V

102 8 5
                                    

Ele poderia ser largado lá no mato e talvez acordar morto, ou não acordar. Qualquer coisa poderia acontecer largado no mato. E não acreditou quando viu que estava acordado e vivo, deitado numa cama de palha dentro duma cabana bem rústica, paredes de madeira e teto de palha. Não estava morrendo de fome.

Morri? Cheguei? Se perguntava sem nenhum som. Passou pela sua cabeça aquilo ser o céu, mas pensou que lá podiam ter camas mais macias, então jogou na certeza de que eles chegaram ao destino final. Também, para ele estar descansando com um aparente tempo livre, era a única opção.

Bem, esse salvador até parece que não é tão ruim... Ideias vão e vêm, concepções vão e vêm, a positividade vai e vem. Desistiu de pensar sobre a salvação de Zumbi. Uma incógnita tão variável, de que adiantava pensar nisso? Ele supôs que tinha coisas melhores para pensar, então, ao chegar até sua mulher, se arrependeu disso.

Melhor raiva do que tristeza, droga.

Mas a tristeza já havia chegado. Então, mergulhando em melancolias, pôs-se a dormir de novo. Ninguém saberia que ele já tinha acordado.

Quando acordou, não sabia o que sentia. Forçou a mente para saber de algo, mas lembrou do pior. Se amaldiçoou. Fora isso, não sabia que dia era, nem o que estava acontecendo ou o que aconteceu. Pela suposta janela, pôde ver que estava claro. Já que era um projeto de claridade maior, pensou que ainda era manhã.

Sentou-se na cama de palha e olhou ao redor. Sua cama estava no canto, haviam outras, com pessoas dormindo e gemendo de dor lá. Não sabia como não tinha percebido antes quando acordou.

Ótimo, deve ter algum xamã aqui. Espero que ele ajude. Não parecia ele mesmo falando, mas jogou a culpa em sua condição física, e fingiu estar tudo bem.

Argh, não importa, não quero mais. Eu só quero sair daqui, essa coisa dura está me machucando.

Se levantou. Olhou para baixo para conferir qualquer coisa. Passando o olho pela forte barriga musculosa, viu que estava usando uma tanga quase caindo da cintura e mostrando o começo de suas partes na metade do caminho de se enrijecer, e que pendia justamente dali. Ficou com vergonha e procurou ao redor para ver se ninguém tinha visto nada de errado. Sobre ninguém ter visto nada ele agradeceu. Mas depois reclamou alguma coisa e puxou a tanga mais para cima. Então sentou na cama e esperou um pouco o sangue diminuir a intensidade naquela parte.

Sem tal problema, ficou de pé e caminhou cambaleante até o arco onde ficaria uma porta.

Que dia bonito.

O Sol nascente iluminava bem o dia. Estava claro, o azul do céu parecia brilhar por conta própria. Várias nuvens brancas e brilhantes aqui e ali, não impedindo o magnífico brilho do sol. Se fosse chover, o dia ainda estaria bonito para isso.

Em pé no meio do arco, com a visão meio embaçada, ele reconheceu batidas musicais familiares. E um calor correu por seu corpo, soltando e relaxando músculos que estavam tensos.

Maravilha. Ele sabia o que tinha que fazer.

Saiu de lá cambaleando, seguiu pelo caminho de terra batida e depois dobrou a esquina à esquerda. E lá estavam eles. Girando e rodopiando, cantando e dançando, gingando e pulando. Dançando. A dança da luta desarmada. A arte da capoeira.

Ele observou ali por algum tempo. Com vergonha de mais para fazer parte da roda, mas interessado demais para ir embora.

Ali parado olhando, sentiu uma mão pesada sobre seu ombro, com fortes tapas apertados ali. Ele se virou e viu um cara moreno maior que ele, mais forte ainda.

Zumbi, Escravidão Que Se VáOnde histórias criam vida. Descubra agora