A humanidade está podre, corrompida pelo pecado e incapaz de sair deste ciclo vicioso no qual entrou há algum tempo. É minha função limpar este mundo corrompido e trazê-lo de volta a luz.
Meio dia, esse é horário em que a maioria das pessoas saem em busca de alimento, a fonte de energia que mantém seus corpos funcionando, e é justamente neste horário em que começarei a minha missão. É possível ouvir os passos apressados da multidão, que sai de seus empregos em direção aos restaurantes.
Em meio a todo aquele barulho, o som dos passos de uma pessoa em particular se destaca e não é necessário muito esforço para identificar a fonte do ruído estrondoso. O modo como ele se locomove é quase risível. Lá vem ele, com seus passos lentos e desprovidos qualquer graça, como se seus membros inferiores não entendessem que precisavam caminhar na mesma direção e fossem, em algum momento, sucumbir a toda aquela gordura abdominal. A cada passo lento e pesado, é possível notar a gordura balançando provocando ondulações por todo o seu corpo e o deixando semelhante a uma grande gelatina humana.
Ele segue seu caminho, esbarrando seu corpo suado e gorduroso nas pessoas ao seu redor. Repugnante. Algumas pessoas apontam e fazem comentários maldosos ou de pena, a respiração ruidosa indica que o sangue já não circula tão bem em seu corpo. Seus olhos observam tudo rapidamente, e suas narinas dilatam-se diante dos inúmeros aromas, mesmo tendo acabado de comer suas papilas gustativas vibram diante da expectativa de poder devorar cada um dos deliciosos pratos que estão a serem servidos nos inúmeros restaurantes, porém todos estavam lotados para o seu total desespero.
Não que ele realmente estivesse com fome, na verdade naquele dia não estava com fome, aquele era o seu prazer particular, quando comia sentia-se pleno e capaz de fazer qualquer coisa, ninguém conseguia comer a mesma quantidade de comida que ele, naquele momento ele era o rei do mundo mas, o que aconteceria se não conseguisse comer mais? A simples ideia de almoçar apenas uma vez naquele dia tirava-lhe a sanidade por completo. Então, ele saiu apressado esbarrando nas pessoas sem se importar com mais nada, tudo que ele precisava era encontrar um local para comer, seus olhos rolavam nervosamente como se a qualquer momento fossem sair de sua face até que algo chamou-lhe a atenção, um restaurante novo, e sem nenhum cliente.
Uma pessoa movida pela gula é incapaz de perceber o perigo em que se encontra, se aquele homem estivesse não focado em comer e mais focado no ambiente que o cercava, teria no mínimo achado estranho que o restaurante não estivesse com as portas abertas em horário de almoço mas, ao invés disso, ele entrou no local.
Se aquele homem tivesse o mínimo de inteligência teria reparado que ninguém oferece comida de graça pra uma pessoa que, visivelmente, pode levar o restaurante a falência. Se aquele homem fosse inteligente teria notado o sorriso suspeito da dona do restaurante, se aquele homem não fosse um pecador sujo e imundo, ele jamais teria achado aquele restaurante.
Comida de graça, o que mais ele poderia desejar? Foi o que se perguntou enquanto era servido dos mais diversos pratos, perdera a noção do tempo e nem ao menos notou que os pratos foram tornando-se cada vez mais exóticos. Já passava das duas da tarde mas ele ainda comia, sem perceber que seu tamanho aumentava e suas roupas ficavam menores, mas a moça lhe sorria e trazia um novo prato, então o pensamento de ir para casa era afastado de sua mente.
Aquele homem, movido pela gula, continuava a comer enquanto seu rosto transpirava e o suor caia dentro do prato, mastigava com a boca aberta e afrouxava o laço da gravata, talvez fosse hora de parar. Desabotoou o primeiro botão da camisa e tomou mais uma colher de sopa, limpou o suor do rosto e olhou para colher notando um olho que se mexia, olhou ao redor e notou que o local era sujo e que tinha pessoas mortas espalhadas pelo chão, sentiu o líquido voltar por sua garganta vomitando sobre o prato.
A bela moça aproximou-se um modo gentil dizendo:
— Você vomitou na sopa — fez uma cara séria — Que deselegante!
— Tem um olho na minha sopa!
— E somente agora você notou? — ela disse rindo de um modo assustador que fez com um arrepio gelado descesse por sua espinha — Você é o que você come. — afirmou, tomando a colher da mão dele e mergulhando no prato com sopa e vômito — Agora abra a boca e termine a sopa.
Tentou gritar, mas o som é abafado pela nova colherada do líquido fétido e viscoso, tenta levantar-se e, ao não conseguir, finalmente percebe que está com o dobro do peso de quando entrou, sente novamente a ânsia de vomitar e mais uma vez é obrigado a ingerir o próprio vômito, colherada pós colherada sem tempo para respirar, e sufocando até a morte em seu prazer pessoal.
A jovem para o que estava fazendo ao notar o corpo sem vida e o prato vazio. Foto, ela arrasta o corpo pesado até a cozinha e faz o mesmo que com os outros corpos, sorrindo, ela começa a preparar o cardápio que será servido no jantar, entre tortas, sopas e guisados de carne ela cantarola. Os clientes a elogiam e sorrindo ela responde:
— Fico feliz que a comida agrade afinal, você é o que come.
Ah! A temperança sempre tão contida e eficaz em seu julgamento, se ao menos aqueles pecadores tivesse um mínimo de bom senso, não comeriam tanto.
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Sinner
HorrorUma linha tênue separa a virtude do pecado... Existe pecado maior que outro? Existiria algo ou alguém incapaz de pecar? Descubra através dos olhos desse misterioso narrador.