se reerguer

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             ANDÁVAMOS POR HORAS, seguindo rastros confusos sem a certeza do que encontraríamos adiante

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             ANDÁVAMOS POR HORAS, seguindo rastros confusos sem a certeza do que encontraríamos adiante. O caçador mantinha-se a minha frente, buscando por pegadas na camada barrenta e nos galhos que estavam remexidos, tais pistas incompreensíveis. Daryl as entedia melhor, por mais que a tremenda bagunça e vestígio de cinzas dificultassem o rastreamento.

— Estamos perto. – Ele rompeu a barreira tensa e silenciosa entre nós, apontando para um cadáver infantil e recém-transformado, jogado no chão enraizado com uma faca cravada na parte superior do crânio. — Se continuarmos, vamos parar na cachoeira do Oste.

Por um momento, paralisei. Meus músculos travaram e meus olhos fixaram no corpo sem vida aos nossos pés. O cheiro podre e a sujeira pareciam impregnar pelo poros, a violência que temia estava mais que vívida e a desesperança parecia ressurgir naquele cenário gélido.

— Ei, garota. – Dixon tocou em mim, me acordando do transe. — Posso procurar sozinho se achar melhor.

Sugeriu, como se conseguisse enxergar minha incapacidade. Negar estar num ponto de ruptura não parecia uma opção, a fragilidade era visível em meu comportamento. Não desistiria, por mais difícil que fosse a situação, o que me restava era descobrir o paradeiro de papai, sabia que ele faria o mesmo por mim.

Prosseguimos, passando por ruínas, árvores caídas, mortes... Conforme íamos nos aproximando, via o amontoado de objetos espalhados à beira da queda d'água. Muitas coisas desconhecidas, envelhecidas ou queimadas, e eu as revirava em angústia em busca de algo que fosse dele. Num rastro de sangue seco marcando as rochas em direção ao riacho, entre vísceras e podridão, quase a sumir, estava a jaqueta de couro que ele usava.

Tapei minha própria boca, tentando não gritar a tamanha dor que entalava na garganta, a visão se embaçando com as lágrimas. Foi como se a besta de Dixon tivesse disparado, o impacto se coincidia a uma flechada no centro das costas. O amargo sabor da decepção, fazendo meu pulsar se acelerar num sinal de desespero.

— Rebecca... – Daryl sussurrou. Travei a mandíbula, abraçando a peça de roupa.

— Não! Não! Não! – Gritei com ódio, descontando chutes nas tralhas e cadáveres que haviam ao redor.

Ele tentou me conter, agarrando meus pulsos e pedindo silêncio:

— Os andantes vão nos ouvir!

Não pensei duas vezes, puxei a semiautomática, apontando na direção do besteiro. Mal conseguia enxerga-lo através das lágrimas que desciam pelas bochechas em chamas, meu rosto quente assim como meu sangue em pura raiva e tristeza.

— Preciso achar ele, minha família... MINHA FAMÍLIA! Não! – Parecia impossível controlar o escândalo, cada palavra que liberava vinha com uma potência imparável. Não havia controle. — Estão todos mortos...?

— Você não quer fazer isso. – Indiferente, com a monótona postura de sempre, disse calmo. — Atirar em mim não os trará de volta, sabe disso.

— E o quê você sabe sobre perder alguém? – Com arrogância, questionei. Definitivamente, não tinha pensado em nada antes de agir.

— Perdi mais do que posso admitir. – Ao que parecia, a expressa fria do homem havia se desfeito com uma única frase. Daryl passava longe de ser sensível, mas numa única sentença suas mágoas se tornaram visíveis, mesmo guardadas através de semblante rígido. — Tinha uma garotinha chamada Sophia, meu irmão Merle, um velho amigo de acampamento Dale, uma adolescente loira... Beth era o nome dela. São incontáveis as pessoas que perdemos, não pude evitar que elas morressem e você também não pode.

Não o respondi. Uma onda de desistência me atingiu, as pernas tão falhas me levaram de encontro com o chão. Culpa, remorso, arrependimentos... uma mistura intensa dos três elementos preenchendo o peito.

— Sou fraca. – Cerrei os pulsos, apoiando a face cansada nos próprios joelhos. A voz dele ecoava pela minha mente, num loop enjoativo ao ponto de causar-me ânsia de vômito.

Dixon estendeu sua mão, a encarei durante alguns segundos antes de agarra-la, para que viesse ficar de pé novamente. Esperava que ele me xingasse ou reagisse ao acontecimento anterior, mas a reação furiosa nunca veio.

— Leve o tempo que for necessário, mas não pense em descontar sua dor em qualquer outra pessoa. – Austero, exprimiu certo descrédito. — Se for ficar em Alexandria, saiba lidar consigo mesma, e se ousar pôr a vida de alguém em perigo, farei pagar.

Assenti, tremendo de desgosto. Meu descontrole quase fez tudo ir por água abaixo, e uma ação daquela parecia irreversível, principalmente num convívio de traumas, suspeitas e extremidades.

— Logo, vai escurecer. A decisão é somente sua.

E como dito, escureceu. Não via nenhum lugar para partir, não imaginava sequer outra opção que não fosse retornar a comunidade junto com Daryl. Por mais desgastante que tivesse sido minha relação com o besteiro, ele parecia me absolver.

— Ei, Daryl. – Assim que pisei na varanda de casa, chamei, impedindo-o que fosse embora. — Me desculpe pelos erros que cometi, até então tenho sido egoísta e isso não está certo.

Ele sorriu, talvez exausto pelo dia puxado e o restante. Se acomodou nos degraus, acendendo um cigarro.

— Obrigada. – Era o que eu deveria ter dito, desde o início. — Espero que não me odeie, o lance da arma e...

— Você não iria puxar o gatilho. – A fumaça entregue ao ar, hipnotizava-me num dilema complicado: revezava o olhar entre a jaqueta, e o Daryl. — Se quisesse, teria feito. Não é a primeira vez que fiquei sob a mira de uma arma, e aposto que não será a última.

— Tem razão, não conseguiria atirar em um homem tão honesto como você. – Tossi com as toxinas dispersas no oxigênio, fazendo-o apagar o filtro na madeira branca. — Não deixarei que isso me abale, não daquela forma. Boa noite.

Sem aguardar por um retorno, corri ao banheiro, buscando por uma ducha de trinta minutos, da qual afogaria o pranto agonizante de meu âmago.

Amanhã seria outro dia, e o que me sobrava seria se reerguer diante o esgotamento emocional.

Stay Alive 》Negan [REESCREVENDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora