentava controlar sua libido insaciável, Sadiq teve de admitir um leve senso de desorientação. Samia estava se transformando num enigma, algo com o que ele não contara. E não estava muito certo se gostava disso.
Uma hora depois, estavam sentados num terraço aberto no piso abaixo do quarto deles. Uma mesa para dois tinha sido posta com velas. Vinho branco gelado preenchia lindas taças de cristal. Os criados discretos, vestidos nos mesmos uniformes brancos que usavam no castelo Hussein, iam e vinham, servindo uma deliciosa seleção de pratos.
Samia adorou a natureza rústica do jantar... O fato de a mesa estar sem toalha, apesar de ser incrustada com mosaicos de pérolas. A sensação da seda da túnica roçando contra sua pele era como uma carícia erótica, e ela teve de se controlar para não se contorcer na cadeira, já desejando que eles estivessem na cama sem nada entre os dois. Também esperava muito que Sadiq não se lembrasse do que tinha falado.
Doce ilusão. Ele recostou-se, a taça de vinho na mão, e estudou-a.
— Então... Conte-me. Força. Para que você precisava de força?
Ela limpou a boca com o guardanapo e fitou-o do outro lado dá mesa.
— Eu lhe contei antes sobre minha madrasta? Ele assentiu.
— Disse que vocês não se davam bem, não é? Samia deu um gole do vinho para tomar coragem.
— Fiz o símbolo de força porque, ao me aventurar naquela viagem de barco... Eu me senti forte... Pela primeira vez na vida. Depois de anos me sentindo fraca. — Ela deu ura sorriso trêmulo, detestando como aquilo a fazia se sentir vulnerável. — Alesha me desprezou desde o instante em que me viu, por diversas razões, mas principalmente porque eu era parecida com minha mãe. Era de conhecimento comum que meus pais viveram um grande amor. Ele visitou o túmulo dela todos os dias, até que morreu. — Samia fez uma careta. — Alesha costumava me dizer que, pelo fato de eu me parecer com minha mãe, meu pai não conseguia ficar muito perto de mim, porque eu tinha causado a morte de minha mãe.
— Samia...
Ela o interrompeu, não querendo piedade.
— O talento de Alesha era atingir o ponto fraco das pessoas. Ela destruiu minha autoconfiança, sempre apontando como eu era diferente. As coisas pioraram quando ela teve menina atrás de menina, e nenhum herdeiro homem para cancelar a supremacia de Kaden e a minha. — A voz de Samia tinha se tornado monótona, como se tentasse esconder a emoção que sentia. — Se eu descobrisse alguma coisa que gostava de fazer, ela me impedia. Era uma guerra constante, e eu não podia lutar contra ela.
— Ela soa absolutamente charmosa — comentou Sadiq secamente.
Samia o olhou e ficou aliviada em não ver pena.
— Ela era... Para qualquer um que olhasse de fora. Alesha era manipuladora, e amarga, porque sabia que meu pai não a amava. Um dia, eu ia dar um recital de piano no nosso enorme salão de bailes, para meu pai e alguns convidados importantes... — Ela parou. Por que estava falando sobre incidentes mundanos de sua infância?
Mas Sadiq inclinou a cabeça.
— Continue. Eu quero ouvir isso.
— Eu pratiquei por semanas no piano de minha mãe. Ela quase se tornara pianista profissional antes de conhecer meu pai e, quando eu tocava, sentia-me... Perto de minha mãe. Não que eu tenha metade do talento dela. — Samia fez uma pausa e respirou fundo.
— Alesha me puxou de lado antes que eu entrasse no salão. Não me lembro mais do que ela falou, mas, quando eu me sentei... Congelei. Não conseguia me recordar de uma nota da música, e não podia me mexer. Tudo de que me lembro é da sensação de puro terror. Kaden teve de ir até mim e me tirar do banco. Decepcionei meu pai na frente dos convidados dele... Mas, pior que isso, sentia ter desapontado a memória de minha mãe. Nunca mais toquei num piano desde então. — Ela fez uma careta. — Isso é tudo tão trivial. Minha infância não foi pior do que muitas outras. Tirando Alesha, nós crescemos num ambiente estável e seguro.
