VIII

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Ele subiu na torre de vigia e observou o horizonte cheio de árvores. Ele não queria ver árvores, mas ali era tudo o que ele viu.

Claro, eles também devem saber se esconder.

Ele atravessou o portão com dificuldade. E com a lança em mãos, avançou cauteloso.

Ele caçou cada sinal de vida humana. Ávido por sangue e uma chuva sádica de risadas. Nada à vista.

O chão começou a tremer. Um barulho lezado chegou aos seus ouvidos.

Sabia, estava certo.

Odiou ter razão. Quanta gente e gente morta seria necessária para fazer o chão tremer?

Morte.

Ele começou a correr para voltar ao quilombo, tomando cuidado com as armadilhas, chegou suado mas quase não ofegava.

Zumbi, cadê você?

No meio do quilombo, ele pôde ver Zumbi em cima do adarve atrás da paliçada, gritando muitas coisas, assobiando e movendo os braços. Erguia um mosquete com um braço para cima, era inspirador para quem quer que estivesse lá embaixo.

Pffoou.

E a blusa branca que ele vestia, começa a ficar vermelha. O braço que erguia o mosquete, abaixa e o solta. Ele tenta se segurar firme lá em cima, mas balança triste. Não gritava mais. Olhava para frente quando cambaleou para trás e tropeçou no término do adarve. Seus braços tentando puxar o vazio para se segurar, mas não há nada lá. Ele cai de costas no chão, ainda agonizando. Ele poderia sobreviver à queda, mas não ao tiro que levou no peito.

Realmente acabou tudo.

Mesmo com a comoção que a guerra gera por si própria, sem Zumbi ali, sem líderes, sem mago de mortos, tudo estaria perdido. E estava.

Todos os filhos de zumbi, ou praticamente os zumbis, enlouquecem mais ainda. Nem os escravos nem os mortos têm mais um líder. Cada escravo ali poderia se virar de algum jeito. Mas não os mortos. Há coisas que precisam de líderes.

Sem o encanto de Zumbi, os mortos começam a atacar qualquer coisa. Sem controle. Sem ordem. Atacam antigos aliados e os mordem. Mordem todos. Se lambuzam de sangue e órgãos macios e moles.

Osenga, que estava em cima do telhado de alguma casa para observar, agora suava frio. Ele estava com medo daquilo, apavorado, desesperançado, desesperado.

Lá de cima ele pôde ver um velho com um mosquete do lado de fora. Um velho arrumado com uma grande barba, roupas finas mas robustas. Esse podia ser Domingos, aquele que Zumbi falou.

Ele lembrava meu nome, sua visão ficou embaçada com o pensamento e ele enxugou as lágrimas com as costas da mão, triste.

Zumbi, escravidão que se vá, meu amigo. Alguém mais o fará. Alguém nos libertará.

Sem emoção. Sem malícia. Sem controle.

Seus filhos, seu império, também a sua destruição.

Um pensamento se mistura a outro qualquer. Uma lágrima é derramada, uma lágrima pesada.

Zumbis vêm dos dois lados e somos o centro de tudo. Não, não somos. Sou. Parece que estou sozinho.

Ali de cima ele viu Keza. Ele ainda lutava, mas foi cercado e não aguentou por muito tempo.

Eles não teriam pena.

Ele então teria duas opções: lutar ou fugir. Mas era questão de tempo para morrer em cada uma das alternativas.

Ele morreria ali, lutando. Ou morreria no meio de uma floresta. Se achasse uma cidade, de nada adiantaria, não tinha alforria, morreria em tortura. E o Quilombo dos Palmares, seria destruído em minutos, se já não estivesse. Poderia achar outro quilombo, e ser um escravo vivo. Mas que outro líder seria como Zumbi?

Eu terei de lutar, de um jeito ou de outro. Se não por mim, por todos.

Lágrimas agora caíam e ele deixou de se importar com apenas água.

Ele levantou a lança e sussurrou ao vento:

— Por Zumbi! Que seu nome fique encravado na história...

Eu sei que o meu não ficará.

Zumbi, Escravidão Que Se VáOnde histórias criam vida. Descubra agora