2) "Poesia sem nexo de um alguém qualquer"

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Noah estava atrasado para a sua entrevista de emprego, e estava desesperado porque não podia perder uma oportunidade daquela. Fazia meses que estava atrás de um bom emprego, e quando aquela magnífica oportunidade emergiu do nada, sentiu-se animado em enfim poder colocar em prática tudo que aprendeu naqueles anos na faculdade.

Sorria feliz, sozinho, alegre. Não queria criar expectativas, mas já estava feito. Acreditava que seria chamado e pontuou consigo mesmo várias qualidades que o faria ser contratado, e sentiu-se satisfeito com si mesmo.

Com a sua bicicleta, tentava ser o mais rápido possível. Precisava chegar em trinta minutos, mas não sabia se conseguiria. E quando estava tentando ser rápido, se deparou com um congestionamento e viu uma certa aglomeração perto de um prédio ali perto. Não conseguia passar entre os carros, e irritou-se por conta disso.

Enfim, decidiu ver o que havia ali, pois não era comum logo um congestionamento parar aquela rua tão movimentada e de tal importância para a cidade. Desceu da sua bicicleta e a guiou pelo guidom até juntar-se às pessoas que assistiam.

A princípio, não conseguiu enxergar nada, pois não olhava para a direção correta. Então escutou alguém ao seu lado comentar algo parecido com "ele vai pular", e olhou para cima. Assustou-se, porém, pois havia um rapaz ali prestes a se jogar de um andar qualquer naquele prédio. Com os olhos arregalados, sentiu medo. Medo por aquele garoto, cujo aparentava ser tão jovem e já não suportava mais.

— Ele vai mesmo fazer isso? — perguntou, desesperado, ao senhor que estava ao seu lado.

— Tudo aponta que sim! — fora a resposta do homem, cujo ajeitou o bigode com os dedos grossos e acrescentou: — Já faz um tempo que ele está ali! Hora hesita, outra se segura mais firme. Parece estar confuso.

Noah deu um passo à frente, e encostou no cordão de isolamento que a polícia colocara, para que os chamados curiosos não interferissem diretamente — tanto positivamente quanto negativamente — na tentativa de suicídio do garoto.

— Olha lá! Ele está falando algo! — agora uma mulher falou, apontando.

— Eu odeio vocês! Vão embora! Por que se importam agora? Por quê? Me deixem morrer em paz! Nem morrer eu posso mais, é isso? — chorava — Me deixem em paz! — seus gritos eram amedrontados, sofridos e roucos. Pareciam ser palavras sinceras, mas foram duras de se dizer.

Noah escutou dois homens apostarem dinheiro em relação àquele acontecimento. O careca barbudo disse que ele não ia pular, mas o homem mais baixo e que usava roupa social, afirmava que o garoto iria pular. Noah estava assustado, pois no meio daquele caos todo, no meio daqueles comentários fúteis e negativos, daquelas pessoas que estavam mais preocupadas no trânsito e no horário de almoço; tinha uma vida em risco ali. E o que faziam? Exatamente nada. Apenas assistiam, como assistem à um noticiário de TV quando chegam em casa depois de um cansativo expediente, como assistem à uma peça de teatro ou à algum filme no cinema. As pessoas que poderiam estar o ajudando, estão mais preocupados em assistir a sua desgraça e no final aplaudir, ou o melhor, ganhar dinheiro, como aconteceria com aquele homem caso o rapaz se soltasse dali.

Noah, sem mais nem menos, largou a sua bicicleta de lado e curvou-se para passar debaixo do cordão, mas foi logo impedido por um policial.

— Por favor, passe para o outro lado. É por questões de segurança — explicou-lhe, empurrando-o gentilmente para o outro lado da fita.

— Não, não, senhor. Olha o que ele vai fazer! Ninguém aqui mais está se importando com isso! — Noah apontou ao redor.

— Ele não vai pular, tudo ficará sob controle. Preciso que vá para o outro lado, por favor. Ele logo descerá, pois não irá demorar a ficar faminto! Precisamos apenas esperar. — explicou o homem, dessa vez com a mão no seu colete e Noah se perguntou o porquê daquele homem ter vestido aquilo se existia alguém em perigo, onde não envolvia nenhuma arma.

