Quinto capítulo - Laranja amarga.
Rio de Janeiro.
Ao sorrir, covinhas se formavam nas bochechas de Juliana.
Como poderia uma pequena falha genética causar tamanho impacto e encantamento juntamente com um sorriso que nada tinha de mais especial além de dentes brancos e bem alinhados? Juliana certamente não tinha noção da sensualidade natural que transbordava – ou tinha e fazia-se valer disto para atrair a atenção de pobres coitados como si – em suma, a maioria das mulheres parece não saber. Mas Juliana ainda preserva algumas características de menina, como quando faz um som engraçado pelo nariz ao gargalhar de algo que julga engraçado, quase sempre as risadas são causadas por alguma piada que os amigos lhe mostram no celular, aí está o cúmulo do ser patético: sentir inveja de um aparelho de comunicação. Mas também, pudera, os olhos dela ofuscavam estrelas quando bem acompanhados do bendito sorriso dono das covinhas... A manhã estava fria e suas bochechas levemente rosadas. Não deveria encarar tanto, pensou, inquieto. Por um momento, atrapalhou-se com os livros que carregava enquanto andava pelo campus e observava sua musa, quase foi ao chão, mas apenas tropeçou e arrancou risadas daqueles que estavam mais próximos, ela não o notou. Nunca notava. Como poderia notá-lo? Não passava de um grão de areia em meio o vácuo do universo.
O universo já foi considero esférico e constituído por múltiplas camadas. Era o domínio dos Deuses e de forças cósmicas poderosas, em cujo centro estava o planeta terra. Hoje, no entanto, essa concepção mudou, mas para muitos o universo permanece repleto de significados misteriosos e profundos: o cosmo. E é justamente no mistério onde Francisco toma como base seus estudos e curiosidades acerca do desconhecido, apaixonado por corpos celestes e simbolismos, o rapaz de vinte e dois anos divide seu tempo entre o Teatro e as pesquisas sem propósito maior além do contentamento pessoal que realiza na universidade. Solitário, facilmente poderia ser descrito assim, mas não como uma solidão triste – se porventura existir uma feliz – apenas tinha consigo mesmo os melhores momentos vividos, sendo estes em maioria protagonizados em seu apartamento que mais lembrava um cubículo de tão pequeno, porém, indiscutivelmente aconchegante. Mas em seus pensamentos noturnos, Juliana estava lá com os belos cabelos castanhos e sorria diretamente para si, existindo, então, apenas os dois e o resto do mundo poderia explodir.
– Ei, cara, você está me ouvindo? - Cloe indagou, cutucando-o.
Cloe não era a bela moça cuja fazia parecer a tarefa mais simples do mundo roubar a sua atenção, era diferente, apenas uma jovem de vinte e um com aparelho odontológico e sardas pelo rosto, sua melhor amiga, cursar Física juntos fora meio inevitável. A ruiva era extremamente inteligente, mas preferia passar seu tempo livre paquerando Lucas, um aluno do curso de medicina e antigo integrante do time de futebol do condomínio, em comum com a amiga, Francisco tinha as paixonites pelos membros populares da elite estudantil.
-- Não. - respondeu simplista. Não a estava escutando, de fato, e pouco a notava andando ao seu lado. Quando Juliana aparecia em seu campo de visão, todo o resto deixava de importar, como já foi dito. Suspirou, encarando-a e notando uma quantidade de livros parecida carregada por Cloe. – O que você quer? - se fosse um pouco mais cavalheiro, se ofereceria para carregar os livros da ruiva mesmo que acabasse por derrubar todos, mas bem sabendo que seria incapaz de tal gesto, ignorou a careta que ela fazia para sustentar os volumes nos braços finos e prosseguiu com a caminhada.
– Que droga, Fran, toda vez que vê essa boneca de plástico você fica perdido no mundo da lua... - resmungou, enciumada. Ciúmes de amigos, que fique claro. Embora Cloe não pudesse reclamar do amigo uma vez que também viajava para a lua ao deparar-se com os braços musculosos de Lucas. Acabou por sorrir com esse pensamento e agradeceu ao observar a área destinada para o descanso dos alunos do bloco se aproximando, assim poderia se sentar um pouco e conversar até a próxima aula. – Falava sobre a tal festa que vai acontecer na praia da reserva, todo mundo vai, até o pessoal do teatro! - comentou, dando importância para o assunto tal a impressa vinculando as empreitadas nazistas. Apesar de levar os estudos à sério, Cloe não dispensava uma boa festa – mesmo que não fosse convidada para a maioria. Contudo, agora tendo em vista que até os esquecidos do teatro estavam convidados para a confraternização que seria regada com álcool e, possivelmente drogas, sentiu-se impulsionada.
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Amores em Aquarela
General FictionEncontros e desencontros, Rio de Janeiro e São Paulo - ponte aérea para o acaso. Pessoas interligadas, incapazes de saber o final da peça onde são meros coadjuvantes, sem espaço para protagonistas ou figurantes, coadjuvantes da própria história. Ima...