O Convidado

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LUTO

Eu gostaria de saber o porquê de algumas coisas, mas simplesmente estão fora do meu controle e eu não tenho como evitar. Meu pai era um homem tão generoso, trabalhador e muito alegre. Desde pequena ele já me ensinava todas as coisas boas que sabia e minha mãe tinha muito orgulho da família que tinha formado. Já faz uma semana que ele morreu, e ainda estamos desconexas do mundo, ainda esperamos aquele toc-toc na porta que ele sempre fazia quando chegava, virou uma marca registrada dele. Ah e o casaco jeans com veludo por dentro que nos dias bem frios ele me emprestava, só que ficava enorme em mim, mas mesmo assim eu queria vestí-lo, me sentia protegida. 

Todas essas lembranças agora só faziam doer mais o meu peito, e tudo isso era inevitável. Minha mãe continua muito calada, e nem a loja do papai ela tem aberto. Um pedaço de nós havia partido e não sei se vamos nos curar ou os dias vão nos ensinar como superar.

Jã são quase oito da noite e uns amigos me chamaram para uma social, só que não estou muito no clima, e ao mesmo tempo eu quero tentar me distrair, mesmo sabendo que o Timothy vai estar lá e sinceramente ele não consegue esconder o que sente por mim, mas não é o momento.

Enfim, eu decidi ir e chegando lá percebi que eram poucas pessoas, Laila e Vanessa, duas amigas do alojamento da faculdade, Daniel, Timothy (aquele apaixonado por mim) e Ray, primo de Vanessa.


A SOCIAL

A música estava tocando, os aperitivos estavam na mesa, mas não tava muito divertido até que Timothy me chamou para conversar, e eu já desconfiava do assunto. 

Me levantei e fui até o corredor mais afastado perto da cozinha só esperando aquelas mesmas palavras que ele sempre dizia: "Sophie, você precisa do meu amor", "Vamos ficar juntos", "Deixa o passado pra trás" e blá blá blá. Eu não estava afim disso e foi exatamente o que ele disse, mas eu só queria ir embora, não estava muito bem até que Timothy me beijou e depois de alguns segundos tentando me afastar eu consegui.

Fiquei muito brava com ele, que ficou mudo enquanto eu lhe dava broncas e mais broncas. Laila e Vanessa vieram correndo da sala para ver o que tinha acontecido, mas eu estava tão nervosa que não conseguia falar, apenas urrar de tanto ódio. Como que ele se sente no direito de me beijar assim? No estado em que eu estou?

A VOLTA

Não quis continuar na social depois do ocorrido, e decici ir caminhando pra casa pois não era tão longe, e mesmo se fosse eu iria porque precisava respirar ar puro e reorganizar meus pensamentos. Estava uma noite bem bonita, um tempo fresco, e nem estava tão tarde assim. Liguei para a minha mãe avisando que chegaria em alguns minutos e pude perceber pela voz dela que ainda estava bem desolada. Uma situação muito delicada que o tempo nos ensinará a lidar.

De longe eu pude ver alguém deitado bem na calçada da minha casa, fui me aproximando aos poucos porém com muita cautela. Era um homem, e estava dormindo suavemente, seu sobretudo azul marinho estava encharcado e seus sapatos sujo de lama. Ele não parecia um mendigo pelas suas vestes, mas qual seria o motivo de estar ali jogado no chão numa noite tão fria.

Cutuquei seu ombro umas três vezes até que os olhos dele se abriram aos poucos, e logo ele se levantou pedindo desculpas por estar bem na porta da minha casa. Eu fiquei com muita pena do homem, que ao meu ver devia ter uns trinta e cinco anos, cara de executivo, mas essa é só a primeira impressão. 

ANGEL

Ele disse que iria embora, mas eu ofereci um chá a ele, sabe se lá quantas horas ele ficou no frio e também porque sou muito solidária e não custava nada só um pouco de chá. Ele ficou um pouco sem graça, mas aceitou. Como de costume minha mãe sempre trancava a porta depois que eu saía agora que era somente eu e ela. Toquei a campainha e em alguns segundos ela abriu a porta e se surpreendeu quando viu o homem ao meu lado.

Sem querer parecer muito curiosa, ela devia estar pensando que era algum amigo meu do tempo de faculdade, mas quando eu expliquei, ela automaticamente teve a mesma solidariedade que eu e também lhe ofereceu um chá.

Eu e minha mãe ficamos observando o homem, mas era algo extremamente estranho ter novamente um homem em casa assim tão rápido, e exatamente quando estávamos sentindo a falta dessa figura masculina. Parecia um pouco loucura ou carência, mas depois que o homem tomou seu chá perguntamos o nome dele e óbvio que parecia ironia quando ele disse de forma suave e direta "Angel".

O CONVITE

Minha mãe não parava de conversar com Angel, eram tantos assuntos em comum e eu ficava de lado, mas estava sendo realmente muito bom vê-la sorrindo e conversando, e Angel era tão simpático, solícito e cavalheiro. Eu estava andando sozinha pela cozinha ouvindo as gargalhadas que vinham da sala, e também queria fazer parte disso, mas também estava vendo a minha mãe viva novamente.

Voltei para a sala e entrei na conversa que estava ótima, Angel nos contara sobre suas viagens, mas eu não pude me conter e logo perguntou se ele havia formado uma família ou se ainda procurava, e ele não teve problema em dizer que não procurava, mas se aparecesse daria muito valor a quem estivesse ao seu lado.

Conversa vai e conversa vem, finalmente perguntamos o motivo dele estar dormindo na nossa calçada, e Angel apenas disse que tinha pegado um atalho para voltar ao hotel onde estava hospedado, mas se sentiu muito fraco e acabou não tendo mais forças para andar e se sentou, mas depois deitou e dormiu sem querer. 

Eu e minha mãe estávamos mais tranquilas de saber que foi apenas um mal estar, só porque ele era gente boa também poderia ser um psicopata. Depois que tudo estava entendido, Angel nos agradeceu e disse que voltaria para o hotel, porque em três dias tinha que voltar para a sua cidade, e logo minha mãe ofereceu dele ficar com a gente ao invés de ficar no hotel. Eu também insisti e acabamos vencendo. 

Angel foi no hotel pegar suas coisas enquanto eu e minha mãe arrumávamos o quarto de hóspedes pra ele, até que minha mãe se mostrou muito alegre e ansiosa, eu estranhei isso e perguntou o porquê de tanta euforia, até que ela respondeu que tinha sentido novamente o amor e Angel veio para curar o seu luto. Eu demorei um pouco pra entender, mas era exatamente isso, minha mãe estava apaixonada por Angel. Como contar a ela que eu também estava apaixonada ou enfeitiçada? Angel nos encantou de uma forma muito profunda porque sentimos que ele era para nós.

Não consegui esconder e contei à ela que também estava envolvida por Angel, e ela não se importou, pois não era culpa nossa esse sentimento, estávamos em falta tanto do amor de pai quanto do amor de marido. 

- Em três dias ele vai embora! - eu disse, bem triste.

Minha mãe sorriu e disse:

- Não vai não! Tenho um plano!




Continua ...



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⏰ Última atualização: Nov 11, 2017 ⏰

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