Mateus
Eu sou um cara comum com aspirações de fazer a diferença. Ou seja, sou um cara como qualquer outro, ainda que tente me convencer do contrário. No momento, estou vestindo a camisa social, olhando o relógio para não perder a hora do trabalho, achando que faço toda a diferença do mundo.
Não é bem assim.
Estou no sétimo período de jornalismo, brigando com o meu TCC. Meu pai acha que eu devia largar o meu trabalho e ajudá-lo a tocar o seu negócio. Afinal, não tenho feito mais nada que ralar e estudar, e a única vida social que me permito é a pelada com a turma da faculdade. Só para não enlouquecer, toco meu violão todas as noites, no meu quarto mesmo, e aos sábados, depois da tal pelada, quando eu e os meus amigos sentamos para repor o que desidratamos com cerveja. Não largo o trabalho porque ele une as duas coisas que eu amo, que são jornalismo e música. Ou, pelo menos, deveria unir.
O que chamo de trabalho na verdade é um estágio. Só que é em uma das maiores gravadoras do mundo, no setor de comunicação. Mandei o currículo achando que era muita viagem, jamais me chamariam. Meu único diferencial era ter um inglês bem decente, o que, vamos falar sério, não é diferencial coisa alguma, e gostar de música, o que todo mundo gosta também. Mas chamaram. Aí entrei no grande mundo corporativo de fazer fotocópias, preencher formulários e ir ao banco. Basicamente um contínuo mais bem vestido e com curso superior quase completo.
Mas, otimista que sou (me acho especial, certo?), continuo batendo cartão todo dia, fazendo os trabalhos mais escrotos possíveis, na esperança de que, em algum momento, me peçam algo remotamente relacionado a jornalismo ou música, ou ao menos que tenham uma vaguinha para mim em algo mais interessante quando eu me formar. E parece que, finalmente, a sorte sorri para mim quando chego e sou chamado para conversar com a chefe do meu setor.
O nome dela é Vanessa e ela é bastante gente boa. Ao menos, sorri muito quando me manda ir ao banco ou fazer cópias de documentos. Diz ela que gosta do meu trabalho, mas sério, não tem tanto mistério assim no que venho fazendo até agora, certo? Uma vez fomos a um happy hour, a cerveja me deu coragem e eu disse que estava pronto para novos desafios. Ela disse para eu ser paciente, que a minha hora chegaria. Acho que chegou.
Sento em frente à sua mesa, que está sempre soterrada em papeis e sobre a qual mal se consegue ver o computador, que por sua vez está enterrado em post-its. A aparência da Vanessa é igualmente desorganizada. Ela está sempre meio descabelada, uns óculos sobre a testa, outro par, de leitura, pendurado no pescoço, não é raro sua camisa estar abotoada de maneira errada, sempre com pressa. Hoje, mal eu chego, ela começa, como se o assunto já estivesse pela metade:
-Então, Mateus, Malu Lewknor, certo?
-Certo – Respondo, sem ter ideia do que estou concordando. Conheço Malu Lewknor porque todos a conhecem. É uma grande guitarrista e tem contrato conosco. Só para tornar esse ponto mais claro, Vanessa começa a mostrar números gigantescos. Segundo ela, havíamos faturado uma nota com a Malu Lewknor nos últimos quinze anos, e não havíamos terminado.
-Você sabe que ela tem esclerose múltipla, não é? – Ela diz, como se estivesse contando algo fantástico. – Quase ficou com a mão atrofiada, aí fez um tratamento, conseguiu uma melhora, lançou um CD com os maiores sucessos e vai botar o pé na estrada pela última vez. Com a doença e o anúncio da turnê de despedida, os CDs dela estão vendendo como água, Mateus – Ela coloca mais números na minha frente. – E isso hoje em dia, quando as pessoas baixam música de graça pela internet, mas sua decisão de reverter parte dos lucros para a pesquisa de esclerose múltipla foi uma jogada de gênio! Ok, jogada para nós.
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Descobrindo Você [Degustação]
Fiksi RemajaNo terceiro spin-off da série Diários de Malu, vamos conhecer a caçula dos Lewknor, Lily, que reuniu toda a cabeça dura da família e nos conta, nessa comédia romântica, a sua história. Apesar de fazer parte de uma série, Descobrindo Você é um livro...