2 | countryside

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                                                                           19 de maio de 2016


                                                                                        Julieta 

Quando meu pai disse que tudo poderia ficar pior eu realmente não esperava que ele fizesse aquilo que prometeu. Claro que das outras vezes eu já o tinha desobedecido, porém nenhuma dessas vezes ele me trancou em uma cobertura sendo vigiada por um bando de ogro 24 horas por dia. Tudo bem, dessa vez eu realmente tinha passado da conta, fugir da festa anual da sua empresa e ainda conseguir a façanha de ser banida de um clube por subir em cima do balcão e fazer uns caras fazerem striptease não foi lá um bom exemplo de filha. Eu praticamente morri de tédio nos dois meses que ele me deixou de castigo, além de ter que sair com ele pra todos os eventos sociais cheio de velhas e chatas, eu tive que me mudar pra uma das coberturas dele onde eu era monitorada. Eu tentei até conversar com minha mãe para que ela tentasse o convencer a me tirar do meu castigo, porém ela disse que nada poderia fazer, que eu merecia o que estava acontecendo comigo. Claro que eu não esperava nada da minha mamãe, ela só falava com meu pai pra pedir mais dinheiro, mas não custava nada tentar. 
E como se me colocar de castigo fosse pior, meu pai tinha feito questão de me arrastar pra primeira luta do ano do seu lutador favorito: aquele gostoso do AdrianDaniels. Eu sabia que Daniels morava em um interior, a maioria deles sempre eram algum projeto de garoto rebelde que só sabiam conversar com os punhos em vez de com a boca. E que boquinha linda, devo ressaltar. Senhor, me ajude! Lembra da última vez que você deixou cair nas graças de um lutador, Julieta, as coisas não acabaram muito bem para o meu lado. 
- Por que a gente está aqui mesmo? – Perguntei, descendo do carro. Daniels morava em alguma fazenda no meio do nada, era um lugar bem vasto, cheio de planta, animais e, claro, muita terra. Respira Julieta, não deixa o gene da sua mãe falar mais alto. Você não é uma patricinha pretensiosa e preconceituosa! Você é melhor do que isso. Respira fundo, e tenta segura a língua! 
- Porque nós viemos visitar a família do meu lutador preferido. Você sabe como funciona, Julieta. 
- O senhor deveria ter ao menos me avisado que iríamos fazer uma visita à uma fazenda, eu poderia ter colocado outras sandálias, agora meus saltos estão estragados. – Apontei para minhas botas. – Eu vou ter que comprar novos quando voltarmos. 
- Patricinha fresca. – Escutei Daniels resmungar ao meu lado. 
- O que disse? – Me virei pra ele. 
- Nada. 
- Você me chamou de patricinha fresca. 
- Pensei que a quantidade de álcool tinha danificado seu cérebro, mas vejo que esse estrago ainda não aconteceu, ao contrário de outros, né?! 
- Eu deveria partir essa sua cara no meio, Daniels. – Ele jogou a cabeça pra trás, gargalhando alto. 
- Eu gostaria muito de ver você tentar. 
- Não é só porque é lutador que você é o único que sabe lutar. 
- Então você luta também? Qual a sua categoria? MMA pela nova bolsa da Channel? 
- Você é muito atrevido, Daniels. Eu deveria... 
- Julieta, cuidado pra não pisar no.. – Foi aí que eu pisei algo extremamente macio, afundando o meu pé. Eu não tive nem coragem de olhar pra baixo, apenas fechei meus olhos e respirei fundo. 
- Por favor, não me diz que isso é... 
- Cocô de vaca. Se você escutasse algo além do tom da sua voz, patricinha, escutaria meu aviso. – Adrian disse, rindo, antes de sair andando na frente. Sem olhar pra baixo, tirei meu pé e logo me arrependi amargamente de ter desobedecido meu pai. 
- Pai! – Eu gritei, fazendo com que ele parasse e virasse para mim. – Eu quero ir pra casa! Agora! 
- Creio que isso não vai ser possível, querida filha. Você está de castigo. 
- Eu já tenho 21 anos! – Joguei as mãos para o alto. – Eu não vou sair daqui a não ser que seja pra ir pra casa. – Cruzei os braços, tentando manter a melhor cara séria que eu podia. 
- Você vai esperar muito tempo em pé, então. – E então ele voltou a andar em direção a casa novamente, sem nem ao menos olhar por cima do ombro. 
- Eu não vou sair daqui, eu não estou brincando! Eu quero ir embora desse lugar, e eu quero ir agora! Pai! – Ele entrou na casa, batendo a porta alto. Julian, o segurança que veio conosco, começou a andar em direção a casa. Adrian saiu da casa e andou em minha direção. 
- Por que as coisas nunca são simples com você? Por que você tem que tornar tudo tão difícil? – Adrian falou, frustrado, colocando as mãos no bolso. 
- Talvez pelo fato de eu ter acabado de arruinar as minhas botas nova da Aquazzura. Você sabe quanto custa um par dessas botas? 
- Você supera. Quando voltarmos pra Nova York você compra outra. Agora vamos lá pra dentro. 
- Eu só vou sair daqui se for pra ir pra casa. – Respondi com a voz firme. 
- Eu vou adorar cada minuto disso. – Ele sorriu de lado e quando eu menos esperei, estava sendo jogada pelos ombros de Adrian, sendo levada em direção a casa. 
- Adrian, me coloca no chão! – Ele continuou me levando em direção da casa enquanto eu protestava. – Você é um brutamonte! 
- Adrian Daniels, coloca a menina no chão agora! – Escutei a voz de uma mulher vindo da casa. – Não foi esse jeito que eu te ensinei a tratar as visitas. 
- Ela é só é visita por falta de opção porque se eu pudesse deixava ela no primeiro hotel, de preferência um que fosse o mais longe possível. – Ele me colocou –ou melhor, me jogou– em cima de um banco como se eu fosse um saco de batata. 
