Que os jogos comecem

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 Depois de uma noite bem dormida, eu já era outra, estava pronta para tudo, aquele era um grande dia, para todos, meus pais ocupavam lugares distintos nas bancadas políticas do evento, mas isso já não era motivo para brigas, rafa e bruno disseram que não iriam me ver jogar, mas isso não me afetava mais, dessa maneira já estava tudo como eu não esperava e assim não poderia dar errado de novo.

Tudo começou bem cedo, primeiro um discurso do atual prefeito, depois uma abertura para os jogos, nossa escola ganhou diversas medalhas em várias categorias, nossa principal rival no futebol é a Dumont, eles são competitivos e são bons no que fazem, realmente um oponente de peso, e como era previsto, nós fomos para final junto com eles, a decisão aconteceria depois do discurso do senhor Abner Zheren, candidato que o papai apoiava e que a mamãe queria ver morto, basicamente.

Antes do discurso, eu fui falar com minha mãe, beber água, comentar sobre a partida, mas quando chegava no vestiário, pude ouvir uma conversa que ela tinha com o pai, eles brigavam de novo.

-Eu ainda não consigo acreditar que você caiu nessa, Antônio, você é idiota ou se faz?

-Seu emprego te fez tão pessimista assim?

-Você é meu marido, pai da minha filha associado com um assassino, corrupto, um bandido!

Assassino? Então foi isso que aquele homem fez?

-Não esconda seus problemas pessoais, todos cometemos nossos pecados.

-Você quer dizer, você cometeu seus pecados, meu pai era um homem de bem e ele sofreu com isso, foi acusado e sentenciado por um crime que não cometeu, por culpa desse homem que você defende.

-Ele se arrepende de tudo o que fez.

-Então porque não assumiu a culpa? Por que deixar meu pai, um homem inocente ser o culpado por todo esse tempo?

-Ele teve seus motivos

-Quais? Os mesmos que você? Seu mentiroso!

Eu não consegui ficar de fora da conversa, eu queria entender o que acontecia.

-Papai você mentiu? No que você mentiu? – As lagrimas já me vinham aos olhos.

-Ele mentiu Ana.

-Para com isso Helena!

-Não! Já está mais do que na hora dela saber, esse homem que está se candidatando a prefeito não é honesto como diz ser, ele já esteve no mesmo partido que meu pai, seu avô, ele armou um golpe, desviou muito dinheiro e tentou comprar o silencio de meu pai, que obviamente não aceitou, como castigo armaram para ele, levantando falsas acusações, ele foi preso, adoeceu na cadeia e morreu, graças a esse homem que seu pai jurou defender.

Minhas pernas amoleceram, seria quilo possível? Quem era meu pai? Ele estava mesmo envolvido com aquele homem? Ou será que ele só acredita na recuperação das pessoas?

-Pai?

-Minha querida, como eu disse ele se arrepende e pretende assumir seus erros, para compensar toda a dor e humilhação que fez a família de sua sofrer.

-Mentira, seu pai é um tolo se crê mesmo nisso!

-Me desculpem, eu não sei o que dizer.

Eu não tinha forças para chorar, jamais pensei que fosse duvidar da figura de meu pai, mas ele não negou apoiar o candidato, mesmo sabendo a dor que isso causaria em minha mãe, ele tem suas experiências em redenção, mas como competir com essa dor, minha mãe cresceu sem pai, sendo apontada na rua, sendo evitada e julgada, viu a mãe e os irmãos passando pelo mesmo, foi duvidada e talvez a partir daí ela criou seu senso de justiça, mas no que meu pai mentia? Será que ele matou alguém também, eu não posso evitar pensar coisas, eu não consigo pensar mais em nada, minha mente anestesiada, eu saí de lá, passo a passo sem ouvir nada, eu passava pelas pessoas e as ignorava.

Saí correndo pelo gramado, e deixei a escola, eu não suportava aquele lugar, eu não suportava lugar algum, sem discurso ou final eu não queria pensar em nada, o céu se fechou enquanto eu ia para casa, a chuva fina caía sobre mim durante todo o caminho, eu não consegui ouvir nada, eu parei em uma praça, sentei no banco encharcada, sem me importar com quem passava, eu esperava que a chuva lavasse todo aquele dia.

Eu fiquei algumas horas ali, até que a chuva parou, um estranho passou por mim, um tanto curioso, era um rapaz, devia ser mais velho, era com certeza alto, não sei se era bonito, mas era descuidado com a aparência, ele ficou parado por um tempo, e perguntou se podia se sentar, como eu não consegui responder ele se sentou mesmo assim, tirou um isqueiro do bolso e acendeu um cigarro.

-Desculpe, é um mau habito, você parece ter tido um dia ruim, por isso não quer falar?

-Você sabe que isso mata, não é?

-O que? O cigarro ou as palavras não ditas? Estou brincando, eu sei que mata, mas é difícil sair sabe, tem situações ruins que são assim, simples, mas, difíceis de sair.

-Eu sei bem como é isso.

-Então, posso perguntar?

-O que?

-O que uma garota vestida de uniforme esportivo faz em um banco no meio da chuva?

-A garota no banco teve um dia difícil, ela descobriu que não conhece ninguém direito, que não conhece nem ela mesma, entende o que é isso?

-Completamente, e por que essa garota não tenta conhecer a si mesma primeiro e depois conhecer os outros e assim por diante?

-É como você disse, pequenas coisas erradas difíceis de mudar, e você? O que há de errado com sua vida?

-Nada.

Eu olhei com um tom desconfiado, qual é? Um rapaz sozinho fumando em uma praça não tem problemas com a vida?

-Fala a verdade.

-Ok, você me pegou, é o de sempre, jovem rebelde problemas com a família e eu saí de casa, só isso.

Nós, passamos um bom tempo conversando sobre a vida, e como ela era uma merda as vezes, nos conhecendo, contando os problemas pessoais um para o outro como se fossemos amigos de longa data, e torcendo para que não voltássemos a nos ver depois daquilo, pouco a pouco, eu me esqueci da hora e do dia terrível que tive, consequentemente me esqueci das consequências também, Diego era o nome dele, foi a pessoa mais sincera que eu já conheci.

Depois de um bom tempo de conversa eu me dei conta da hora, fui para casa, mais leve, quando cheguei meus pais estavam muito preocupados, ouvi diversas broncas, sobre a final, como meu time perdeu vergonhosamente e de como eles estavam decepcionados, no fundo, eu não conseguia me importar, subi para o quarto e desmaiei mais uma vez, como de costume meus sonhos voltaram a todo o vapor. Era uma noite fria, eu pude sentir o vento em minhas orelhas, a dificuldade de caminhar, eu passei em frente à escola, depois segui o caminho, tive uma cena dentro de uma farmácia, e com sorte consegui ler o nome da rua, Rua amoreira 78, depois eu pude ver uma casa, mas estava muito escuro, me senti sufocada e acordei ofegante.


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