Ganância

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 Pela janela empoeirada da antiga mansão que ficava no final da rua, era possível vê-lo, o homem já idoso em sua cadeira de balanço observando a fina garoa que caía do lado de fora. Embora tivesse uma riqueza quase incalculável, aquele homem viveu uma vida de privações.

Sozinho na velha mansão, sem nunca ter se casado e já não tendo nenhum parente vivo, sua única companhia era seu precioso dinheiro e a presença do jovem enfermeiro a quem pagava uma miséria.

O jovem vinha de uma família pobre com muitos irmãos e sempre foi muito ambicioso, o frio e úmido quarto no qual dormia era maior do que sua antiga casa, as refeições frias e quase estragadas eram melhores do que tudo que já tinha comido ao longo da vida, e o pouco que recebia era mais do que poderia esperar.

Um jovem sem estudos, que não veio de berço de ouro, não era se quer pra ser cogitado como enfermeiro, mas felizmente para o velho idoso o rapaz era perfeitamente capaz de seguir ordens do médico e custava bem menos que um hospital.

O médico vinha uma vez por mês, a estranha figura causava certo desconforto à primeira vista, alto ao ponto de ter que curvar-se para passar pela soleira da porta, braços longos e dedos finos, o corpo extremamente magro com uma barriga que parecia aumentar a cada visita, os pés eram pequenos demais para todos aquele corpo o que fazia com que ele andasse de um jeito manco, a face pálida sempre coberta pela máscara, os olhos sempre avermelhados, com aspecto de que tinha chorado, a cabeça sempre coberta pelo chapéu fedora preto contrastando com a capa impecavelmente branca.

O médico seguiu o ritual de examinar o velho cuidadosamente parte por parte e focando nos pulmões e estômago. Embora o paciente continuasse a reclamar de não conseguir mover o corpo livremente e de dores estomacais, o médico afirmava que ele estava melhorando.

Antes de ir embora deixava uma garrafa de remédio que o jovem deveria dar ao paciente de hora em hora. Como era de costume, o velho afirmava que enviaria o pagamento mais tarde, e como de costume, o médico sabia que não receberia nada novamente, mas a sua generosidade não permitia deixar de atender um velho e solitário senhor.

Já aquele jovem tinha motivos nada nobres para estar naquela casa, ele sabia que o velho senhor não tinha nenhum parente vivo, cuidando dele até a morte tinha grandes chances de tornar-se o único herdeiro da imensa fortuna.

Os dias seguiram e, embora o velho tomasse o remédio indicado pelo médico, seu estado em nada melhorava, até que um belo dia na hora do remédio o jovem encontrou o velho senhor caído no chão, com os olhos arregalados e a boca espumando, os lábios roxos e parecia que ele estava morto há dias.

"Estou rico! Finalmente sairei desta vida de miséria!" pensou enquanto ligava para o hospital avisando do falecimento do velho senhor, não tardou para chegar o médico, o jovem observou que agora o estranho homem parecia ter uma barriga anormalmente grande e se perguntou se aquela seria alguma doença rara.

Enquanto o cadáver era levado para passar pelo processo de autópsia, o jovem contava aos policiais como tinha encontrado o corpo. Após ficar sozinho novamente, ele passou a procurar por todos os cômodos da enorme mansão o cofre com todo ouro que finalmente seria seu, mas para sua surpresa não encontrou nada de real valor.

Aquele humano tolo era incapaz de perceber o que acontecia embaixo do próprio nariz, e sua angústia piorou quando, no dia seguinte, policias invadiram a velha casa e o levaram preso sob a acusação de assassinato.

Dentro do corpo do velho senhor foi encontrado veneno suficiente para matar uma cidade inteira. Enquanto era arrastado para uma cela suja e infestada por ratos, o estranho médico sorria de forma enigmática, enquanto o que deveria ser um cadáver se desfazia em uma estranha poça de ácido.

No porão da velha mansão, escondido por uma parede falsa ficava o cofre cheio de tesouros, o antigo médico passou pelo aposento vazio, onde o velho senhor olhava com total desespero a ausência de sua fortuna.

— O que fez com o meu precioso ouro?

— Mesmo nessa situação, tudo que importa pra você ainda é apenas o ouro.

— Eu sabia que aquele ratinho queria me roubar — era possível ver a raiva nos olhos do idoso — Agora me devolva meu dinheiro.

— Não se preocupe — o médico disse retirando a máscara e o chapéu, revelando o rosto apodrecido e as longas madeixas brancas — Você e seu dinheiro ficarão juntos pela eternidade.

Então, usando os longos dedos, ele rasgou o tecido das vestes hospitalares, causando verdadeiro horror ao velho, enfiando os dedos no buraco que outrora fora o umbigo, mas agora era apenas carne em decomposição, ele começou a rasgar a enorme barriga, todo o ouro começou a cair e inundar a sala.

O brilho de felicidade era visível no rosto daquele humano decrépito, tão cego por finalmente poder tocar seu dinheiro, ele não percebeu que pouco a pouco seu corpo deixava de ter carne e se convertia em ouro. Quando percebeu, teve o grito de pavor sufocado, tornando-se uma estátua bastante assustadora.

Aquele humano era tão ou mais miserável que os demais, sua ganância era tanta, que se deixou levar pela promessa de dobrar o valor de sua fortuna e esqueceu completamente dos instintos que o levaram até ali, fora incapaz de manter sua premissa máxima de nunca confiar plenamente em alguém.

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