Capítulo I - O que me move nas perdições de um infinito que não me pertence

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Tudo parecia tranquilo naquele dia. Era uma manhã chuvosa do jeito que eu gosto, o café estava quente e muito forte, assim como os biscoitos que havia feito no dia anterior, ainda que estivessem meio doces com canela e chocolate. O que me intrigava era que precisava ir ao médico, aquela consulta de rotina que me sufocava aos poucos. Como membro da equipe nacional de arco e flecha é necessário fazer esses exames e consultas rotineiras, mesmo que eu não gostasse nem um pouco de tal. Sentia que alguma coisa estava estranha e que meu organismo não estava completamente bem, no fim sabia que algo estava incorreta, pois havia errado um alvo fácil em um treino.

Tentei não pensar que estava doente, acabei por tomar um paracetamol aqui na enxaqueca, um remédio para enjoo ali; tudo isso ia tardando o que viria a saber dali a pouco. E acreditem, foi a maior injustiça que a vida pode me fazer.

Sabe, eu era um rapaz bom, tinha um emprego legal, afinal era esportista. Ganhava razoavelmente bem, claro que não tão bem quanto jogadores de futebol — mas quem em sã consciência se importa com eles?

A questão era que vivi toda a minha vida engolindo sapos, devorando cada pão que o diabo amassou com o rabo para no futuro olhar para trás e ver todos aqueles que me fizerem mal de alguma forma tendo o cu fodido com areia pela vida.

A por favor, não me façam essas caras espantadas como se nunca tivessem ouvindo um palavrão, como se nunca tivessem ouvido algumas palavras impróprias.

Guardei por muito tempo tudo que queria falar e essas palavras apenas faziam com que na minha garganta se formasse um bolo, e que no meu estômago uma gastrite nervosa filha de uma puta tomasse conta.

Então vão a merda seus moralistas de meia pataca. Estou pouco me lixando para aquilo que esperam de mim agora, afinal vocês terão aquilo que jamais ansiaram: a minha extrema genialidade.

E não me venham com mais Jackson e nem muito menos Jackson, vou refluxar na cara dessa sociedade odiosa cada maldito sapo que me fizeram engolir, vou esfregar e esfolar a cara dela com cada maldito pão amassado pelo diabo que tentaram me fazer comer e se não for suficiente, vou enfiar goela abaixo todas as palavras que um dia euzinho aqui precisei mastigar.

Agora vocês estão satisfeitos?

Agora que deixei bem claro que não vou me curvar a qualquer moralista que se imponha — isso inclui o juiz que provavelmente vai ignorar essas palavras. Mas um dia ou outro vocês terão que me ouvir, e vai ser da forma que eu quero.

Assim, eu estava esperando que o ciclo da vida fizesse seu maldito e desgraçado papel e que cada filho da puta que um dia ousou me humilhar agora tivesse seu cu, sua vida e seus malditos desejos sendo engolidos — que eles sofressem por serem esses miseráveis e que me vissem com todo meu sucesso, glória e glamour e repensassem nas merdas que fizeram para mim.

Mas esse tal ciclo universal não funcionou muito bem não, na verdade acredito que talvez ele até tenha funcionado, mas na época eu não consegui ver o que de fato era meu destino afinal. Cego pelos meus medos e anseios, preso por aquilo que acreditei ser real, pelos meus sonhos e por aquilo que me disseram que era o que aconteceria comigo, segui rumo a um tal futuro que me foi retirado.

Dirigi calmamente para o consultório médico. Percebam como sempre fui exemplar. Até mesmo as leis de trânsito que duvido muito que vocês respeitam eu respeitava. Sinais, faixas de pedestres e a caralhada toda que creio eu, hoje não me serve de merda alguma.

Cheguei no consultório e uma moça loira — obviamente de farmácia — me atendeu e me fez assinar toda aquela papelada, de fato estava com meus exames em mãos e deveria mesmo assinar se não quisesse ter de pagar para a consulta — vejam bem, eu era da equipe olímpica e possuía minhas regalias.

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