[Flashback]
- Quer mais um guardanapo?
Observo a garçonete à minha frente. Estranho e incomum momento em que emudeço e esqueço o que ia dizer.
Os fios loiros caindo pelo rosto corado e os olhos castanhos que captam a luz natural, involuntariamente, me tiram o fôlego e tenho de olhar para o cardápio a fim de não continuar ali paralisado, diante dela.
- Vou atender os outros clientes, se precisar, é só chamar. – Diz olhando para mim e novamente atento para seu rosto embutido em um sorriso maliciosamente discreto.
- Tudo bem. – Respondo da maneira mais patética, pois sei que fico assim diante de qualquer garota. Mas Darice era diferente.
No período de uma semana tomando café ali, fazia questão de que ela me atendesse, de forma que logo aceitou um primeiro encontro.
Tudo nela era agradável – tínhamos muitas coisas em comum, como os hobbies caseiros de cozinhar – e tive a grande surpresa de ser correspondido.
Depois de um tempo, o namoro logo veio. Moramos juntos e tudo ia bem até que tive problemas financeiros. Ela continuava sua vida, seu círculo social e alcançou a carreira de secretária que tanto queria. Eu passei a ficar em casa, me virando com bicos. Mas Darice começou a viajar e não tinha tempo para mim.
Se tivesse aquela idade ainda, diria que era "normal" o relacionamento se distanciar depois de morar junto ou que não precisava estar grudado o tempo inteiro.
Geralmente estar com ela era tudo o que queria, mas formei muros ao redor do meu coração, me auto afirmando de que Darice é que tinha que mudar. Mesmo assim evitava discutir isso com ela – porque achava que só pioraria o que havíamos construído – e não fazia ideia de estava apenas destruindo o resto do nosso relacionamento.
3 de setembro era aniversário dela.
"Estou chegando em casa para comemorarmos."
Li a mensagem como se fosse um folheto de mercado. Já não tinha tanta relevância Darice se desculpar com alguma atividade diferente como casal. Ela era assim, gostava de trocar as coisas. E ela não percebia isso.
Sua vida inteira, seus planos, suas amizades, praticamente tudo girava em torno de seu trabalho e como isso me incomodava!
Passei na floricultura, comprei lindas tulipas de cores variadas, porque Darice amava misturar cores e comprei ingredientes no mercado.
Chegando em casa, coloquei a sacola no balcão e comecei a preparar um bolo do meu jeito, claro.
Preparei a mesa com pratos talheres, um pano bordado que ela adorava e o vinho.
Passei algum tempo a olhar para a vista metropolitana de Manhathan da varanda de nosso apartamento. Os carros iam e viam em ritmo frenético e me desafiavam a adivinhar em qual táxi Darice viria para casa.
Passaram-se horas e coloquei as flores em um vaso, para não murcharem.
Eu não poderia esperar a vida inteira.
Com fome, comi meu pedaço de bolo com fundo queimado e me joguei no sofá amassando minha melhor camisa de propósito, afinal eu não sabia com fazer desaparecer de minha memória mais uma desfeita da seção 'mágoas de Darice'. Terminei a comemoração tomando metade da garrafa de vinha e assistindo uma série qualquer. Dormi antes de o episódio acabar.
No dia seguinte, acordei com cheiro de café na casa e rapidamente me levantei andando, ou melhor, correndo em direção à cozinha.
Dei de cara com Darice, toda serena e harmoniosa, preparando o café da manhã. Claro, ela não viria de mãos abanando.
- Oi amor, vem tomar café.
Fito minha namorada. O mesmo rosto, porém não sei o que mudou. Por um instante, não sei o que dizer, como da primeira vez que a vi. Só que não estou mais deslumbrado com sua beleza, estou surpreso pela naturalidade com a situação.
- Tem certeza de que é café que eu quero agora? – Digo o que poderia ser levado com malicia em qualquer momento que não fosse este.
Darice finalmente fita meu rosto grave com atenção e seu lábio treme de forma que aprecio seu nervosismo. Aproximo-me devagar olhando na mesa o que ela preparou, ouvindo-a finalmente dizer:
- Vamos conversar sobre isso depois.
Percebo que sua feição passou a estar preocupada - o que de imediato não me surpreendeu tanto, considerando a mágoa em meu peito. Darice era incrivelmente transparente de vez em quando.
- Ok. – Me sirvo de café e um pão com queijo mussarela.
Por alguns minutos, comemos em silêncio, mas ela é a primeira a se render.
- Desculpe amor.
Viro meu rosto para Darice. Continuo em silencio, pensando que talvez haja uma boa explicação – se é que vou aceitar.
O rosto dela se contrai de forma que as lágrimas começam a saltar.
- Eu não sei o que está acontecendo com a gente...
Levanto-me.
- Eu também não sei. – Escondo minha dor por trás da frieza, o que provavelmente a faz chorar ainda mais.
- Eu estava com Lilian e ela fez uma festa surpresa... Não tinha ideia de que ficaria tão magoado.
- Não estou magoado. – Digo de forme firme, para disfarçar meu desapontamento.
Por um instante, ela abriu aqueles olhos castanhos, em um misto de surpresa e incredulidade.
- É mentira. – Ela disse afirmando e se levanta me fitando. Os olhos castanhos como duas facas me rasgando.
- Eu ainda te conheço, Chris. – Mais um golpe duro.
Engulo em seco e permito-me segurar os ombros dela.
Existem poucos momentos na vida de um homem que marcam de forma profunda.
- Não estou magoado, Darice. – Observei os traços suaves de seu rosto. – Estou com raiva e... Não posso suportar isso por mais tempo.
Os lábios dela se entreabriram e sua expressão se abriu como um leque branco.
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Déjà Vu Entre Nós
Cerita PendekFaço parte da turma de homens quarentões com corações quebrados - o meu está em farelos - guardando comigo uma história de amor que não deu certo. Uma série de bobeiras, detalhes que não enxerguei antes mas agora... Tudo parece claro para mim. ...