— Nada é trivial quando você é criança e seu mundo é ameaçado — disse Sadiq. — Você pode ter o ambiente muito seguro, e ser emocionalmente ameaçado.
Samia o olhou, a expressão intrigada.
— Por que diz isso?
O maxilar dele enrijeceu.
— Porque é verdade. Meu mundo era ameaçado todos os dias quando meu pai descontava a raiva que sentia de minha mãe em mim... Ou nela. Quem estivesse mais perto. Uma vez, eu o vi chutá-la tão forte na barriga que ela ficou deitada lá, sangrando. Mas ele não me deixou ajudá-la. Eu tentei, mas ele me bateu.
Samia arfou em choque.
— Como ele pode ter feito uma coisa dessas? E na sua frente?
Sadiq deu um sorriso triste.
— De modo que eu aprendesse como se com uma esposa desobediente. Uma esposa que não lhe daria mais filhos.
Samia balançou a cabeça, horrorizada.
— Você nunca seria capaz de uma coisa dessas. Quantos anos tinha?
Ele deu de ombros, sentindo-se tocado porque Samia sabia que ele não era igual ao pai.
— Aproximadamente cinco anos.
— Sadiq, isso é horrível. Por isso que sua mãe não teve mais filhos?
— Ela não teve mais filhos porque meu pai dormia com amantes enquanto minha mãe estava grávida de mim, e então lhe passou uma doença sexualmente transmissível. Ela recusou-se a dormir com ele depois disso, e como resultado do orgulho de meu pai, e da recusa para procurar tratamento, ele tornou-se infértil.
O desgosto que sentia cada vez que pensava no pai estava envolvendo Sadiq agora, e ele perguntou-se por um momento como estava falando sobre um assunto que não discutia com ninguém.
— É por isso que você duvidou de sua própria fertilidade? Ou por que não consegue encarar sua mãe? Porque se sente culpado por não ter sido capaz de protegê-la?
A pergunta o abalou imensamente. Ele pôs o guardanapo sobre a mesa.
— Acho que conversamos o bastante por uma noite.
Ela observou-o se levantar, e seu coração se comprimiu. Ele parecia tão distante e orgulhoso. Obviamente estava zangado consigo mesmo por ter revelado aquilo, e Samia tinha ido longe demais com seu questionamento.
Mas ela também se abrira e revelara mais do que pretendera. Quando ele estendeu a mão agora, ela pegou-a, de súbito também ansiosa para mudar de assunto.
Mais tarde, enquanto descansava a cabeça no peito de Sadiq, ouvindo as batidas fortes do coração dele sob seu rosto, Samia murmurou:
— Você está usando proteção agora...
Ela levantou a cabeça para olhá-lo, e uma onda de timidez a envolveu ao lembrar-se do ato de amor apaixonado que eles tinham acabado de compartilhar. O pensamento que aquilo não duraria a entristeceu. Não poderia durar. Sadiq logo se cansaria de sua gama limitada de respostas. E ela detestava a autopiedade que o pensamento lhe causava.
Ele se moveu, de modo que ela ficasse deitada sobre as costas, e ele se apoiasse sobre um cotovelo, olhando-a.
— Eu pensei que pudesse ser uma boa idéia que tivéssemos algum tempo para nos conhecer antes que você engravidasse.
— Oh. — Então, era por isso que ele de repente estava usando proteção?
Sadiq virou o lençol que cobria o corpo de Samia, e ela enrubesceu sob o escrutínio.
— Todavia, uma vez que você já pode estar grávida, e parte dos requerimentos deste casamento são herdeiros, não vejo mais vantagem nisso.
E, antes que ela pudesse falar, ele a puxara para cima de seu corpo, sentando-a de pernas abertas sobre seus quadris, onde Samia podia sentir o membro viril contra seu sexo úmido.
Samia teve a impressão de que ele estava zangado com alguma coisa, e descontando nela, mas estava muito distraída pela ereção masculina. Com um gemido desejoso, ela deslizou pela extensão rígida e esqueceu tudo, exceto aquela insanidade deliciosa.
Sadiq não conseguia dormir, e não estava surpreso. Acabara de agir como um homem primitivo, e descontado sua própria raiva em Samia de um jeito muito egoísta. Não que ela tivesse reclamado. Ele nunca dormira com uma mulher tão apaixonada e tão responsiva. Apoiando-se sobre um cotovelo agora, olhou-a, estudando-lhe a pele ainda brilhando pelo ato de amor, os cílios longos tocando as faces.  
Com um gemido, ele saiu da cama e vestiu seu roupão, atravessando para a parede ornada com treliça, a qual cercava o terraço particular. O deserto se estendia diante de seus olhos. Droga. Ele bateu o punho fechado contra a parede. Tinha pretendido falar com Samia sobre contraceptivos. Pensara que era uma boa idéia esperar alguns meses, de modo que ela se acostumasse com a vida do castelo.
Estava desconfortavelmente ciente de que sua decisão viera depois daquela primeira noite. Depois que tinha ficado cego de desejo, abandonando qualquer pensamento racional. Apenas quando estivera sóbrio, durante o fim de semana, que percebera o risco que havia corrido.
Quando Samia o questionara ainda há pouco, lembrara-lhe de sua própria negligência. Culpa o assolara, e tudo que ele fora capaz de pensar era no que acabara de lhe contar... Coisas que jamais compartilhara com outra pessoa. Ela lhe contara algo pessoal, e Sadiq se sentira obrigado a se abrir, também? Mais uma vez, reagira à ameaça que ela representava em sua vida, um dia, muito tranqüila. Uma vida que ele ingenuamente acreditara que não mudaria muito com o casamento.
Mas esse casamento estava fugindo completamente do tipo de união que Sadiq planejara. Certamente não planejara um cenário como aquele jantar. E, quando ela lhe contara sobre a madrasta, ele quisera aninhá-la em seus braços e amaldiçoar a mulher morta por fazer de Samia uma pessoa insegura, e por impedi-la de fazer o que ela evidentemente amava. Ele podia apostar agora que ela havia sido uma pianista brilhante.
Sadiq andou em direção à linda figura dormindo na cama, e silenciosamente amaldiçoou-a por ela não ser a esposa sem graça e conveniente que ele acreditara ter escolhido.
Na manhã seguinte, quando o sol estava alto do lado de fora, Sadiq acordou para ver Samia saindo do banho, vestindo um roupão. Ele sentiu-se imediatamente desconcertado. Não estava acostumado a dormir na companhia de uma mulher... O que sempre o fizera sentir-se muito vulnerável. Entretanto, aquilo era outra coisa para acrescentar à lista crescente de experiências não bem-vindas que sua esposa estava trazendo para sua vida.
Ele ergueu uma das mãos.
— Você está exageradamente vestida. Venha aqui, de modo que eu possa retificar a situação.
Ela corou, imediatamente lhe despertando emoções que o deixaram tenso. O que havia com aquela mulher?
Samia sentia-se ridiculamente nervosa e fraca, após uma noite sendo sujeitada ao tipo de tortura pessoal de Sadiq. Mas precisava esclarecer uma coisa, pois somente depois, percebera como ele fora arrogante.
— Ouça, eu teria apreciado falar sobre controle de natalidade antes que nós... Fizéssemos amor. Acho que é uma boa idéia. Se eu já estiver grávida, então nós logo saberemos, mas, do contrário, prefiro usar contraceptivo por alguns meses, pelo menos. Sadiq ergueu-se sobre um braço e, para o choque de Samia, ela viu uma expressão encabulada no rosto bonito, antes que ele saísse da cama e se aproximasse. Ela tentou ignorar a nudez masculina. — Eu lhe devo um pedido de desculpas.
— Deve?
— Eu nunca deveria ter agido de forma tão egoísta. Isso foi arrogância da minha parte e desrespeito com você. E, como falei, eu pretendia conversar com você sobre isso.
O pedido de desculpas fez alguma coisa derreter-se dentro de Samia.
— Tudo bem. Havia dois de nós na cena e, se eu tivesse insistido em parar para usar proteção, você teria feito isso. Sadiq inclinou-lhe o queixo e murmurou:
— Acho que você pensa que eu tenho muito controle... Controle que pareço perder quando estou ao seu lado.
O coração de Samia descompassou. Quando ele abriu-lhe o roupão e deslizou-o pelos ombros, ela não protestou.

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