- Bruto! – Eu disse, olhando pra ele. Adrian apenas cruzou os braços e rolou os olhos. 
- Mimada! 
- Adrian! - Uma mulher, na casa dos seus 40 anos, deu um tapa em seu braço. Adrian só rolou os olhos, o que fez com que ela desse outro tapa nele. – Você sabe que eu odeio quando você rola os olhos pra mim. – Ela disse, antes de olhar pra mim com um sorriso nos lábios. – Olá, Julieta, eu sou mãe do Adrian, Mia. – Ela olhou pra minhas botas e depois pra mim. – Vejo que você estragou as suas botas, eu realmente sinto muito, o nosso ajudante não veio hoje e Adrian não me avisou que teríamos visitas. 
- Tudo bem, eu não estava olhando pra frente, a culpa foi minha. – Adrian olhou pra mim com uma expressão chocada. Aha! Ele achava que eu ia tratar um senhorinha simpática como a mãe dele com desdês. Na sua cara, lutador! 
- Se ela parasse de falar um segundo, teria escutado meu aviso. 
- Talvez você tivesse falado antes da gente sair do carro. – E de repente, uma ideia apareceu em minha mente. – Você fez de propósito! 
- Não se iluda, patricinha. 
- Eu trouxe um saco pra você colocar suas botas. – Ela me estendeu um saco e eu peguei. 
- Muito obrigada. – Olhei pra minhas botas e eu quase chorei. Eu realmente não queria fazer isso. – Está tudo bem, use o saco pra tirar as botas, assim você não tem que tocá-las. 
- Eu realmente preciso fazer isso?! – Mia olhou para Adrian, que balançou a cabeça e pegou o saco de minhas mãos, tirando minhas botas em um movimento rápido. 
- Pronto, patricinha. – Ele amarrou o saco e jogou no chão. O meu coração apertou dentro do peito, aquelas eram minhas botas preferidas. – Agora se me dão licença, eu vou tirar as malas da vossa majestade de dentro do carro. – Adrian voltou praticamente correndo em direção ao carro. 
- Espera ai. – Eu comecei, fazendo com que Mia olhasse pra mim. – Nós vamos mesmo ficar aqui? 
- Pensei que seu pai tinha te dito, nós temos bastante lugar na casa. – Mia disse com o maior sorriso e como eu não queria quebrar o coração dessa senhorinha muito simpática, o completo oposto do seu filho, eu apenas decidi que iria dar uma chance a vida na fazenda. A Paris Hilton e Nicole Ritchie conseguiram, eu também consigo. 
- Nós não estamos nos melhores termos no momento. – Eu comecei, me levantando. – Mas é claro que eu vou adorar ficar aqui, Adrian falou muito o quanto a sua comida é boa então será uma honra que a senhora nos receba. 
- Pensei que Adrian e você não fossem amigos pelo jeito que vocês se implicam. 
- Oh, mas eu escuto o que ele fala, mesmo que ele não saiba. – Eu disse, começando a andar em direção a porta. – Ele também disse que a senhora tem uma filha, Anna, não é mesmo?! 
- É, ela está no último ano do colegial, quer cursa moda em Nova York no ano que vem. – Ela disse, me guiando em direção a cozinha. A casa era enorme, eu já tinha percebido pela fachada, Adrian tinha falado dentro do carro que a casa pertence a sua família por décadas, porém algum parente louco a tinha colocado para vender e o novo dono a transformou em uma fazenda. A mãe de Adrian, Mia, tinha lutado com unhas e dentes pra conseguir a casa de volta e com o novo emprego do filho, ela tinha conseguido finalmente se livrar de todos os problemas financeiros e chamar o lugar de lar. 
- Se a senhora quiser, eu posso ajudá-la a escolher o melhor curso pra ela, eu sou formada em design de moda e tenho uma boutique em parceria com duas amigas. 
- Você faria mesmo isso? – Ela perguntou enquanto nós entravamos na cozinha. Meu pai e uma garota estavam sentados na mesa conversando e comendo o que aparentava ser o café da tarde. 
- Claro que sim. 
- Anna, essa é a Julieta, filha do senhor Bellucci. – A garota sorriu e acenou pra mim. – Ela estava dizendo que podia te ajudar a escolher a melhor faculdade de design de moda em Nova York. Ela é formada e tem uma boutique com suas amigas. 
- Sério? – Ela pulou da cadeira e parou em minha frente. – Qual o nome da sua boutique? 
- Mapri Boutique. 
- Mapri? – Ela praticamente gritou, fazendo com que eu desse um passo pra trás. – Vocês tem as melhores roupas, um preço razoável e uma identidade definida inspirada em na indumentária das roupa desde o tempo pré-histórico até o século XXI, trazendo uma releitura moderna com seus gostos pessoais. Como você fizeram isso? 
- As coisas boas de ser uma patricinha filhinha do papai. Se você quiser, eu passo tudo sobre o curso, as melhores faculdades, melhores lugares pra trabalhar e tudo que você quer saber. 
- Sim. – Ela respondeu, segurando meu braço e pulando. 
- Ótimo! Então você pode me levar pra dar uma volta pra conhecer a fazenda enquanto eu te conto tudo. – Olhei para os meus pés. – Mas antes eu preciso arrumar outro par de botas, eu não posso andar pela fazenda de meias. 
- Eu tenho um all star que eu posso te emprestar. 
Fazia tanto tempo que eu não usava um sapato que não tivesse saltos, eu nem lembrava quando tinha sido a última vez, mas é como dizem: se está no inferno, melhor abraçar o capeta. Adrian não estava aqui pra fazer jus a esse ditado, com aqueles braços musculosos, torneados, com aquele corpinho cheio de tatuagens de alguma coisa referente a luta que eu pouco me importava, mas queria tocar. Julieta, acorda, mulher, lutador = fora dos limites! Perigo! Perigo! Roger! Roger! 
- Eu adoraria. Quanto você calça? 
- 39. 
- Eu também. – Entrelacei meu braço com o dela. – Vamos, Anna, me mostra o que Wimberley tem de bom. 


                                                                                  Adrian

Isso só podia ser a porra de um pesadelo. Primeiro minha mãe começou a gritar comigo o quão mal educado eu fui logo que eu voltei do carro com um arsenal de malas que pertenciam a nada mais nada menos que vossa Majestade, a rainha de todas as patricinhas, Julieta Bellucci. A garota fala mal de onde eu moro, reclama o caminho todo, me culpa por ter pisado na bosta de vaca e ainda me faz tirar suas botas. Eu tinha que ficar puto alguma hora, especialmente quando ela falava comigo com aquele nariz empinado que ela tinha, como se fosse a minha chefe. Depois, Anna, que entrou no meu quarto apenas pra dizer que Julieta era garota mais simpática que tinha conhecido e que ela não via a hora de se mudar pra Nova York pra poder passar mais tempo com ela. É, parecia que Julieta Bellucci tinha entrado na minha vida e não era só de passagem, ela seria o meu constante tormento. E que tormento maravilhoso esse que eu arranjei, lindo de se ver. Foca, Adrian, a filha do seu chefe com certeza não é para o seu bico. Uma patricinha e um lutador? Onde já se viu?
- Anna, já terminou com o seu discurso? – Perguntei, colocando a minha camisa. – Eu vou encontrar os caras no bar, quero passar um tempo com eles antes de ir embora.
- Eu ainda não entendo como você não gosta da Julieta, ela é uma garota tão maravilhosa. Sem falar em como ela é linda, parece que saiu de uma campanha de revista.
- Me poupe, Anna, você só conheceu a garota a menos de 6 horas.
- Não sou só eu que a acha incrível, a mamãe também estava falando maravilhas sobre ela com o senhor Bellucci.
- Se isso é um pesadelo, eu quero acordar agora. – Fechei os olhos, mas a única que eu recebi foi um travesseiro na cara.
- Larga de ser ranzinza, Adrian, e dá uma chance a menina. Vocês só começaram com o pé errado.
- O pé? Você quer dizer o corpo inteiro. – Eu me virei pra ela. – Já imaginou, uma patricinha e um lutador, amigos? O que é que a gente ia conversar? Sobre qual o melhor movimento pra ela conseguir aquela bolsa da promoção? Ou que cor dos meus shorts realçam mais os meus olhos?
- Você a está julgando sem nem ao menos conhecer.
- Eu conheço o tipo dela.
- Adrian, você sabe melhor do que ninguém que não se deve julgar as pessoas baseado em alguns fatos que você conhece sobre ela. Tem muito mais debaixo daquela primeira, segunda ou até milésima impressão. Quem te ver não acha que a sua cantora favorita é Adele, que você chora toda vida com Someone Like You e Jane Austen é a sua escritora favorita. Você tem uma biblioteca em casa, pelo amor de Deus, eu nem consigo passar da primeira página de um livro sem ser obrigada.
- Você sempre joga baixo.
- Você não me deixa escolha. – Ela se levantou. – Eu vou pro quarto da Julieta, nós vamos assistir Sex and the City. Boa sorte na noite. 

      

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