II

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Um grunhido seco, mesmo com a boca respingando saliva. Um pedaço de costelas à mostra, moscas zumbindo em volta da carne podre. Nem tufos de cabelo, pedaços de carne escavados mostrando o crânio avermelhado e amarelado. A pele marrom esverdeada, a carne marrom avermelhada, os ossos podres amarelados e ásperos. Mesmo fora da terra, parecia num estado complexo de decomposição.

Vários parecidos com isso trabalhando aqui e ali na grande plantação de cana-de-açúcar. Foi o que Osenga conseguiu enxergar sendo levado para a cabana onde viveria com outros vivos. Já estava à tarde, o dia se preparando para escurecer, e mesmo assim o sol queimava e ardia na pele. Um calor infernal suava a pele morena e musculosa de Osenga, ainda vindo o vento da tarde com um pedaço do mar.

Dentro da cabana esperando o outro dia, ele se lembrava da sua mulher. E agora poderia perceber que não a veria de novo nunca mais. Nem seu filho. Por mais forte que parecesse e que fosse, seus olhos se encheram de água, e lágrimas escuras desceram por seu rosto. Mas não, ele não podia fazer isso, ele não tinha água para desperdiçar. Mas não se importava. Continuou a chorar até dormir ali, num canto, sozinho, dentro daquela cabana escura.

Quando começou a se acostumar àquela vida de desgraças, ele percebeu. Percebeu que se nada importava, ele tinha que sair dali! Mesmo com os mortos-vivos que o seguiriam, os bandeirantes, e toda a trupe de desgraçados de acordo com ele, ele tinha que arranjar um jeito.

Um dia, trabalhando perto dos senhores, ele pôde ouvir sobre um quilombo, aquela palavra não lhe era estranha. Quilombo dos Palmares, ele ouviu. E também sobre um tal de Zumbi, com uma revolta esplêndida usando os mortos-vivos. Naquela noite, ele sonhou.

Zumbi, Escravidão Que Se VáOnde histórias criam vida. Descubra agora