— O quê, senhor? Esperar ele desistir? Se eu fosse ele, não iria fazer isso assim tão fácil. Ele deve ter passado por muita coisa para estar ali, senhor, e não irá desistir só porque está com fome. As coisas não funcionam tão simples assim, senhor. Devemos fazê-lo parar, devemos ajudá-lo! Olha só! Ele parece querer desistir de algo, senão da sua vida? Parece? Hein? — Noah estava claramente revoltado e nervoso. A essa altura, nem se lembrava mais da sua entrevista de emprego.

— Você está ficando alterado! Eu vou repetir mais uma vez: passe para o outro lado, é por questões de segurança! — dessa vez, disse com mais calma e mais devagar.

Noah parou para pensar, então respirou fundo e disse:

— Não, senhor. Sinto muito — se afastou do policial, correndo na direção do prédio e se aproximando gradativamente.

O policial o alcançou e o segurou pelo braço.

— Não estou de brincadeira, rapaz. Terei que te prender?

— Eu... — Noah deixou-se ser levado por alguns segundos, ma parou para pensar — ... Conheço ele. Sim, conheço ele.

— Conhece? — o homem parou, e Noah concordou com a cabeça. — Consegue falar com ele?

Noah quis responder que todos cujos tem boca e voz, conseguiria falar com o rapaz, mas, diante as circunstâncias — ainda mais pelo fato do policial ainda segurar o seu braço —, decidiu concordar mais uma vez com a cabeça.

— Então, por favor, ajude-o — o policial o soltou, e Noah aproximou-se mais do prédio.

Pigarreou.

— Ei! — Noah gritara, e pôde perceber que a sua voz estava rouca e trêmula, por conta do nervoso que sentia e o frio na barriga. Notou que o rapaz sussurrava coisas para si mesmo, e por um rápido momento, sentiu pena dele. Mas passou, porque pena não iria ajudá-lo e nem ninguém. Estaria apenas se igualando à aquelas pessoas que estavam ali apenas por curiosidade e dó.

— Ei! — tornou a gritar — Moço! Moço, por favor! — chamou a sua atenção — Moço, sai da sacada! Posso lhe apresentar um poema? Ou poesia, não sei. Posso? — o rapaz não lhe respondeu, e quando o policial percebeu que o garoto não o conhecia, viera lhe tirar dali. Mas percebeu que pelo menos atenção do suicida já conseguira, e que aquele estranho podia até salvá-lo. — Não é tão bom, pois não sou bom nisso e nunca fui. Mas é de coração. Uma poesia sem nexo de um alguém qualquer, e eu espero que a leve em consideração.

Noah limpou a garganta, e então começou:

"Moço, sai da sacada
Por favor, moço
Temos aqui uma escada
Eu sei, não te conheço
Não sei o seu nome, idade
Tampouco endereço
Mas estou aqui, sincero e percebo
Que estás sofrendo por algo que desconheço
Não precisa gostar de mim
Só quero que me escute
Esse não pode ser o seu fim
Você deve continuar sendo forte
Olha só, moço!
Por favor, para com isso
Percebe a seriedade?
Ninguém aqui está rindo!
Onde estão os seus amigos?
Eles prometeram estar com você?
Por que se sente tão sozinho?
A melhor solução é morrer?
Olha, pare pra pensar:
Quanta coisa você vai perder?!
Coisas simples, bonitas
E não estará aqui para se arrepender
Sei que está machucado
Mas tente me entender
Apesar de todos os seus problemas
Nunca deves desistir
Porque, o que será de seus pais
Quando não mais estiver aqui?
Aliás, o que será de mim?
Sabendo que poderia ter evitado
Um belo jovem de ter se jogado
De um frio e chato prédio, ao lado
De uma lanchonete abandonada?
Não se trata só de mim, eu sei
Pare de chorar por um instante, por favor
Moço, eu sei que sente dor
Mas eu estou a te implorar
Moço, sai da sacada
Não inventa de pular
Pois tem gente que pode te amar
Do jeito que você merece"

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Total de 1.302 palavras

Moço, sai da sacada Onde histórias criam vida. Descubra agora