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- Pois diga-me, Dom Pedro, o que tu achas daquele que agora está mais barato?

- Um negócio que favoreceria nosso mundo novo!

O navio negreiro navegava com uma velocidade e um balanço estonteante, nada bom, apenas causava enjoo naqueles mais fracos. Porém nada mais naqueles já possuídos pelo mal incansável e esfomeado.

O dia lá fora estava maravilhosamente bonito; um sol forte num céu azul e limpo, a brisa do mar e o vento batiam e lhes entregava o remédio para o calor. O mesmo não acontecia no porão, onde se levavam os prisioneiros de guerra e trabalho. Estava escuro, quente e úmido. Uma fazenda de doenças. Não que os chefes negreiros se importavam, os trabalhadores, como eram chamados antes daquilo, poderiam infectar outros escravos vivos e eles não se importavam. Tudo chegaria ao final e trabalharia quase tão bem quanto um vivo, não fosse pela falta de cérebro.

Tinha um escravo ali que era diferente, ele parecia mais forte que os outros, mais destemido. Ele também fazia de tudo para não se deixar ser levado pela facilidade da inconsciência, ser infectado. Quem sabe ele não emitia uma aura inspiradora? Um brilho escuro que ninguém conseguia de fato enxergar, uma força, uma vontade.

Fora isso e seu cabelo, não haviam muitas coisas para lhe diferenciar dos outros escravos vivos. Talvez se eles tivessem reparado em seu cabelo, maior que o dos outros, eles vissem outras coisas também. Mas não, apenas ignore. Uma surra daquelas resolve.

Infeliz, só ele sabia o que ele deixava forçadamente para trás. Ele tinha uma mulher. A mais maravilhosa de todas, a melhor de todas, só ele conseguia descrevê-la. Só ele conseguia se lembrar de tantos bons adjetivos para ela. Osenga era um homem bom, sempre foi. Mas por uma infelicidade, um prisioneiro de guerra. Vendido.

Como era estranha a sensação de pisar na grama. Macia mas mesmo assim pinicava os pés. Verde e marrom, diferentes mas a mesma coisa.

Será que alguém mais percebera? Eles viajaram com mortos-vivos, com negros que partiram mas não foram. Eles deveriam ser adubo agora, mas estão andando e trabalhando. Por mais que todos os brancos dissessem que eles ainda eram irmãos, ele não acreditava. Ele tinha nojo daquela aberração criada somente para trabalhar como se não quisessem fazer outra coisa. Motivados por carne, eles não queriam nada. Ele não se conformava.

Depois de serem devidamente separados, os vivos dos meio vivos, foram analisados.

Justamente perto da Capitania de Pernambuco, onde uma lenda nascia, negócios eram feitos.

- ... Negócio fechado então? - Foi tudo o que ele ouviu do comerciante. Nem o seu preço ele saberia.

- Sim, claro. Fechado! - Um aperto de mãos caloroso pra selar a venda. Continuava sendo como se Osenga não estivesse lá ouvindo as coisas que saíam despercebidas.

Zumbi, Escravidão Que Se VáOnde histórias criam vida. Descubra agora