O PLANTAR DA ROSA

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Eu cresci com meus avós paternos.
Fui uma gravidez indesejada, minha mãe nunca simpatizou comigo, me espreitando pelos cantos, observando o erro dela com desdém. Isso foi o começo de tudo.

  Minha avó era uma fanática religiosa, por palavras dela, tudo se resolvia com o poder da unção, e ela ficaria na porta dos céus ajudando Deus a julgar quem deveria entrar para seu glorioso reino, "andar nas estradas de ouro". As "pinturas" eram perversidade e andar com os ombros para fora causaria pensamentos impuros.
    
Meu avô, meu herói, considerado um louco, fumava cachimbo e bebia whisky. Suas unhas eram manchadas de preto, era um artista. A lembrança que eu tenho dele era sempre estar com um cachimbo encaixado ao lado esquerdo da boca, pintando quadros imensos. Cadernos e cadernos de desenhos a carvão. Ele acordava todos os dias as 5 da manhã, tomava uma dose, fumava o primeiro do dia e se sentava na poltrona da sala, colocava Mozart no toca fitas. Foi o dia que eu ouvi minha primeira música clássica, meu avô estava sentado com o cachimbo na boca, a dose em sua mão, ele tinha cara de dor. O sol estava nascendo, no toca fitas Requiem tocava, eu usava uma camisola rosa e comprida, eu sentei aos pés do meu avô, ele alisou minha cabeça e sorriu com dor no olhar, logo em seguida a música entrou em mim, minha coluna arrepiou, cada pelo do me corpo arrepiou também, e eu não me lembro o porquê, mas chorava, um choro verdadeiro, um choro com vontade, com o drama de um filme. Ali começava minha paixão pela música.

      Eu nunca entendi o porquê, mas meu avô não era repreendido pela minha avó. Até que em uma madrugada, eu o vi sufocando minha vó com o travesseiro.      Eu não entendi. Gritei. Subi em uma árvore, logo em seguida minha avó veio me alisar: "Famílias tem segredos minha filha, seu avô e eu te amamos muito, mas ninguém pode saber o que aconteceu com a vovó, seu avô não faz mal a ninguém, Deus a abençoe". Ficou claro, minha avó repreendia meu avô, mas não em público, as investidas dela eram agressivas, viviam de aparências. Eu com 7 anos tinha uma tremenda maturidade, já sabia dos subornos e das falsidades.
      Meu avô era encarregado de orquestra, tocava flauta transversal, tudo que eu tenho de qualidade humana ele que me deu. Me ensinou a desenhar e a tocar. Meu avô é russo, isso explica muita coisa, seu alcoolismo, ser fumante. Ele viu a guerra. Seu pai também sofria a mesma loucura, ele me contou uma vez que, quando criança, seu pai apontou uma espingarda para seu rosto, e disse: "pinte o vermelho do seu sangue agora moleque". Meu avô não é louco, pelo menos ao meu olhar, eu conheço quem são.

   Eu via meus pais uma vez no mês. Meu pai me abraçava muito, me enchia de beijos e me dava bonecas. Mas eu nunca gostei de bonecas. Eu queria meu pé no chão, eu queria subir em árvores, matar passarinhos, queria ao fim de tarde ler sentada ao lado de meu avô. Eu era pequena mas mal sabia o quanto era grande. Minha mãe me olhava com olhar de desaprovação, corrigia minha roupa, falava "oi" apenas. Esses dias do mês eram os piores, eu queria ir embora, o mais rápido possível. A casa da minha mãe era imunda, ratos em todos os cantos e baratas dentro dos copos. Meu pai tocava saxofone e fumava muito. As coisas dele eram resumindas com aquele sax e as bitucas de baseado, e é claro as suas olheiras.

  Outro dia a polícia estava quando eu voltei para casa da vovó, ela sangrava no pescoço, e dizia com força para a autoridade maior: "Não foi nada! Vá correr atrás de algum bandido seu inútil!". E tinha muita gente envolta, os vizinhos viram meu avô tampando a boca dela com uma mão e passando a faca em seu pescoço com a outra.
  Eu não o culpo de maneira alguma, nessa época ele tinha total coerência do que ele fazia, não estava doente como hoje.

A Colina Da Pequena RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora