"Ajuda"

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Quando estregamos o trabalho para Luana, ficamos esperando algum comentário, mas ela apenas pegou as folhas e saiu da sala. Nos entreolhamos, estranhando a reação da professora e demos de ombros.

Não éramos amigos, não ousei puxar assunto com Jessica e muito menos me aproximar de sua turminha. Continuei a andar apenas com Fábio, que ficou impressionado quando contei como as coisas tinham acontecido. Esperei a avaliação da professora. A garota continuava despreocupada, enquanto eu estava ansioso, principalmente se aquela nota baixa fosse para o meu boletim. Eu ia me ferrar.

No dia seguinte, Luana nos chamou até sua mesa. Naquele momento, percebi duas coisas; todos naquela sala estavam ansiosos para saber o que a professora diria e eu não me sentia mais um idiota na presença de Jessica, pelo menos não naquele momento.

— Tenho que reconhecer. O trabalho ficou muito bom e está bem escrito. Reconheci vocês dois na escrita e vejo que valeu a penas insistir. Esqueçam a nota anterior. Você ficaram com 10.

— Obrigado. – Agradeci, mais como uma forma de amenizar o clima do que de gratidão mesmo. A nota foi justa e ser obrigado a fazer um trabalho em dupla, com uma pessoa que não quer colaborar não é bem algo que valha a pena insistir, na minha opinião.

A garota assentiu e voltou ao seu lugar. Eu fiz o mesmo. Empolgada com o resultado dos trabalhos em dupla, Luana continuou a passar mais. Por sorte, Jessica não se importou mais em colaborar, desde que eu não tentasse fazer o papel de "amigo", deixando claro que era cada um em seu devido lugar.

No fim, ela tinha uma "imagem" a preservar e eu não combinava com essa imagem. Até hoje não entendo qual a necessidade que temos em querer ser aceitos em grupos, mesmo tendo que mostrar ser quem não somos. Experimentei dessa necessidade, mas não a compreendi na época e hoje muito menos.

Os dias passaram e os trabalhos que tínhamos que fazer eram simples, por causa da sintonia, ou para não arriscar ter mais um em seu pé, Jessica decidiu que qualquer outro trabalho em dupla, ela me manteria como parceiro. Não reclamei, só não gostei de não ser consultado. Ela era mandona e se sentia bem assim.

Fui à casa dela outras vezes, mas não demorava mais que uma hora lá. Confiávamos um no outro para deixar que cada um fizesse sua parte sem ter que perguntar todos os detalhes e só nos reuníamos para finalizar.

Com o tempo, fui conhecendo uma garota decidida e gentil. Ainda me surpreendia quando a via sorrir. Também fui percebendo que ela fazia o que queria. Seus pais ficavam pouco em casa e Jessica se aproveitava disso para sair, namorar e fazer o que mais tivesse vontade. Cresci confinado em um condomínio e vigiado por porteiros e síndicos. Meus pais também não ficavam muito tempo em casa. A liberdade eu só fui sentir na época em que nos mudamos.

Também me aproveitei da situação, principalmente para ir à casa de Fábio jogar videogame. Era um nerd assumido e não me importava muito com isso. Não vivia rodeado de amigos e nem recebia atenção excessiva na escola. Meus privilégios eram com os professores e disso eu gostava, até porque, sempre fiz por merecer votos de confiança e os usava apenas quando era necessário...

Jessica, apesar de seu jeito difícil, também tinha privilégios. Uma coisa que percebi com os anos de estudo, é que os professores sempre enxergam além do aluno e tem a capacidade de perceber quem merece votos de confiança.

Eu não podia reclamar de como as coisas estavam acontecendo. Estava satisfeito com minha posição na escola e não pretendia tentar mudá-la, não recebia tanta atenção, incluindo a dos valentões, que sempre passavam reto por mim e meu amigo. Éramos invisíveis.

Tínhamos mais um trabalho em dupla e combinamos de nos encontrar depois da aula na casa dela. Não havia mais um clima estranho quando estávamos juntos, conversávamos normalmente, mesmo sentindo coisas por ela.

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