O Pianista

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Tudo começou sete anos atrás, ao seus 33. Um dia que lhe ocasionou a melhor coisa que poderia acontecer. Seu filho nascia com três quilos e meio. Lembra de segurá-lo no colo e dizer que o cuidaria e amaria até o fim de sua vida. Esperava que a mãe do garoto fizesse o mesmo, mas o tempo demonstrou o contrário.

Após o primeiro ano de vida a mulher sumiu para nunca mais voltar, sem deixar recado, sem dizer aonde iria, sem dizer adeus.

Hoje ele ainda cumpre a promessa de cuidar do filho, mora junto com os pais, os quais ainda não se conformam do que a mãe foi capaz de fazer, mas cuidam do garoto com todo amor.

Sorte que nasceu a cara do pai, no entanto em personalidade se mostravam distintos, enquanto o filho amava futebol, tanto que sonhava em ser jogador, o pai não entendia nada de futebol e preferia a música, e seu sonho era voltado à isso.

Antes do filho nascer tocava piano, era bom naquilo, tinha colegas que tocavam em conjunto, infelizmente teve de parar, arranjar um emprego que desse dinheiro para sustentar seu filho, mas não se importava muito com isso, parecia algo indispensável ao longo dos anos. O que o incomodava era ficar preso em um escritório por longos anos que pareciam não passar, fazia isso por ele, fazia isso porque queria dar o melhor para o filho.

Todos os dias batia cartão, escutava o som das teclas de todos os computadores em um ritmo absurdo, saia de seu trabalho ainda escutando o barulho. Ao chegar em casa comia rapidamente para levar o garoto no futebol, organizava algumas tarefas que seu trabalho exigia pelo celular enquanto o jogo de futebol acontecia. Tomava um banho e deitava com a cabeça martelando.

Aquela rotina. Algo que tinha de aturar.

Mas foi o dia em que isso acabaria. Não da forma que queria.

Com o suor escorrendo de sua testa, caminhava lentamente para a sala do chefe, sabia o que o aguardava ao passar pela porta.

A empresa estava em situação crítica, estavam cortando funcionários, e sua hora chegou.

Foi o suficiente para o fazer chorar a noite toda. Não pelo emprego, mas sim pelo seu filho, seus pais não teriam condições de sustentar o garoto apenas com a aposentadoria, teria de ser rápido para arranjar outra coisa.

Dias procurando, entregando currículo e fazendo entrevista. Sem resultados. O stress tomava conta, nem um abraço de seu filho bastava mais.

Em uma manhã pacata de verão, seu filho estava na escola e não havia gente em casa, se viu em completo silêncio. Onde só prevalecia o barulho de sua respiração, nem mesmo os vizinhos do andar de cima faziam barulho. Olhou então para seu piano empoeirado, sorriu e sentou-se.

Passando as mãos levemente nas teclas começou a tocar uma clássica que gostava muito de Beethoven. Aquilo o acalmava, a cada nota sentia vibrações positivas. Fechava os olhos lentamente e era como se tudo a sua volta não existisse. Sentia o conforto. Lá ficou por uma longa hora, ficaria mais se uma batida na porta não o interrompesse.

"Desculpa incomodar é que eu sou o vizinho do treze..."

"Já sei, veio reclamar do barulho" disse revirando os olhos.

"Pelo contrario! Eu sou empresário de alguns músicos e tenho um grupo que precisa muito de um pianista, se eu soubesse que você tocava, o problema dos caras já havia se solucionado".

"Espera, está me chamando para tocar com uns caras?".

"Claro, bom, faço até contrato, fique tranquilo que é totalmente seguro, garanto que os caras são gente boa".

Não sabia o que dizer, era seu sonho, mas precisava pensar naquilo, a música ocuparia grande parte de seu tempo, e sabe que para ganhar o que ganhava no escritório de sua antiga empresa teria de trabalhar muito. Não era isso que seu filho merecia.

"Eu tenho que pensar..." Disse quando na verdade queria aceitar e viver da música que foi o que sempre sonhou.

O vizinho consentiu com a cabeça e lhe entregou um cartão.

"Então assim que possível me ligue que marco com o pessoal de todos irmos ao estúdio para que você grave com eles".

Pegou o cartão e fechou a porta. Ofegante não conseguia parar de pensar, era impossível decidir em minutos.

Quando seus pais chegaram com seu filho, contou a novidade a todos. E a resposta de seus pais foi ainda pior do que anos atrás.

"Você não pode viver da música, seu filho vai passar fome, sem contar que não toca há anos, deve estar péssimo já".

Não importa o argumento que usasse, eles o contrariavam, cansado de discutir foi de cabeça baixa deitar na sua cama.

O pequeno garoto deitou ao seu lado, o abraçou, ele havia escutado a conversa.

"Papai, eu acho que você deveria fazer o que mais gosta, assim como eu um dia serei um jogador famoso".

Aquilo foi o suficiente e no dia seguinte já estava no estúdio sem seus pais saberem. Ele tocou gostou e já combinaram até um pequeno show.

Contou isso ao seus pais, era óbvio que não deixaram ir, ao invés disso trouxeram um panfleto dizendo que a prefeitura estava precisando de funcionários, fizeram de tudo para o rapaz ficar. E ele não os deu ouvidos, estava cego pelo sonho que seria enfim realizado.

Com um longo beijo na testa de seu filho enquanto todos dormiam, deixou seu carro na garagem e pegou um táxi rumo ao pequeno show. Mas não conseguiu chegar.

Não foi por sua decisão, voltar atrás. Não era pelo trânsito que geralmente uma sexta-feira a noite fazia. Foi um acidente. Um caminhão colidiu com o táxi. Em segundos tudo ficou escuro.

O motorista teve um fim pior que o dele. Enquanto o taxista perdera o movimento das pernas, ele só havia quebrado um osso do braço e dois da perna, coisa que em poucos meses voltaria ao lugar.

Seus pais preocupados, porém decepcionados o olhavam no hospital e seu filho apenas disse:

"Papai, mesmo com um o braço quebrado você ainda pode tocar, não desista do seu sonho, nós vamos ficar bem".

DesolaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora