Bem Vindo a Casa de Bonecas

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Entrei por uma porta lateral e acessei um salão, com vitrais iluminados pelos raios de sol daquele meio de tarde. Junto às paredes havia uma ou duas mesas cobertas por um pano com estampa xadrez que nem naqueles piqueniques e em cima delas copos e pratos descartáveis para podermos nos servir com refrigerante ou café, bolo e pães frescos.

No meio do salão, havia certa de quinze cadeiras que juntas formavam um círculo amplo; ao redor desse círculo, creio eu, a mesma quantidade de pessoas conversava ou, sozinhas, estranhavam tudo aquilo.

Fiquei com muita vontade de me servir com alguns daqueles pães e tomar um café, imaginando se havia leite por ali também, mas logo minha atenção virou-se para uma senhora com seus sessenta anos, mas com rosto de uma jovem risonha feliz por ver algo que somente ela podia vislumbrar, pelo jeito.

Ela estava com uma saia clara que chegava aos seus joelhos, usava blazer por cima de uma camisa estampada e, pasmem, um All-Star sujo. Logo me veio um pensamento engraçado: ela era tão desajustada quanto nós com aquele cabelo encaracolado.

E não estivesse ela acenando silenciosamente com um sorriso no rosto nos indicando que sentássemos, ninguém acreditaria que ela não seria alguém precisando de ajuda, mas a pessoa que estava disposta a nos ajudar.

Todos sentamos e pensei se eu não estaria surdo, pois tudo era silêncio, tanto ali dentro, tanto lá fora, do outro lado dos vitrais iluminados. Porém ao olhar para aquela senhora, que sentara-se na cadeira que indicava meio-dia no círculo, caso ele fosse um relógio, a vi rindo alegremente sem emitir som algum.

Talvez ela estivesse com algum desconforto, cólica, talvez gases, e não conseguia soltar aquele mal-estar para fora com um grito ou urro. Foi depois de alguns segundos que ela, ainda olhando para nós, finalmente falou algo, sempre mantendo os dentes visíveis para todos nós, gesticulando freneticamente.

"Olá, queridos! Uma boa tarde". Cada palavra era estranhamente enfatizada com um tremeluzir da úvula, dando a frase uma urgência que nos fazia parar e pensar em cada letra que fora dita em nossa direção.

"O que temos aqui?", perguntou, olhando para cada um de nós. "Piradinhos, não é?", ninguém falou nada. Implicitamente todos devem ter concordado com ela, pois ela confirmou com um gesto com a cabeça e uma fingida expressão de lamento, concluindo com uma risada que ecoou no salão e fizera um passarinho piar lá fora.

"Vocês são muito legais. Sabem por quê? Porque vocês, oh, aceitam tudo isso e não têm medo de serem rotulados como loucos! E são mesmo!"

O "e são mesmo" fora pronunciado com uma das mãos em forma de concha próxima a sua boca, como se fosse realmente um segredo aquela afirmação. No momento seguinte ela esperou alguém dizer algo, mas vendo que não obtivera nenhuma reação começou a vasculhar umas pastas e olhar para nós, como de praxe, tentando visualizar alguma expressão de supresa ou inquietação provocado por seu exercício de mexer em nossos documentos.

Ela riu.

"E esse daqui?", tirou uma das pastas e começou a analisar, olhando por cima da borda, sorrindo, esperando nosso susto. "Ah, esse é louquinho de pedra mesmo, pessoal! Atirou na própria mãe, vejam só".

Ela virou a pasta para nós, revelando uma foto de uma senhora de olhos fechados e sangue em suas têmporas. Ela fez com seu dedo um trajeto em seu rosto que ia de seu ouvido direito até a sua têmpora esquerda. "Atravessou e muito, não?".

Ela fez uma pausa e seus olhos repousaram em um homem com seus trinta e poucos anos. Todos começaram a olhar para ele, que respondeu com indiferença, dando de ombros.

"Seu Moreira", disse ela, para o tal cara, que mesmo aparentemente tão jovem, já era calvo e viera acompanhado por seu barrigão, "o que você acha, hein? O ângulo da foto ficou bom?".

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