Connor #23
Entramos em formação no mesmo momento que ouvimos os passos descerem pelos degraus. Eu agi rápido e sinalizei para que 723 entrasse em seu casulo até descobrirmos quem era, por medo, ela obedeceu.
Só conseguimos sossegar quando avistamos as chamas automáticas do quartel iluminarem o penteado meio emo e o rosto sardento. Um pequeno cervo era carregado nos braços do homem.
— Graças a Deus — Leonardo disse baixinho, se esquecendo que era ateu.
— Tenente Leviel — eu prestei a continência. Claro que minha vontade era de esculhambá-lo pelo sumiço, mas eu resolvi ir devagar. — Por onde andou?
— A floresta me chamou — disse o tenente Leviel.
Ao ouvir a sua reposta, eu me perguntei: será que todos os tenentes de Halcandor são tiranos lunáticos ou apenas chapados o tempo inteiro?
— Não me olhem com essas caras de toupeiras desdentadas, eu estava os protegendo quando ouvi o chamado deste aqui.
Leviel pôs o cervo filhote no chão, que sapateou de nervosismo no piso do quartel, mas depois se acalmou. Estava com a pata esquerda dianteira levemente ferida.
— Tenente, o senhor trocou mesmo a nossa vigilância para ajudar a esse animal? — Léo quis confirmar o desleixo do tenente.
— Algum problema recruta? — Leviel peitou Leonardo. — Para os Ogmatan, a sua vida e a desse cervo tem exatamente o mesmo valor. A mesma Energia.
— Tenente, você não viu nada cair do céu há pouco tempo? — perguntou Yasuko.
— Eu não. Estava olhando para baixo, oras — o tenente apontou para o filhote ao mesmo tempo que caçoou de Yasuko. — Por que?
— Tenente, precisamos lhe mostrar uma coisa.
Eu quis poupar o tenente Leviel de todo o mistério que vivemos no momento da queda do casulo e sinalizei para 723 aparecer. Ela me viu acenando pela brechinha da abertura e abriu o seu leito meteórico de vez.
Ao perceber a garota verde e com chifres, imediatamente, o tenente Leviel ficou imóvel, assim como todos nós enquanto esperávamos uma atitude de sua parte, mas o primeiro a reagir foi o pequeno cervo filhote, que ignorou a sua pata em recuperação e correu desembestado pelas escadas para fora do quartel.
— É... é... u-u-u-ma terciária — o tenente Leviel gaguejou mais do que falou.
Diante da afirmação do tenente, Abim virou-se para nós:
— O que eu disse?! Eu avisei e vocês ignoraram!
— Mas ela é inofensiva — disse o tenente Leviel.
— E agora? — Leonardo cruzou os braços para Abim.
O tenente Leviel levou o dedo indicador até a boca fechada e pediu por silêncio, depois, ele caminhou com as pontas dos pés até o meio da pista de treino e se agachou para analisar os detalhes de 723 com mais precisão.
— Vocês têm um minuto para relatar por que uma terciária está aqui dentro de seu quartel — Leviel virou o pescoço em nossa direção.
— Estamos sabendo agora que ela é de Terra Três, tenente — Léo assumiu a justificativa. — Ela caiu do céu dentro desse casulo e decidimos trazê-la para cá até o seu retorno.
Qualquer pessoa normal que ouvisse o que Leonardo acabara de dizer, certamente pensaria que ele estava delirando, mas o tenente Leviel estava um pouco longe desse conceito de "terráqueo tradicional". Em vez de nos pressionar até dizermos algo mais convincente do que apenas "caiu do céu", ele começou a rir.
— Zatanael adoraria ver isso fora de uma projeção dos conselheiros — foi o que ele disse entre os sorrisos.
— Tenente, o cervo fugiu, o senhor percebeu? — perguntou Eloise.
— Hã? Cervo? — Leviel coçou o queixo. — Ah, o filhote! Ele ficará bem, fiz um curativo com madeira. Agora, contem-me, onde exatamente ela caiu?
— Depois da mata, ao norte. O clarão no céu chamou a nossa atenção e fomos até lá averiguar, foi quando a encontramos dormindo. Acreditamos que seria melhor se ela estivesse confinada e distante de outras pessoas quando acordasse — eu disse.
— Bem pensado, bem pensado — o tenente Leviel continuou coçando o queixo.
— Perdoe-me, tenente, mas como uma criatura de Terra Três pode ser inofensiva? Todas com quais nos deparamos tentaram nos matar — questionou Abim.
— Bem, enquanto ela estiver nesse estágio não poderá causar mal algum — reafirmou o tenente Leviel.
— Você está dizendo que existem mais fases daqueles monstros assassinos? — perguntou Abim, boquiaberto.
— Se nós somos em recrutas, pré-soldados, soldados, tenentes e capitães, por que os terciários seriam apenas em um, recruta? — o tenente rebateu a dúvida de Abim.
— Por que nunca fomos informados disso? — Yasuko perguntou — não lembro sobre nenhuma aula dos conselheiros sobre a evolução dos terciários.
— Vocês ainda estão no primeiro ano, não é? Esse é um assunto para os alunos do Covil, aprenderão nesse ano que o vento trará, isso é, se vocês forem aprovados — disse o tenente Leviel.
Agora, o que precisamos desvendar é o nível de perigo da situação em que estamos, porque já temos a certeza que o perigo existe, e que ele está bem na nossa frente. 723 vem do lugar que enviou invasores para a festa de boas vindas, que fez uma besta nos perseguir, que nos traiu, e o pior de tudo: que matou a mãe do nosso amigo.
Porém, nem mesmo ela sabe que vem desse maldito lugar. As palavras do próprio tenente Leviel confirmaram a sua incapacidade de causar dano. Ela ainda não está no estágio que carrega lâminas nos punhos e força devastadora, mas a minha preocupação está em por quanto tempo ela ficará nessa forma que é meiga ao mesmo tempo que é demoníaca.
***
Os vejo em breve.