O Homem da Pedra Grande

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Há muito tempo atrás, na época que tio Amaro andava a cavalo pelas bandas Paulistas ele parou em um ranchinho, apeou do cavalo lá pelo fim da tarde e pediu pousada ao dono da casa. O homem chamado Juvenal era muito religioso e vivia com a família em um lugar onde a vizinhança era afastada, ficando às vezes a uma légua de distância. Lá pelas tantas, na beira da fogueira, depois que as crianças foram deitar, eles começaram a contar causos estranhos e também muito antigos que foram passados de pai para filho, de filho para neto e etc.

Seu Juvenal contou um causo que arrepiou tio Amaro, pois ele também conhecia o lugar. Tinha ele ido a uma vendinha que ficava a umas duas léguas da casa para comprar mantimentos que a mulher dele tinha pedido.

Para se chegar na vendinha, como era chamado o comércio local, a maior parte dos habitantes da região tinha que passar por uma pequena mata fechada, chamada matagal do morto. O lugar tinha esse nome porque um morador antigo da região havia sido encontrado um dia morto naquelas bandas.

O povo dizia que o tal homem, que morava por lá, vivia mudando as marcas de posse das terras de lugar, vejam bem, disse Juvenal, naquele tempo as divisas das terras eram marcadas por grandes pedras, troncos de árvores caídas, riachos, córregos d'água ou outro ponto fácil de localizar. Um dia os vizinhos já desconfiados que ele estivesse trocando os marcos de lugar em benefício próprio, ficaram vigiando durante a noite, e pegaram o pobre tentando mudar uma pedra enorme de lugar.

O problema é que a pedra se encontrava em cima de um pequeno morrote e quando o homem tentou mover a pedra de lugar, alguém gritou de longe; "larga a pedra filho de uma mãe". O susto que ele levou foi tão grande que escorregou o pé na terra umidificada pelo sereno da madrugada. Para o azar dele, quando tentou se segurar em um pedaço de pau o homem arrancou um suporte de madeira que segurava a pedra e esta rolou em cima dele, matando na hora. Desde então as pessoas que moravam por aquele lugar passaram a ter medo de passar por lá à noite.

Mas Juvenal não se intimidou com aquilo, me contou ele, e resolveu ir a vendinha naquela tarde. Lá chegando encontrou outros rancheiros que moravam na região e por lá ficaram bebendo uma pinguinha e jogando umas prosas fora até o entardecer. Um dos homens, que era conhecido por João, se levantou e disse que estava na hora de ir embora para casa, porque ele tinha visto de outra feita um homem com uma pedra enorme na cabeça, que devia pesar muito e andava gritando "onde eu ponho,... onde eu ponho". Juvenal riu do outro homem e acabou indo embora com os outros.

Tio Amaro ficou com aquela historia na cabeça por muitos dias, depois dela logo se esqueceu. O tempo se passou e como o trabalho do cavaleiro leva para longe e sempre faz o retorno, um par de anos depois ele voltou àquelas paradas. Passando no final da tarde pela vendinha ele apeou do cavalo já cansado da viagem para beber um trago e prosear com o dono da venda por um tempo.

Conversa ia e conversa vinha, então tio Amaro disse ao dono da vendinha que estava pensando em depois ir pedir pousada na casa do Juvenal outra vez. Quando falou o que pretendia, o vendeiro fez uma cara triste e contou que umas semanas atrás o Juvenal tinha ido até lá comprar algumas coisas e tinha ficado bebendo umas pingas com um vizinho. A prosa boa, a pinga de qualidade e um torresmo delicioso, fez com que eles passassem da hora de ir embora para casa. O dono da vendinha pediu para que eles pousassem ali naquela noite, que tinham bebido bastante, mas eles não quiseram. Então já ruins os dois homens foram embora já de noite.

Contam que enquanto eles atravessavam a mata, escutaram passos rápidos atrás dele e quando se viraram um homem enorme estava perto deles, vestia uma camisa branca ensangüentada e levava na cabeça uma pedra enorme que nenhum homem, por mais forte que fosse, teria força de carregar. Os dois tomaram um susto enorme com a estranha figura e começaram a correr desesperados, pois só podia ser alma de outro mundo.

Corriam a toda, gritando pela trilha estreita do matagal, tropeçando nos capins altos, batendo os braços nos arbustos e galhos baixos das árvores, arfando e chorando. O medo era tanto que Juvenal acabou tropeçando em um galho quebrado na estrada e foi alcançado pela alma do outro mundo.

A coisa gritou outra vez: onde eu ponho? E de novo: onde eu ponho?

O vizinho disse que Juvenal falou bem alto: joga no chão besta infeliz. Como em um passe de mágica a alma penada olhou para Juvenal e disse: segura então pra mim que eu vou descansar. Nisso soltou a pedra em cima do pobre do Juvenal que mal conseguiu gritar de medo e de dor quando a pedra estraçalhou sua cabeça.

Tio Amaro contou que pousou aquela noite na casa do vendeiro e no outro dia passou na casa do Juvenal, deu os pêsames à viúva do pobre e foi embora para a cidade vizinha. Tempos depois soube que a viúva e os filhos dele haviam deixado o lugar para sempre.

Muitos anos depois, quando foi à fazenda de um amigo para uma festa de casamento, tio Amaro, já idoso, encontrou um dos filhos do vendeiro. Prosearam por muitas horas naquela tarde e noite.

Meu tio então perguntou ao rapaz se ele se lembrava daqueles causos que os antigos contavam, sobre a história do homem da pedra.

Para sua surpresa o rapaz ficou muito assustado e disse que aquele foi o motivo que a maioria dos rancheiros da região abandonaram o lugar, inclusive o próprio pai dele.

O rapaz contou que um dia à noitinha seu pai estava varrendo a porta da venda quando um homem com a cabeça deformada segurando uma pedra enorme nos ombros, perguntou em voz alta, quase aos gritos, a ele: onde eu ponho.

Meu pai tomou um susto enorme. Caiu sentado no chão e o mais rápido que pode se pôs em pé, correndo para dentro da casa. Ele tinha reconhecido a assombração, mesmo com a cabeça amassada. Era o Juvenal!

E muita gente jurava que tinha visto um homem carregando uma pedra grande nos ombros e perguntando a quem ousava passar à noite naquelas bandas: onde eu ponho?

Fim

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