Capítulo 1

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O mundo dá voltas

Não posso mais parar

É só correr atrás

Nem tudo mudou

Não quero mais pensar

No que ficou pra trás

E nada faz voltar... Faz voltar

Faz voltar

CPM 22

          Alice pode ser definida como uma garota esforçada, sempre se destacou na escola e no curso de direito. Uma garota simples que nasceu em uma pequena cidade litorânea, filha mais velha de Sr. Pedro e D. Marina, que tinham mais um filho, Arthur de 7 anos, ela e é a menina dos olhos dos pais. Por mais que ela tenha chegado onde ninguém sonharia que ela chegasse, as lembranças do seu passado sempre lhe traziam a memória de que nunca teria o que seu coração desejara.

            Alice acordou na manhã de segunda-feira e demorou a se lembrar onde estava, até que deu um pulo e com o coração acelerado praguejou seu celular por não ter despertado. Ótimo! Era tudo o que precisava no seu primeiro dia de trabalho. Apesar de seu chefe ser o Tio Roberto, ela não podia abusar de sua ajuda, ele já tinha feito demais, lembrando como sua vida deu uma revira volta nas últimas duas semanas, ela correu para o banheiro e sua mente começou a divagar nos últimos acontecimentos.

Duas semanas atrás...

        Numa manhã de domingo Alice sentiu cheiro de café e escutou vozes na cozinha e reconheceu a voz grave do sr. Roberto. Grande homem de coração puro, que a conhecia desde muito pequena, quando sua mãe trabalhava na casa de praia dele como governanta. Roberto Antunez é um advogado de renome, sócio minoritário da empresa F&A advocacia. Quando Alice chegou na cozinha ele a recebeu com um abraço apertado e encheu os olhos de lágrimas.

̶ Senti falta de vocês, e olha como essa menina está bonita, da última vez que a vi ela era uma menininha e agora é uma mulher, terminando a universidade.

̶ Ah tio Roberto nem tanto assim, faz o que, dois anos que não nós vemos? Alice ficou pensativa e encheu os olhos de lágrimas quando lembrou que estava prestes a fazer dois anos que Ricardo morreu e ela previa que o pai dele fosse visitar seu túmulo por esses dias. Ela continuou abraçada a Roberto, a quem carinhosamente chamava de tio desde que se entendia de gente. As lágrimas escorreram no seu rosto molhando a camisa dele, que disse:

̶  Não chore minha princesa, sei que essa visita é tão difícil pra você quanto é para mim. Mas não quero que você fique triste.

         Alice tinha evitado encontrar Roberto nas duas últimas vindas dele à cidade, ela não estava preparada para encontrá-lo. Mas dessa vez precisava abraçá-lo.

         ̶ Sua mãe estava me contando que você passou na OAB, sou tão orgulhoso de você. Quero que saiba que aquela proposta está de pé, na hora que você quiser, venha trabalhar comigo.

         Deixando as lembranças de lado se arrumou o melhor que pode para seu primeiro dia de trabalho, aquele era um dia difícil, fazia exatamente dois anos da morte dele, mas nem por um segundo ela se permitiu pensar nisso, e de modo automático, colocou um sorriso falso no rosto e partiu para a F&A advocacia.

          E ao colocar os pés na rua ela não conseguia compreender como as pessoas sobreviviam nessa cidade. Era muito barulho, muita gente, muitos prédios. Imediatamente ela sentiu saudades de casa, dos seus pais, da praia, do ar puro. Decidiu pegar um taxi, só para se familiarizar e não se atrasar ainda mais para o primeiro dia de trabalho. Já fazia quase uma semana que havia chegado, mas só deu tempo de organizar precariamente o apartamento, não tendo tempo de fazer o caminho para o trabalho previamente.

          Apesar de morar significativamente perto do trabalho passou 30 minutos presa no trânsito, ela conseguiu chegar não muito atrasada. Eram 8:10, só dez minutos a mais que horário em que Roberto disse que ela deveria comparecer ao 21º andar e procurar por Júlia Ferraz, secretária dele. Assim que o taxi dobrou a esquina ela reconheceu a fachada do prédio, o qual já havia procurado na internet. Ficou feliz ao constatar que não muito longe havia uma praça arborizada, em meio à tanto concreto, e fez um lembrete mental de ir lá ainda essa semana.

            Ao colocar os pés no hall do prédio, percebeu que não estava familiarizada com esse tipo de local de trabalho. Alice já tinha estagiado num escritório de pequenas causas na sua cidade, durante o terceiro ano do curso, mas nada se comparava a imponência daquele prédio.

            A F&A advocacia ocupava três andares de um prédio elegante no centro da cidade de pedra, nome que ela decidiu que se enquadrava melhor com o seu novo “lar”. Achando que seu dia não podia ficar pior, assim que entrou no elevador seu deu conta que ele era panorâmico e não ia ser fácil para ela que morria de medo de altura. Se espremendo até o fundo da “caixa de lata”, lembrou de como seu pai chamava elevador o que a fez rir e relaxar um pouco. O que ela não imaginava é que o maldito elevador ia travar no 18º andar e se recusaria a fechar as portas. O que a obrigou a continuar seu caminho pelas escadas.

         Esbaforida, Alice correu para as escadas e ainda não tinha chegado no 20º andar e já estava pingando de suor, praguejou alto os saltos que tinha escolhido e teve a genial ideia de tirá-los para continuar seu trajeto mais rapidamente, ao se levantar com os saltos em uma mão e a bolsa na outra, bateu de frente com um homem alto que vinha descendo a escada correndo e não a viu curvada no pé da escada. O homem caiu em cima de Alice e ela passou alguns segundos desorientada, até que escutou uma voz praguejando alto:

         ̶  Que merda foi essa? Você tá cega? O que porra estava fazendo aí em baixo?

         Ela se levantou na defensiva, e gritou quando percebeu que seu pé direito doía.

         ̶  Merda! Só faltava isso. Disse ela.

         Ele se levantou e só aí perguntou:  ̶  Você está bem? Se machucou?

         Alice se recusou a responder, e encarando-o, pegou seus saltos, sua bolsa, secou os olhos cheios de lágrimas de vergonha e dor e continuou seu caminho escada acima, mancando. Andou poucos degraus quando sentiu uma mão no seu ombro, olhou para trás com a cara mais rude que poderia, colocou a mão na cintura e falou um pouco alto   ̶  Olhe, me desculpe não tive a intenção de ficar no seu caminho, meu dia não começou bem, já estou atrasada  para o meu primeiro dia de trabalho e não estou nem um pouco afim de escutar mais alguma grosseira.

     O cara fez ficou surpreso e quando conseguiu formular alguma palavra Alice já tinha desaparecido da sua frente.

Enquanto houver razõesOnde histórias criam vida. Descubra agora