III

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Ele corria como um condenado! Ele era um. Se fosse pêgo, seria torturado e seus membros cortados exibidos para outros escravos. Ele queria morrer com seus membros juntos com ele, pelo menos se fosse para acontecer.

A horda de mortos-vivos era implacável. Esses seres mal-acabados corriam com uma vontade inacreditável, principalmente se você visse como faltavam pedaços deles e pareciam frágeis.

E os bandeirantes... caçadores de gente, treinados e incansáveis. Brutamontes fortes e maldosos. Se ele fosse uma mulher, talvez nem pensaria em fugir, ou talvez tivesse outra motivação para não querer estar ali.

E tudo com sua motivação; carne, dinheiro.

Mas ele não era o único fugitivo. Mais atrás ao lado direito, um ser infeliz tropeça e cai no chão se raspando um pouco contra a terra e as folhas caídas, contra a raiz que bateu no seu pé e contra um arbusto em que ele caiu de cara.
Os mortos não têm dó nem piedade. Por que eles teriam? O que eles ganhariam com isso? Eles avançaram contra o infeliz no chão, rasgaram a pele dele. Abriram a barriga dele, jogaram tripas para cima, rasgaram veias, espirraram e se lambuzaram com o sangue dele, com a carne dele.

Osenga apenas olhou por cima do ombro todo aquele caos. Mas ele sabia que aquilo era justamente para amedrontar os escravos e os fazerem ir mais devagar. Isso sempre acontecia com o último. E percebendo agora a sua posição, avançou com todos os resquícios de forças que ainda pereciam ali com ele.

Socorro, pensava ele. Socorro meus bons deuses, eu serei destroçado vivo! Socorro... Socorro... Eu não aguento mais correr, não tenho forças!

Pensava ele, até que tropeçou também. A velocidade diminuída e o coração acelerado mais forte ainda. Socor... É o fim. Por um momento ele pensou em desitir, realmente pensou. Mas se seus músculos não eram bons em correr, que sirvam para lutar!

Se posicionando previamente para um morto que vinha furioso, com um movimento de capoeira; num giro, posicionou as mãos no chão e com a força do giro, o pé dele era erguido num chute que bateu com uma porrada sonora que lhe deu orgulho. A cabeça do morto voou para longe com a sonora porrada e a dilaceração da carne podre, o amassamento do crânio e a destruição do pescoço. Ainda com o impulso do giro, ergueu-se majestoso e com um pulinho, olhando com olhar de desafio ao próximo da fila.

Aquele foi só um de muitos, e haviam dezenas. Talvez fosse mesmo melhor continuar correndo, até mesmo por causa dos bandeirantes que vinham logo atrás dos mortos.

Osenga amaldiçoou até o último dos mortos e dos bandeirantes, enquanto permanecia ali parado, inocentemente. Talvez ele estivesse esperando uma salvação.

Pffiu.

Ele ouviu uma zarabatana. E um morto caiu. Seus olhos brilharam. Esperança? Ainda viva.

Ali do lado um morto tropeça no próprio pé e cai, mas não levanta. Alguns mortos estavam caindo, agora. E os bandeirantes lá atrás estava ficando bravos. Um deles pega sua garrucha e avança. Na frente dos outros bandeirantes e atrás dos mortos, grita alto:

— Ei, verme! Apareça! Saia das sombras! Saiam todos vocês das sombras! Por... — foi bruscamente interrompido por um dardo no pescoço, mais especificamente na traquéia.

Nessa hora todos estavam parados, com exceção de um ou dois escravos que não haviam parado de correr.

E então apenas se escutava a respiração ofegante dos corredores, e logo depois, zarabatanas fazendo o caos silencioso. Bandeirantes e mortos caíam aos montes. Por mais que Osenga visse aquilo com um projeto de sorriso no rosto, ele tinha medo de ser o próximo. Ele não sabia quem eram eles, o que estavam fazendo e o porquê. Podia ser outro motivo de terror.

Um bandeirante apenas conseguiu viver tempo suficiente de ver um deles e conseguir atirar nele com sua garrucha. Ele caiu da árvore com um buraco no peito, mas não tão depois, o bandeirante caiu com um dardo na têmpora. Morto.

E com os bandeirantes mortos e alguns mortos realmente mortos, um cara aparece do meio de uns arbustos. Ele era forte, mais até que Osenga, ele tinha um pouco mais de cabelo que Osenga, mas sua pele tão escura quanto. O suor brilhava na pele forte dele, e seus dentes brancos também refletiam muita luz. Ele tinha um sorriso desafiador e ameaçador. Ele tinha um ar de liderança. Ele inspirava força de vontade. Ele brilhava, ele reluzia. Ele era forte, ele era alto. Ele tinha aquele olhar importante que poucos viam, que poucos cruzavam. Ele era a salvação, a imagem de um mito. Ele era a libertação. Com uma voz grossa e forte, disse alto aos fugitivos:

— Vocês querem viver!? Vocês novamente precisarão lutar para tal! Mesmo salvos, não se esqueçam que não há moleza! Vocês precisarão construir e proteger do mesmo jeito. Lutemos por nós, irmãos! Não podemos ceder a nenhum mal, não se esqueçam disso!

É isso? Ele é o salvador?, Osenga apenas pensou. Não diria isso a ninguém, ele talvez soubesse que mesmo assim, ainda haveriam consequências de sua ousadia. E os mortos?, isso ficou com ele na cabeça por um tempo. Mas como por talvez magia, o cara forte que saiu do meio dos arbustos continuou, e assim o respondeu também.

— Eu sou Zumbi! Zumbi dos Palmares, caso se perguntem... E sobre os trabalhadores mortos, eles são minhas armas, irmãos! Eles são nossas armas. E nós lutaremos com nossas armas sem medo de morrer, sem medo também de ceder ao mal, sem medo de matar! Sei que vocês perderam coisas importantes vindo para cá, e vocês mesmos, no fundo, sabem que não vão vê-las de novo. Então, digo, por que não lutar com todas as forças se não importa? Lutemos não apenas por nós, mas por todos, porque isso, irmãos, nos fará melhores. Nós não venceremos apenas por nós, mas por todos. Vocês têm algumas escolhas, vir comigo, trabalhar e lutar, ou apenas continuar correndo, saibam que nós não voltaremos. E esses mortos, eles são impiedosos. Agora estou com eles sob controle, mas irmãos... Mais virão depois de eu levá-los, junto com os homens treinados. Vocês estão comigo? Respondam-me, bravos guerreiros!

Osenga estava perdido. Seus olhos brilhavam! Esse Zumbi parecia mesmo com a salvação em pessoa, ou em mito. Ele não sabia se ele era real. Ele estava com medo de acodar agora e voltar ao terror das correntes. Seu rosto parecia ferver, seu corpo fervia. Seu rosto doía, suas pernas cansadas doíam. E ao final do discurso, junto com todos os outros, ele levantou a mão, e gritou. Gritou com vontade. Gritou um olá para a salvação.

Zumbi, Escravidão Que Se VáOnde histórias criam vida. Descubra agora