A paz também morre?

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 Acho que eu andei devagar demais, já está quase escurecendo, espero que minha mãe não esteja preocupada, eu comecei a me importar faz pouco tempo, acho que faz parte de amadurecer, minha mãe não é do tipo general nem super protetora, mas mãe sempre é mãe, eu herdei dela minha paixão por livros, desde de que eu era pequena ela sempre me presenteava com livros. Também, não é por acaso que ela é escritora, Helena Cabral, redatora chefe do melhor jornal da região, o mapa.

Por muito tempo ela achou que eu seguiria s passos dela como escritora, mas meu coração escolheu o esporte, e isso sem sombra de dúvidas, foi influência do meu pai, ele queria um garoto, mas quando eu nasci ele não abandonou seus planos, me ensinou a jogar futebol, esporte que era sua paixão quando mais novo, infelizmente ele não pode concluir seu sonho, naquela época era muito mais difícil, então, ele acabou optando por uma profissão mais possível, fez advocacia, mas, eu acabei puxando a habilidade dele para o esporte, foi uma felicidade imensa quando eu entrei para o time da escola, ele disse que se sente realizado a cada vitória minha, e é por isso eu me esforço tanto.

Cheguei em casa, abri a porta bem devagar, esperando que ninguém notasse minha presença, mas não havia ninguém na sala, sorte a minha, subi as escadas com o mesmo cuidado. Quando estava quase chegando no segundo andar eu ouvi um barulho vindo do escritório, com minha curiosidade natural, resolvi ver o que era, quanto mais chegava perto mais conseguia ouvir a conversa, eram meus pais, eles estavam brigando, o que era bem raro, sei que não poderia estar ouvindo, mas eu não pude evitar, minha mãe gritava:

- Eu não vou permitir que você faça isso, quando você me disse o que ia fazer não me explicou que seria dessa maneira!

E ele respondeu.

-O candidato me prometeu apoio, nós conversamos e ele se mostrou ser bem diferente do que a oposição diz.

-Antônio, você não tem ideia do tipo de pessoa que você está se associando, as suspeitas são muito fortes, eles têm provas do que estão dizendo!

-Você é uma jornalista inteligente, não é possível que ainda consegue cair nessas armações políticas, esse mundo é sujo!

- E você quer entrar nesse mundo, eu só me pergunto por que?

-Porque eu já estou cansado dessa vida, eu vejo injustiças acontecendo todo o santo dia sem poder fazer nada, você mesma disse que é preciso fazer alguma coisa, quando eu disse que queria me candidatar você me apoiou!

-Isso foi antes de saber que você ia se filiar com esse maldito partido! Por que justo esse?

Nesse momento, minha mãe foi capaz de perceber minha presença pelo pequeno espaço que a porta entreaberta fazia, nesse momento a discussão acabou, ela abriu a porta, disse que era feio espiar e mandou eu ir para o quarto e me preparar a o jantar, sem perguntas eu fiz o que ela mandou.

Durante o banho, eu não conseguia deixar de pensar naquela conversa que ouvi, foi a primeira vez que eu vi meus pais brigando, eu pude pegar parte da conversa, mas para mim fazia menos sentido do que a situação, por isso, me forcei a não esquentar a cabeça, um casal geralmente briga, dizem que se você está muito perto de alguém e ainda não brigou com essa pessoa significa que você não está próximo o suficiente. Liguei o som, e me desliguei um pouco da situação, deslizando com a melodia, em alguns minutos o jantar estava pronto, ficou um clima estranho na mesa, meus pais mal se olhavam, e só me perguntavam o necessário, mais tarde, meu pai bateu na porta do quarto para conversar, ele era melhor nessas coisas, que ironia, minha mãe é escritora, mas para falar dos próprios sentimentos ela trava.

Ele passou pela porta, olhou para as paredes e disse:

-Querida, precisamos conversar.

-Eu não sei se precisa, eu não sou mais criança, entendo que você e a mamãe tem seus desentendimentos, está tudo bem.

-Eu sei que não está, desculpe ter brigado feio hoje- meu avô, paterno não era uma pessoa muito certa, digamos que ele errava muito, principalmente com os filhos, meu pai era o mais velho, o que fez com que ele amadurecesse rápido e consequentemente sofresse mais nesse processo.

-Está tudo bem pai, nós não gostamos de brigar, mas nós nos importamos uns com os outros e isso causa atritos, mas, porque vocês brigavam?

- A mamãe não acredita na mudança das pessoas, é difícil para ela perdoar, ceder, sabe, eu fui convidado para ingressar num parido político, o líder desse partido já agiu errado no passado, mas hoje ele é um homem mudado.

-E.... a mamãe não acredita que esse homem tenha mudado, e você papai? Você acredita?

-Fielmente, esse homem abriu seu coração e se mostrou arrependido, sem falar que ele tem ajudado muito as pessoas, isso conta e muito, somos humanos e todos erramos!

-Fica difícil julgar assim, ele não fez nada para mim, quer dizer a mamãe parecia muito irritada com o assunto, ele pelo menos assumiu a culpa?

-Ele está em uma situação complicada, mas em breve ele vai estar com a ficha limpa, eu quero dar essa chance para esse homem mostrar que ode fazer mais pela população, você acha que conseguiria perdoá-lo?

-Eu não sei pai, talvez eu fosse mais flexível do que a mamãe, mas porque isso é importante?

- Sua opinião é importante para mim- ele respirou bem fundo, antes de prosseguir, mais calmo e emendando os assuntos- mas, com essa parte política você não precisa se preocupar, você confia em mim? Acha que sou um bom pai?

- Eu tenho certeza pai- disse eu, já com os braços abertos prontos para um abraço.

-Então eu já fico feliz- ele disse sorrindo e já puxando os cobertores, para me cobrir, ele não me cobria desde os 7 anos, deu-me um beijo na testa e já se dirigia até a porta com seu "boa noite" quando eu perguntei:

-Papai, o que aquele homem fez de tão ruim?

-Depois eu te falo sobre isso querida, durma bem, te amo.

-Também te amo.

Disse isso e se retirou, por fora eu estava calma, afinal estava tudo bem, mas que conversa estranha, o que aquele homem fez que deixou a mamãe espumando pela boca? E por que tanto mistério?

Eu me revirei na cama, e depois de algum tempo consegui fechar os olhos e dormir, dormi muito mal por sinal, sem sinal da garota nos meus sonhos, eles eram apenas fragmentos, algumas cenas, pedaços de conversas e sensações. Primeiro, estava tudo escuro, eu ouvia vozes no fundo, elas gritavam e uma mulher chorava muito, eu sentia muita dor, e estava úmido, depois eu tive medo e depois uma luz rompia aquela escuridão e quase me cegava, e por último eu ouvi alguém gritando "eu não quero vê-la'' "Eu não me importo", essas palavras me machucavam muito, no sonho eu sentia meu peito arder, como se ninguém no mundo fosse capaz de me amar, eu acordei chorando e com o mesmo aperto no peito, aquele sonho me atormentou a manhã toda, e lembrar dele ainda me dá um nó no coração.


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