O NASCER DA ROSA

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O tempo passou. Meus avós não conseguiram me manter. Tive que voltar para a mamãe. Eu tinha 10 anos, a vovó sentou ao meu lado e começou a me contar:
    - "Sua mãe mais seu pai são dois cachorros, sua mãe principalmente, e devo te alertar que ela não deu você para mim atoa. Sua mãe sempre foi uma porca. Você usava fraldas de pano, ratos e baratas passavam em você. Você tinha pus e várias infecções em sua virilia, você chorava imensamente. A noite eu ouvia o bater de portas e subia no muro para ver o que acontecia, ela te arrastava pelos cabelos minha filha, te espancava com apenas 5 anos. Eu te levei a polícia, e então ela deu você para mim. Logo depois ela se separou do seu pai pelo mesmo motivo, mas no outro dia ele estava de volta. Ela já tinha feio a cabeça dele minha filha, o caminhão de mudança foi embora, você ficou para mim."

  Eu estava chocada, então era simplesmente por isso que eu não tinha mãe como as outras crianças, minha mãe não me queria. Meu avô pegou as minhas poucas malas, me colocou no carro e me levou para lá. Chegando lá, eu fui para meu quarto, um colchão no chão e uma cômoda para minhas coisas. Para mim estava tudo bem, não era como o perfeccionismo da vovó. Na verdade era bem diferente. Muita sujeira nos banheiros, na pia da cozinha, em tudo. Claramente me mudei de escola, nunca tive amigos, minhas notas eram ótimas, fui alfabetizada pelo meu avô, na escola eu via a diferença entre mim e as meninas... No cabelo, no corpo, na chamada "pintura". Me surgia a vaidade.

Com 12 anos eu tinha alguns relacionamentos, nada saudáveis no caso, foi um lindo dia! Com uma postagem inocente em meu Facebook, uma pessoa qualquer comentou "linda", ele tinha namorada. Ela marcou todos em minhas fotos, fizeram páginas no Facebook, grupos, tudo por ciúmes, ou eu era ridícula demais para ver, eu não entendi... Na verdade eu não dei a mínima. No outro dia meu pai disse: "você tem certeza que quer ir? Mesmo depois disso tudo?". Eu disse "claro pai porque não?" Ele se despediu e disse que era para mim voltar sozinha a pé. Entrei para a aula e tudo estava bem.

Todos olhavam, todos cochichavam, todos  riam, eu não entendia, na realidade até hoje eu não entendo. Na saída da aula foram me empurrando para o banheiro. A namorada do menino me deu um tapa na cara e me agarrou pelo cabelo, ela foi me abaixando para o chão bem devagar, até quando ela me empurrou com força e eu bati a boca e ela começou a sangrar. Deitada no chão, uma pisou na minha mão, era em torno de 5 meninas, uma segurava meus braços, outra minhas pernas, enquanto as outras duas me batiam. Quando elas acabaram sua linda obra de arte, a vadia pegou meu celular e o quebrou, cuspiu em  meu rosto, eu fiquei lá deitada, por uns quinze minutos, sem movimento, eu não entendia, eu realmente não entendi, na verdade não doía, eu só não tinha noção.
Enquanto eu estava deitada eu me lembrei de quando eu era mais nova, os meus surtos por conta dos trovões. Foi quando a cantineira entrou e me perguntou se estava tudo bem, eu simplesmente balancei a cabeça e me levantei  e sai correndo pois estava atrasada.

     Em casa meus pais brigavam, minha mãe dizia que era só uma birra minha, meu pai estava preocupado, eu disse que tinham roubado meu celular por isso da demora, então entrei para o banheiro, apática, sem movimento, então tirei minha roupa, e vi no meu corpo, as unhas, as marcas, e doeu, muito, eu mal conseguia mover meus braços para me lavar, doía tanto. Eu chorei, o verdadeiro choro de dor física e mental. Sai do banho, no meu quarto tinha um espelho, eu olhei diretamente para meu corpo e então pensei "é claro com um corpo desses, sendo uma pessoa dessas". Comecei tocar minha flauta, tranquei a porta e coloquei o som no máximo era Requiem novamente, me lembrei do meu avô, da minha vida toda, e me perguntava porquê eu era assim. Eu esbarrei no espelho e ele se quebrou em mim, minha flauta se quebrou, os cacos me cortaram, e eu chorava com a minha alma, o meu pai batia com toda sua força na porta, eu conseguia escutar os gritos, mas eu fiquei deitada chorando...
     Exclui todas as minhas redes sociais, eu não comia, eu não dormia, eu perdia aulas e aulas. Era engraçado, meus olhos inchados no meio do sangue, a imagem era quase impossível de se ver. O espelho estava no chão, era fácil me ver, eu via minha alma, eu via meu espírito, eu via a minha dor, eu me via ao fim, eu via meus cacos a beira de outros, mesmo sendo criança, a dor era tão grande.

A Colina Da Pequena RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora