MAIS UM DIA ESTAVA A AMANHECER, e em instante algum consegui dormir. Sempre quando fechava os olhos, e repousava a cabeça sobre a superfície macia do travesseiro, tinha a experiência angustiante sendo transmitida pelas visões de um pesadelo. A sensação vívida, de que a minha pele estava sendo arrancada por unhas e dentes, os ossos sendo quebrados de modo brutal. Tratava-se de uma repetição aflitiva, com o mesmo final: o aperto da mão dele retornava, rodeando meu pulso de forma que não conseguisse me soltar, me mexer ou gritar.
Por mais desesperada que estivesse para ir em busca dele, ainda carregava meus medos e fraquezas nos ombros. Por mais que lutasse contra elas quando acordada, era impossível impedi-las quando adormecia, a prova nítida do meu despreparo em perder mais alguém. Precisava resolver, não aguentaria conviver com as dúvidas, ou até mesmo com a covardia do esquecimento.
Se Rick me recebeu como um de seu grupo, facilmente poderia abrigar papai também. Apostava ao máximo para que chegássemos em um acordo.
— Você é uma garota adorável. – Maggie sorriu doce, após desligar a câmera e recolher o tripé, guardando o equipamento em um baú. Meu relacionamento com ela era um dos mais próximos na comunidade, a moça sempre se demonstrava atenciosa e presente, sendo prestativa em garantir conforto, roupas limpas e companhia no almoço. Grimes a deixou responsável por fazer as três perguntas e nossa conversa foi filmada. Por mais insano que parecesse, servia claramente como um desabafo. — Tudo o que acabou de me falar ficará em segredo, e somente Rick irá assistir. Todos nós temos um pequeno vídeo gravado, a antiga dona de Alexandria nos deu esse hábito, nos ensinou a valorizar a trajetória e quem somos, por isto pedi para que fosse sincera.
— Eu fui. – Retribui um pequeno riso vazio, ainda presa nas palavras que retratei por meu pai: ''eu o abandonei na primeira chance que tive.'' Era impossível assumir uma culpa como aquelas, mas era a única verdade a ser contada quando a pergunta foi: ''você matou alguém?''.
Maggie me deu um abraço verdadeiro, me encaminhando pelos jardins da cidade até que estivéssemos acomodadas na estrutura de madeira do coreto. Não deixei de passear meus olhos pelas ruas, notando Rick e um garoto com chapéu de cowboy e atadura no rosto, conversando. Eles se pareciam muito, além da forma que interagiam justificar muitas de minhas dúvidas: Carl. Era como o garoto se chamava, o filho que tanto me foi contado quando acordei do coma, e toda a bravura descrita por Grimes estava estampada no olhar penetrante e desconfiado que ele expunha. Principalmente, quando esse olhar veio se concretizar contra o meu.
— Eu converso com ele. – A voz dela retornou, fazendo-me perceber o quão fixada estava nas duas figuras masculinas na calçada. Ela parecia ler as pessoas, captar os sentimentos delas. Maggie era muito boa... boa em incontáveis sentidos. — Você não vai conseguir passar mais um dia assim, não pode deixar isso te machucar.
A mulher disparou dali, indo em direção ao líder. A falação não se estendeu o bastante, pois logo se reuniram perto de mim, junto com eles vieram os questionamentos:
— O que sugere? – Perguntou como se esperasse por um plano, havia preocupação no tom em que usava, por mais flexível que soasse. — Está pensando em uma busca, certo? Isso requer recursos, pessoas... – Continuou, sendo transparente. Uma jogada tão arriscada quanto, dependia de suporte. Era como atirar no escuro. Não havia argumento que contornasse a razão.
— O caçador. – Apoiei os cotovelos nas próprias pernas, só me restavam tais cartas. Não estava em posição de exigir nada. — Ele me tirou de lá, contornou muitas criaturas. Com a ajuda do Daryl, poderia encontrá-lo em menos de duas horas, vivo ou morto. Sei os riscos que poderão ser corridos, e sei que eles serão ainda maiores se eu for sozinha. – Suspirei profundamente, em um ultimato: — Isso não importa. Não conseguiria ficar aqui, carregando essa consciência nojenta. Você sabe a importância disso, faria o mesmo por quem ama, pela sua família.
Grimes pensou quieto, observando-me com uma feição convicta:
— Maggie, chame o Dixon. – Ele ordenou. Acabamos num arsenal, o xerife preparando uma bolsa com algumas armas de fogo, enquanto equipava-me com diferentes facas e conferia o mapa sobre a mesa. Daryl aguardava nos portões, com sua moto ligada e uma crossbow repousando em suas costas. — Coloquei um sinalizador na mochila, por precaução. Apenas um sinal, e iremos buscar vocês. – Alertou cuidadoso, atravessando as duas alças pelos meus braços, depois que subi na garupa. — Espero que encontre o que deseja. – Por fim, olhou-me, como uma forma de encorajamento.
Não pude agradecer, Daryl deu partida arrancando.
A estrada se tornava ainda mais estreita, assim como o destino dela. Aos poucos, a grande civilização se tornava pequena e ia desaparecendo, sumindo diante as árvores, o mato alto, e o incerto.
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Stay Alive 》Negan [REESCREVENDO]
Fiksi PenggemarSentir a dor, ter o ardente apego pulsante no peito, é o crucial que nos diferencia dos monstros que vagam pela terra. Não importa o quão valente seja, não há como esconder a humanidade que erradia diante as trevas. Continue vivo.