01 - A Notícia

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Fecho os olhos e respiro fundo, tentando controlar o latejar incessante nas têmporas e fazer com que os neurônios funcionem minimamente ordenados na tempestade de raiva que se forma na minha cabeça.

É simplesmente vergonhoso ver o quanto falta um pouco de humanidade — e um bocado de vergonha na cara — no mundo dos negócios. Afinal, a Fórmula 1 vai muito além de apenas pilotos se digladiando na pista em busca de troféus. A F1 é, acima de tudo, um grande negócio. Negócio de gente grande, graúda. Negócio em que bilhões de dólares estão envolvidos, diga-se de passagem. Quem não joga bem o jogo das cadeiras, ano após ano, pode ficar de fora para sempre.

A caneta na minha mão já está à beira de pedir socorro de tanto que eu aperto e solto o botão em seu topo, e por alguns segundos o seu estalido repetido e enervante é tudo que se ouve no escritório. Agora um pouco mais calma, abro novamente os olhos e encontro Steve sentado do outro lado da sua ampla mesa de mogno, as sobrancelhas arqueadas e os dedos tamborilando sobre o móvel, à espera de um comentário meu.

Estamos juntos há mais de seis anos, Steve e eu. Eu tinha apenas dezoito anos e mal havia saído debaixo das asas protetoras de meu pai, Adrien Delacaux, quando começamos a namorar. Steve, com vinte e sete anos, já era diretor financeiro da Scuderia Delacaux e, além de mais velho, era mais experiente e muito mais encantador que os garotos da minha idade. Além de ser muito querido por meu pai. Lindo, bem-sucedido ainda tão novo, considerado por muitos como sucessor de meu pai na empresa, como não se encantar por alguém assim? Hoje, no entanto, estou com vontade de dar-lhe uns bofetes.

— Vocês não levam em consideração que ele sofreu um acidente? — digo, incrédula.

— Você sabe que as coisas não são assim tão simples — ele me responde com a voz mansa.

— E levar em consideração que ele é meu irmão? Que ele é seu cunhado, que é família? Pelo amor de Deus... — reviro os olhos.

— Querida, nós perdemos milhões de dólares com o fiasco da última temporada — ele se joga para trás em sua confortável cadeira de escritório, cruzando as pernas. — Eu sei que Michael é seu irmão, mas não podemos nos dar ao luxo de perder mais corridas esse ano. Tenho certeza de que ele entende isso. Afinal, ele é família — ele diz, enfatizando bem a última palavra. — Não acho que ele iria querer que tivéssemos prejuízos. A Delacaux precisa sempre correr com o melhor.

— E o melhor é Henry Montgomery? Sério mesmo? — indago, arregalando os olhos, meu coração batendo acelerado de medo de ouvir a resposta.

— Não seja ingênua, Sophie, você sabe que Montgomery é implacável. O contrato dele com a Etnus estava para ser renovado, várias outras equipes o rondando como urubus... Não poderíamos perder a chance de contratá-lo.

— Oh, pelo amor de Deus... — reviro os olhos, sem conseguir conter a insatisfação.

— Qual o problema, Soph? — Steve aperta os lábios, quase sem paciência.

A qualquer momento alguma artéria do meu coração irá obstruir e eu vou morrer infartada, é só esperar.

— O problema? Quer saber quais são os problemas, no plural? — levanto da cadeira, sacudindo as mãos. — Primeiro, Michael ganhou quatro campeonatos seguidos pela Delacaux, e só porque ele tem uma única temporada ruim vocês não o renovam, como se ele nunca tivesse feito nada de bom para o time? Segundo, o motivo para Michael não ter ido bem na temporada passada é que ele sofreu um acidente, não sei se você lembra, causado pelo mesmo Montgomery em questão. Terceiro, o cara é o maior filho da puta que eu já conheci! Ele é um moleque irresponsável que vai deixar essa escuderia de cabeça para baixo!

O Grande Prêmio (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora