Roses

31 4 0
                                    

Lembrem-se:

Nem tudo são flores.

Enjoy!

---------------------------------------------

"Os livros são objetos transcendentes", escreve Caetano Veloso. O poeta tem razão. Eles trazem a ficção e realidade, exercitam o pensamento, provocam emoções. Distribuídos pela casa, pontuam fases da vida e, por isso mesmo, tem lá seu perfume. É bom sentir o cheiro inaugural de um exemplar novinho em folha se evolar à medida que a mensagem do autor progride. Fica quase possível sentir o odor da tinta usada na impressão. Pode despertar o aroma de tempos mais ingênuos. Sensações como essas, só com a viagem mágica e individual proporcionada pela leitura.

Era exatamente isto que Lauren havia escrito, depois de passar dias  sem inspiração alguma, conseguiu finalmente colocar ideias no papel. Se lembrou de cada momento bom feito no dia anterior, se lembrou de cada palavra dita, cada olhar, o barulho das ondas do mar se chocando em pedras ali mais perto, a sua respiração descompassada, por fim, se lembrou de Camila, ela era a causa para todas aquelas sensações antes desconhecidas por Lauren.

Escrever sobre livros havia virado uma metáfora para pessoas, estas que são como livros, fechados ou abertos, grandes ou pequenos, que mais uma vez, não devem ser julgados pela capa.

Perto dali, Camila resolveu dar um passeio, não costumava ser algo fora de seu cotidiano sair por aí pedalando, mas neste dia em especial, errou a esquina e se encontrou numa rua sem saída. No lugar onde deveria ficar a entrada para outras ruas, se encontrava um muro, cheio de folhas, e também de rosas.

Sem sequer poder piscar, Camila desceu desajeitadamente de sua bicicleta com os olhos fixos nas rosas, havia tanto tempo desde que não as via. A verdade é que Camila reconhecia aquele lugar, achava que estava perdido, que nunca mais o acharia, mas por um traço errado do destino acabou por chegar ao lugar certo.

A latina costumava sentar ali, naquela calçada, e desenhar o roseiral que se instalava ali, por vezes trazia amigos e até seu primeiro amor. Quando mais jovem, seu coração foi quebrado e sentia-se como uma rosa murchando, tentou apagar todos os caminhos que a levavam até aquele lugar, e conseguiu, apagou também quem havia quebrado seu coração, achou que seria tão fácil.

Camila estava preparada para sentir toda sua dor e magoa voltando, mas ao invés disso, apenas se aproximou mais fascinada de todas aquelas rosas e pensou em Lauren, se deixou devanear ao mesmo tempo que observava ao seu redor, as casas continuavam as mesmas, algumas brancas, outras verdes, umas altas, outras pequenas. O muro que antes era visível aos seus olhos, agora era coberto por verde, muitas folhas e ramos, ali no chão, onde as rosas costumavam ficar, já não havia mais nada, sequer uma plantinha para contar sua história. Mas as rosas continuavam ali, agora surgindo do muro, Camila não entendia aquilo, em sua mente, alguém cuidará daquele lugar desde criança, cuidará para que ela pudesse o reencontrar.

Finalmente se aproximou o suficiente do muro, sentiu o frescor levemente adocicado da fragrância com que as rosas presenteiam o mundo. Sentiu-se feliz, mesmo que não pudesse tocá-la, com medo de que alguém pudesse aparecer e a expulsar dali, sentiu mesmo de longe, o cheirinho suave manifestado pelas pétalas coloridas e bem desenhadas. Como se estivesse num canteiro particular, Camila mais uma vez entrou em contato com a natureza, nada faltava ali, e mesmo assim, sentiu falta de algo, ou melhor, de alguém.

Em passos desordenados e quase caindo, Camila chegou até sua bicicleta tombada e procurou sua mochila, não se importava com o fato de que era só mais uma Sexta feira normal, aquela com certeza não seria, ela não deixaria ser.

Com as mãos trêmulas arrancou seu celular do bolso dianteiro da mochila a jogando no chão novamente. Não conseguia tirar os olhos das rosas, ela não poderia, seria como um pecado capital, tirar os olhos de coisas tão belas a ponto de lembrarem alguém.

Apressou seus passos quase caindo, sentiu novamente a sensação embriagante que as rosas a proporcionavam, em um rápido olhar para a tela do celular percebeu inúmeras mensagens de sua melhor amiga, não seria tão urgente, deslizou o dedo na tela e finalmente posicionou em frente aos seus olhos, mas ainda sim continuou vendo as rosas, tiraria uma foto.

Tiraria, no passado. Um acaso a fez  fraquejar ao ir com o dedo em direção ao botão que lhe daria a memória das rosas para sempre, seu celular estava tocando.

- A-alô? - Tentou soar o mais consciente possível.

- Camila! - A voz do outro lado da linha era suplicante. - Você precisa vir aqui, agora!

- Lauren? - Camila franziu o cenho ao constatar que a garota se encontrava com uma voz de choro.

- Por favor, Camila! - Suspirou do outro lado da linha. - É muito importante, por favor. - Sussurrou.

- Tudo bem, tudo bem! Onde você está? - Disse recuando mantendo seu olhar no chão, tentando encontrar sua bicicleta.

- No hospital veterinário.

Camila sentiu como se mais uma vez, seu coração tivesse murchado, dilacerado, mas mesmo assim continuava batendo aceleradamente.

- Me diz o que aconteceu, Lauren. - Falou séria enquanto levantava sua bicicleta e ajeitava sua mochila nas costas.

- Só venha aqui, eu preciso de você. - Lauren se deixou chorar ao outro lado da linha.

- Laur... - A ligação foi terminada.

Camila se permitiu dar uma última olhada naquele lugar, subiu em sua bicicleta, mas ao invés de ir em direção à saída da rua, pedalou até o muro novamente.

Desceu de sua bicicleta, dessa vez com delicadeza, e se deixou tocar numa rosa, com cuidado para não se espetar, sentiu o caule fino e delicado, apertou seus dedos ali e puxou. Camila havia roubado uma rosa.

Com os olhos arregalados e seu coração batendo forte, apenas subiu em sua bicicleta e guardou a pequena flor em sua mochila, a deixando um pouco aberta.

Pedalou para longe dali, não queria mais ver aquele lugar, nem ter a ilusão de que tudo ficaria bem um dia, não fazia ideia do que havia acontecido, mas com certeza não era algo bom. Pedalou para longe de seus problemas, mas sabia que estava indo se encontrar com a causadora deles.

Ela havia mesmo roubado uma rosa.

---------------------------------------------

Como estão?

Roses significa Rosas em havaiano, meio óbvio.

Nos vemos.

The Sky Above UsOnde histórias criam vida. Descubra agora