Capítulo 2

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Quinta-feira, 10 de julho de 2013. Hora do almoço.

O refeitório era um amplo salão de piso de madeira reluzente, onde mesas quadradas de mármore branco estavam alinhadas em fila, cada uma com 8 cadeiras emborrachadas na cor verde, quatro de cada lado. Os meliantes trajavam macacão laranja e estavam sentados à mesa se empanturrando com a deliciosa refeição. Tirando as torturas, as horas de trabalho forçado e as aulas entediante sobre disciplina feminina, até que o lugar não era ruim.

— Ainda não tô acreditando que estamos em uma prisão comandada por mulheres. — Ademir protestou. Machista que era, não aceitava aquela situação. — Devíamos começar uma rebelião e assumir o poder.

— Não sei se você notou, mas somos minoria. Sossega o rabo aí nessa cadeira. Eu não quero ir pra solitária. — Ananias retrucou.

— Não sei não, caras. Eu até que tô gostando. A comida é boa, e, olha em volta... a minha vida toda, eu sonhei com isso. — Valdir comentou, devorando a comida feito um esfomeado.

— Cê pirou? Estamos em uma prisão. Essas mulheres não dão a mínima pra gente. Vamos morrer na seca. — Ting rebateu.

— Diga isso, por você. Eu vou passar o pinto em uma dessas putas, antes do fim do mês.

Parando a colher cheia de comida a meio caminho da boca, Ting franziu o cenho e reclamou:

— Deixa de ser convencido, Clóvis... Até agora você contou vantagem, mas agir que é bom nada.

Josemar, um mulherengo convicto se voltou para a turma de amigos falastrões, com o rosto transtornado e os olhos esbugalhados.

— Vocês poderiam ficar quietos?! — gritou ele, em tom de censura. — Estão tirando a minha concentração!

— Concentração?! E, em que você tá concentrado? — Ademir quis saber, com uma expressão entediada no rosto.

— Você sabe! Em olhar para essas bundas lindas! — Josemar esclareceu, a voz acelerada igual a de um drogado alucinado.

Ting, olhou a cena, com pena do amigo, que estava perdendo a cabeça. Também, estavam cercados por guardas bonitas e não podiam provar, olhar sim, tocar não. Ficar excitado, hum, era a sentença de uma punição grave. O japonês já tinha sido punido uma vez por mal comportamento e não gostou do castigo que recebeu. Só de lembrar do dia, sentia calafrios.

— Vocês já falaram com alguma das guardas? — Vadão perguntou. Todos ficaram estáticos e viraram apenas a cabeça para fitar o negro, que, desde que começou a andar com o grupo, não tinha aberto a boca para falar um "a".

— Não! — Josemar replicou imediatamente, a voz visceral. Clóvis tossiu e disse:

— Eu também não.

— Idem... — Ananias acrescentou, sentindo-se envergonhado.

Vadão respirou fundo e ficou pensando: o quê? Nenhum desses babacas também falaram com elas. Pudera, todos que aqui chegaram foram intimidados por horas, com as mais terríveis das torturas... Complexo de inferioridade.

— Bom, eu... estou indo. — Vadão sussurrou e se levantou, depois falou em um tom mais alto e decidido: — Eu vou lá falar com uma das guardas!

Todos à mesa, olharam para ele e falaram em uníssono:

— Você deveria ficar satisfeito em apenas observar!

Clóvis tossiu novamente, agora fazendo pouco caso da coragem do amigo.

— É melhor não. Sua situação vai ficar complicada se elas começarem a te odiar por essa falta de respeito. — Ananias o advertiu, mas por dentro tava torcendo para ver o negro se dando mal.

— Isso mesmo, é melhor desistir. — Ting reforçou o sermão.

— Calem-se, seus idiotas! — Vadão gritou, enfurecido, sentindo-se cheio de si. — Desde que cheguei aqui, tudo que fiz foi ficar observando... chega! Eu quero fazer todo tipo de coisas com essas feministas... coisas que eu sei que vocês querem fazer também, mas não tem colhões para enfrentá-las. Pra mim... já deu! Hoje é o dia.

Levantou um braço dobrado à frente do torso e serrou o punho, para então dizer:

— Fiquem olhando e paguem pau, seus Babacas covardes!

Saiu andando e foi em direção à duas guardas, que estavam de costas.

— Com licença.

Elas se viraram lentamente. Estavam vestidas com um macacão preto e justo, acentuando perfeitamente a silhueta e enfatizando suas curvas atraentes. Só que o brasão de Joana d'Arc enfiando uma lança no coração de um homem caído, costurado sobre o seio esquerdo, bordado de vermelho sangue: resistência feminina, era um banho de água fria na libido de qualquer homem. Mais intimidador, impossível!

— Eu... eu... — Vadão gaguejou e uma euforia tomou conta dele, acompanhada daquele friozinho na barriga que o fez tremer. Droga! Eu não consigo pensar em nada pra falar. Enrijeceu o corpo e ficou paralisado.

As duas mulheres o confrontou, com uma expressão frígida.

— Er... bem... ah... — gaguejou de novo e ficou com medo, pois as palavras fugiram de sua mente.

Simone era uma das guardas. Lhe deu um sorrisinho atrevido e ficou calada, enquanto Andréia o fitava com um olhar regelante. Vadão tentou e tentou falar, mas só soltava grunhidos. Entrou em pânico.

— Ei, vocês duas vem comigo. — Elisa se aproximou, com uma metralhadora P90 em riste. Ela era a personificação de uma beleza diabólica. Saiu andando com as companheiras de farda, deixando para trás: um negro gaguejando sozinho.

— Eu disse que era inútil. — Ting cochichou para Ademir.

Vadão a essa altura não sabia mais o que estava fazendo. Suas pernas começaram a andar sozinhas rastejando-se atrás das guardas. Estava igualzinho a um cão vira-lata, babando por um osso.

— No meu primeiro dia aqui, eu tentei conversar, mas nenhuma sequer quiseram falar comigo! E ainda por cima fui linchado.

— Talvez seja por que você é um nojento. — Ademir respondeu para Ting.

— Isso não é verdade! — gritou ele em resposta, sentindo-se insultado.

— Fui ignorado. — Vadão falou, desanimado, se deixando cair na cadeira emborrachada, cruzando os braços em cima da mesa, escondendo o rosto humilhado neles.

— Viu, seu Besta! Eu te avisei! — Ananias vociferou. Queria ver o que ia acontecer, mas vendo o estado lastimável do amigo se sentiu condoído por ele. — Se você ainda não percebeu... somos odiados por essas vadias desprezíveis! São uns bandos de mal-amadas que não vão pensar duas vezes em arrancar nossas bolas. Temos que jogar o jogo delas, até descobrirmos um jeito de fugirmos daqui. Concordam?

Todos à mesa, assentiram quietos e cabisbaixos.

Abaixo o MachismoOnde histórias criam vida. Descubra agora