Quero dedicar este capítulo para @howreguars por bater nas portas da minha DM de madrugada e me chamar de fada. E também por ter conversado comigo sobre os melhores assuntos aleatórios. Obrigada por isso.
Flashback on
Rojava – Norte da Síria
Eu estou sufocando. Presa dentro de um corpo que não é meu. Sinto dores que não causei e que não escolhi. Eu não queria estar aqui. Não desse jeito. Querer é perigoso, eles dizem. Eles sempre dizem muita coisa e metade delas eu não consigo compreender. Eu estou sufocando e não sei se é pelo excesso de fumaça e areia ou se por me dar conta do que vivo agora. Talvez seja os dois.
Ainda zonza ouço o barulho de outra bomba. Em segundos é como se você morresse e voltasse a vida. Bombas assustam. Depois da primeira, você dorme e acorda pensando nelas e aqueles bons sonhos angelicais que esperamos ao dormir sempre são interrompidos por algum ataque noturno. De onde elas podem vir, quando elas virão. Você pensa. Pensa. Pensa. E antes que pudesse chegar ao fim do cálculo, ela retorna. Bombas assustam, mas depois da quarta, ou quinta, não sei bem quando foi, comecei a perceber que o que me assusta mais é a fragilidade do que elas destroem. Estilhaços se fragmentando em alto e bom som, como uma música ruim onde você tenta tampar os ouvidos para evitar. O que assusta é o barulho da vida sendo devastada, os gritos de dor, os gritos da perda, o barulho dos corpos sendo empilhados um a um para servir de barreira para os que ainda vivem. E logo, logo, serão eles também empilhados como sacos de areia.
Eu estou presa. Agora não figurativamente mas literalmente presa sobre escombros da parede onde costuma ser meu quarto. Não sinto minha perna direita e nem lembro quantas vezes já tentei puxá-la para fora desse imenso pedaço de concreto que a prende. Aos poucos volto a ouvir outros barulhos que por sorte não são de bombas mas que por azar são gritos desesperados de dor e de medo. Vejo entre a nuvem de fumaça uma silhueta se aproximando, ainda é difícil distinguir se é um dos nossos. Me preparo para correr como fui treinada, mas fui traída pelas minhas próprias pernas. "Pensa Camila, pensa...Se você morrer hoje, você não morrerá pelas mãos de um homem."
Procuro pelo chão algo que possa ser útil para mim naquele momento, mas o que o quarto de uma adolescente pode oferecer? Homens conversam cada vez mais alto e eu pego rápido uma caneta jogada perto de mim e escrevo no meu braço "Kill me" de forma trêmula. Era minha melhor saída naquele momento porque não quero imaginar o que mais poderiam fazer comigo. Um dos homens entrou devagar pelo meu quarto, segurava uma dessas armas que eles tanto se orgulham de ter quando entram para o exército. Sabia que ele se aproximaria para checar se eu já estava morta e àquela altura provavelmente eu estaria. Encostou sua cabeça perto do meu peito e todo aquele cheiro de sangue e suor me deu náuseas quando começou a me tocar demais.... Eu queria fugir dali e acabei entregando que estava viva... o homem cujo rosto estava coberto por uma barba grossa e negra se levantou rápido para pegar sua arma mas antes que pudesse fazê-lo, bati sua cabeça contra o grande pedaço de concreto que prendia minhas pernas.
Uma, duas, três vezes.
O sangue escorria de sua testa e me sujava a blusa inteira. Tirei suas mãos nojentas de cima de mim e o empurrei. Minha respiração estava tão acelerada que sentia meus pulmões sendo rasgados em cada lufada de ar.
"Hoje não... hoje não."- Sussurrei a mim mesma enquanto as lágrimas caiam.
Homens sempre acham que guerras se ganham na força, no susto, no medo. A guerra é como uma seleção natural. Não é o lado mais forte que ganha. É quem mais consegue se adaptar às estratégias do outro. É o que resiste acima de tudo. Rojava resiste há anos as invasões e a crueldade. Levantamos cada pedra que foi ao chão, reconstruímos nossas vidas, não esquecemos nossa história. E como última escolha possível, eu escolho resistir.
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A Face da Guerra
FanfictionLauren Jauregui é uma agente da C.I.A especializada em Linguagem e Inteligência. Trabalha diretamente no setor de Operações Especiais Clandestino que cuida das investigações no Oriente Médio. Aos 23 anos, tenta retomar seu trabalho depois de seu afa...