Introdução - Eu sou um Necromante

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  • Dedicado a Vanessa Aquino
                                    

Pois é, já não era fácil ter onze anos de idade em uma cidade pequena...imagina sendo a única criança a falar com os mortos. Sim, isso mesmo, falar com os mortos.
Foi uma infância difícil, meus pais diziam que quando era bem mais novo eu tinha muitos "amigos imaginários" e isso era comum.
Eles no entanto se preocuparam quando chegamos à um velório e eu corri pra abraçar a vovó...
Ah, o velório era o da vovó.

Hoje em dia, tá tudo muito mais fácil, eu já tenho minha vida, meu trabalho, moro sozinho - em termos - e já passei muita noite acordado. Nada mudou em relação à bater um papinho com quem se foi.
O problema real é que eles não precisam dormir e ignorá-los não ajuda muito quando matraqueiam sem parar. Como esse 'encosto' das últimas semanas...

- E ai, você acha que ele mentia pra mim Arthuuuur, Art, me responde por favor?
- Que diferença faz agora Alexia? - disse emburrado com o travesseiro na cara, tentando ignorar a moça branca que já vinha me perseguindo, isso mesmo essa aí me perseguia, era uma carentona que morreu e por algum motivo estava aqui ainda.

Alexia me descobriu através dos fofoqueiros do além que sempre sabiam onde me encontrar, ela apareceu numa noite bem estranha, conversou normalmente comigo no parque e eu quase não percebi que estava morta. Era uma 'recém apagada' - apelido que eu dava aos novatos. Morreu há um mês ou pouco mais e ouviu sobre mim, não perdendo tempo.

Ela aparecia no trabalho, no restaurante e até no banho, não dava pra ignorar pois eu já havia conversado com ela e então ela ficava falando como se eu interagisse mesmo que eu a ignorasse.

Um dia no mercado, ela derrubou uma piramide de latas enquanto tentava que eu a ouvisse, nunca um 'desencarnado' havia tocado algo mundano com tanta força.

Mas voltando ao meu quarto e a matraca do além... a noite foi longa como qualquer outra e eu não tive a menor chance de dormir. Alexia Gerther, uns trinta e poucos anos, era noiva de um esportista, mas viajando para comprar um vestido de noiva na cidade vizinha envolveu-se num acidente de carro com uma escânia - carregada - e não sobreviveu.
O que eu já discordo!

Há anos aparecem pessoas com infinitos problemas e que não descansam em paz e nem me deixam em paz também. Alguns eu consigo ajudar e eles não voltam, não sei o que de fato acontece com eles, mas devem ir para algum lugar no céu ou no inferno.

Nunca voltaram nem pra dizer um "Obrigado por fazer essas maluquices e estragar sua vida pessoal, quase ser demitido e perder todas as suas paqueras pra ajudar a gente, viu?"

É, parece um dom legal, mas quando contei isso à Cristine, minha ex, a reação foi até aceitável...

- Você fala com gente morta? Sério isso? Então acho melhor eu voltar quando bater as botas... Inventasse uma desculpa melhor Arthur!

E, na real, se minha namorada falasse nomes de homens e conversasse pelos cantos o tempo inteiro, vivesse como se guardasse um segredo gigante e me dissesse isso, eu também não iria acreditar. O que me fez entender que seria melhor ficar sozinho, ops, quis dizer sem uma namorada viva por perto.

Eu, sou Arthur Jasen, um necromante... E estou escrevendo porque não sei se sou o único, mas acho que as experiências dos que já se foram poderiam ajudar a quem ainda não partiu...
Como dizia - e ainda diz - a vovó.

As Memórias de um NecromanteOnde histórias criam vida. Descubra agora