O Grupo

86 11 77
                                    

— Cara, você está estranho hoje. Melhor dizendo, mais estranho que o comum.

Diz Sanchez me dando uma cutucada com o cotovelo.

Não respondo, continuo perdido em meus pensamentos enquanto bato repetidas vezes a tampa da caneta na mesa, pensava a respeito de Julia, mas ainda mais na Catedral. Lembrava-se das poucas vezes que fora a igreja quando criança, minha mãe sempre sozinha, já que, meu Pai só conhecia o caminho dos lugares que continham álcool. Levantava cedo no domingo para começar os preparativos da missa, ela adorava ajudar na igreja. Mas eu não entendia muito bem o porquê de toda aquela animação, nunca tivera sido "tocado" ou recebido a unção de Deus como comumente escutava nos cultos católicos.

Não teria motivo para voltar depois de tanto tempo a este ambiente. As pessoas me olhavam com desconfiança, não se sentia enquadrado, às vezes, achava que tinham um rastreador para detectar quem não pertencia aquele lugar, mas e se as coisas mudaram? Talvez devesse tentar.

— Cara, o que está acontecendo?

Insistiu Sanchez agora sacudindo o meu braço.

— Não é nada. Acho que já vou indo embora.

Disse a ele com um tom de voz neutro e sem nenhuma vida.

— Que?? Ir embora? São duas horas da tarde Dany! Você está bem mesmo?

Percebo que Sanchez começa a ficar apreensivo com a atitude, desde que cheguei a agência, ele era a única pessoa que eu realmente gostava de conversar. Acostumado a trabalhar muito desde pequeno, ele sempre fez muito para conquistar na vida.

Quem conversava com ele agora não diria que perdeu a mãe e o pai ainda quando criança, que passou todos os primeiros anos da vida num orfanato, casou-se e perdeu seu filho no nascimento. A vida entregava pedras para ele, e não era por causa disto que perdia a alegria de viver.

Recolho minhas coisas, desligo o computador, pego a chave do carro e coloco no bolso direito da calça.

— Nos vemos amanhã — Digo ao Sanchez.

Imagino que Sanchez pense em vir atrás de mim, entretanto, também sei que ele me conhece e sabia que às vezes precise de um pouco de espaço e ar fresco. Não era inconsequente, raras vezes faltava ao trabalho ou saia mais cedo, preferia ficar com a ideia de que amanhã estaria me sentindo melhor.

Odeio quando isto acontece, sentir raiva de si mesmo, de quem é, eu não sei o que pensar, mas, conheço o motivo disto. Não lembrar de nada do seu passado é assustador, você não sabe quem foi, ou o que fez, sabe apenas que chegou até aqui.

Não me lembro do rosto de meus pais, amigos, das ruas onde nasci, e nem se quer como era. Não tenho fotos, diários, nem documentos, sei de meu nome, apenas, por causa de uma carta escrita por minha mãe quando tinha dez anos de idade, a encontrei no bolso da minha calça, que me entregaram assim que recebi alta do hospital aqui desta cidade, que foi onde eu considerei meu nascimento, antes disto, nada, nenhuma lembrança.

Vagas são as cenas que ainda me lembro com muito esforço, tenho imagens gravadas na mente da igreja que minha mãe frequentava, mas não lembro do rosto dela, lembro-me do meu pai chegando bêbado em casa, mas não do seu porte físico, nem sei ao certo se estes lapsos de memória podem ser confiáveis.

Li a carta diversas vezes, gosto de repeti-la na cabeça, me faz sentir-se confortável, é o único laço que tenho com que fui.

"Meu filho,

Daniel Larsson, eu sempre soube que você seria a coisa mais importante na minha vida, olhando você dormindo aqui, tão jovem, dez anos de idade, toda a vida pela frente, me faz querer viver eternamente para protege-lo. Mas Deus sabe que o mundo é injusto com todos, viemos aqui para sofrer meu filho, igual ao nosso salvador, que por nós, derramou seu precioso sangue. Eu não sei quando, mas sei que chegará o dia em que você irá partir, você mesmo já disse isto naquele jantar. Parte meu coração ter que falar essas palavras, mas sinto dentro de mim que você não me pertence filhinho, você é diferente, e tudo o que posso fazer neste instante é orar para que Deus guie seu caminho, não esqueça dele e nem da sua mãe Dany.

O Homem e a CaixaOnde histórias criam vida. Descubra agora