Eu estava dormindo, meu pai arrombou a porta, me pegou pelo colo e me levou ao médico. Eu tomei alguns pontos, e um pouco de souro, eu não comia a três dias. Em casa, minha vó me esperava, ela me colocou sentada em um banco pequeno e me esfregou com extrema delicadeza,
eu estava mole. Um zumbi. Só existia carcaça. A minha alma tinha se perdido no espelho, ou tinha sido esquecida no banheiro. Eu realmente não pensava, elevei minha cabeça e vi o rosto da minha vó enquanto ela esfregava meus cabelos, ela chorava e cochichava o nome de Deus. Justamente quando eu pensei que seria impossível chorar mais alguma coisa, caiu mais algumas lágrimas leves, não pesadas como as do início. Eu acredito que cada lágrima que deixamos cair é um pedacinho da nossa alma, a minha estava leve, sem forças, a do começo eram lágrimas de infância, lágrimas de anos contidas.Ela me enxugou, me colocou uma roupa e me sentou no sofá do lado do meu avô, eu realmente sentiria vergonha de ser banhada pela minha avó, mas naquele momento nada mais me envergonhava, nada fazia sentido. Eu olhei para meu avô, ele estava com os olhos azuis vermelhos e passava a mão no bigode, ele olhou para mim e balançou a cabeça como sinal de reprovação. Minha avó chegou com um prato de canja e começou a me dar, realmente não tinha gosto. Eu gostaria de me mover, eu gostaria de pegar acolher das mãos dela e poder cuidar de mim mesma. Mas parecia impossível, a atmosfera parecia estar pesada, eu parecia estar congelada.
Logo em seguida minha mãe chegou gritando: "Vocês tem é que internar essa maluca! Vocês cuidam dela como se ela fosse uma criança! Vocês mimam ela! Maldito foi o dia que eu coloquei essa desgraça na minha vida!". Então meu pai tampou a boca dela e foi a contendo, lá fora de casa eles conversavam gritando, eu conseguia ouvir tudo, meu pai disse para minha mãe que ele tinha arranjado uma amante, e que ele não a amava mais. E então voltou para dentro e pegou a suas malas, eu conseguia ouvir minha mãe gritando, chorando, implorando para que o meu pai ficasse. Logo depois ele saiu. Minha mãe entrou chorando em casa, gritou para meus avós saírem da casa dela imediatamente. Então minha avó recolheu os talheres e os colocou na pia que no caso já não estava vazia, voltou me deu um beijo e saiu, meu avô tirou de debaixo do casaco um livro antigo e na capa dele estava escrito romances de Voltaire, ele sabia que eu sempre gostei de filosofia, e então ele me disse "mente vazia é oficina do Satanás pequena".
Assim que eles saíram minha mãe começou a gritar palavrões, me chamava de ridícula, horrível, dizia que que todos esses anos que eu estive fora ela já tinha arrumado sua vida, tinha uma filha nova, no caso minha irmã que era tratada com delicadeza, ela tinha um marido, e eu tinha voltado para estragar tudo, ela gritava, gritava, gritava, o dedo dela batia na minha cara, ela cuspia, os olhos dela eram cor de mel mas estavam vermelhos. Logo depois ela calou a boca e se sentou, eu me levantei e me sentei no meu quarto, ela deu um telefonema e saiu com o carro, minha irmã chorava eu a abracei com força, arranjei uma folha e a mandei desenhar. Eu olhei para os lados, e pensei: "Como eu posso colocar um fim nisso?". Eu fui a cozinha e tinha uma garrafa de água sanitária, eu a bebi, logo depois comecei a vomitar muito. A água sanitária corroia meu estômago, eu podia sentir, a dor era imensa, mas não foi o bastante. Eu me tranquei e aquilo fui em dias, dificilmente eu comia, dificilmente eu bebia, minha carcaça não precisava de mais que aquilo. Quando eu comia eu vomitava, as vezes proposital, outras por nervoso, toda aquela gordura no meu corpo me deixava irada, hoje eu vejo que eu nem era gorda, eu procurava um motivo para dar sustenção a minha dor.
Eu tinha depressão, fui encaminhada à psiquiatras e diagnósticada com bipolaridade, eu odiava aquilo tudo. Remédios o dia todo, todo o tempo, para dormir, para ficar acordada, antidepressivos. Em minha cabeça era coisa para doentes mentais, e talvez eu era uma, mas não aceitava. Eu estava segura, meu colchão me abraçava, as paredes me ouviam caladas, ninguém me julgava, as vezes vinha um solo de violino que me fazia arrepiar, mas não chorava mais, não tinha forças para isso. Minha mãe trabalhava o dia todo, de noite saia para bares, voltava bêbada de madrugada.
Minha mãe não daria o divórcio tão facilmente para meu pai, foi quando em uma visita o meu pai disse que iriamos passear, e fomos levadas para outro estado. Meu pai disse para minha mãe que só nos devolveria caso ela pagasse tal quantia e desse o carro e mais algumas coisas. Foi quando minha mãe apenas disse: "Devolva minha filha, só a Isabella, a outra fica para você, ela não é sangue do meu sangue, apenas devolva a minha filha."
Após um mês lá, minha mãe disse que pagaria a quantia desejada pelo meu pai, como minha cidade é pequena, todo mundo sabia sobre a vida de todo mundo, agora além de ser conhecida por conta das páginas e também como a "garota sequestrada pelo pai". Chegando em minha casa minha mãe olhou em meus olhos e disse: "Eu te perdôo". A dúvida me tomou por inteiro, perdôa pelo que meu Deus? Não fazia a mínima idéia, na cabeça de minha mãe eu era a causa, eu tinha a culpa.
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A Colina Da Pequena Rosa
RandomEra uma rosa qualquer Uma que conta sua história Você vai conhecer suas pétalas, mas vai também conhecer seus espinhos